terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Conto: Menina de 34 anos - Parte 3


(c) Visão ao Longe


MENINA DE 34 ANOS - PARTE 3

Mariela não demorou a ganhar a confiança de Lico. Seus trabalhos eram primorosos, cuidadosos, esmerados e refletiam sua jovialidade. Quando havia alguma dúvida, algum termo que ela desconhecia, não hesitava em perguntar a Lico. Pela primeira vez em anos, ele percebera sua limitação: alguém o desafiava. Porém, ele reagira a este desafio com humildade, o que lhe surpreendeu. Os emails e as inúmeras conversas deixaram os padrões profissionais e ganharam a informalidade. A delicadeza feminina havia vencido uma barreira quase instransponível, atrás da qual Lico se escondia de si mesmo. Uma música, uma foto, um comentário casual no meio do dia, uma piada. Lico admirava a versatilidade de Mariela, a facilidade com que ela mudava de assunto e sempre tinha um comentário espirituoso, brincalhão. Ele deixou o sorriso aflorar. Ele passou a admirar a cidade. Ele passou a reparar mais nas pessoas ao seu redor; passou a se interessar de forma sincera por quem contribuía com o seu trabalho.


Aos poucos, ela foi revelando a Lico um outro lado da vida. O diferente deixou de ser abjeto e rejeitado, e passou a ser investigado, admirado. Mariela havia instigado um lado obscuro de Lico, que nem ele conhecia. A liberdade batia às portas de Lico, a libertação do velho Lico.

O tempo passou, como tudo na vida, e Lico deixara sua casca envelhecida ao longo do caminho. Era um homem renovado. Uma menina de 34 anos, como ele secretamente a chamava, havia despertado um ser humano adormecido, um bom homem, mas empedernido pela rotina cruel do trabalho feito de forma mecânica e sem amor.

Quando Mariela contou-lhe do esmalte laranja, Lico sorriu. Sorriu num agradecimento silencioso, ainda secreto, por aquela menina que havia conduzido-o pela mão numa trajetória paciente de renovação. Não torceu o nariz; não achou estranho ou arrojado. Viu no gesto dela o arrojo de um espírito vibrante e cheio de vigor, a sensibilidade estética de antecipar tendências, a beleza de uma mulher única, o avesso de tudo que imaginava desejar numa mulher.

O esmalte laranja. Era o ápice da transformação, da renovação do novo Lico. Ela não sabia, mas ele pressentia que ela já percebera o poder transformador que exercera sobre aquele jovem advogado. Lico estava feliz. Feliz e profundamente agradecido pelo acaso ter sido tão sido tão generoso com ele. E não por acaso, tudo isto se materializara às vésperas do Natal.



OBS: Esta é a parte final do conto. A Parte 1 e Parte 2 podem ser lidas nos links.

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Feliz Natal

Desejo a todos os amigos, leitores, colegas e companheiros de jornada através deste blog, um Feliz Natal de muita paz, de muita alegria e de uma profunda renovação em nossos corações!

Que o menino Deus no presépio ilumine nossas mentes e abençoe nossas vidas!

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Conto: Menina de 34 anos - Parte 2

MENINA DE 34 ANOS - Parte 2


Apesar do calor de fevereiro, Lico abotoara o paletó ao entrar no elevador e não dava a menor indicação de estava numa cidade com uma temperatura escaldante. Ele parecia saído de uma geladeira, todo arrumado, todo pomposo, todo formal. Não havia um fio de cabelo fora do lugar e disfarçava muito bem um certo temor que estranhamente lhe afligia antes que aquela porta se abrisse.


Mariela abriu a porta e saudou-o com profissionalismo. Era uma moça bonita, de pele morena dourada pelo sol, cabelos longos num tom castanho claro, quase loiros, olhos vivos que traziam consigo o brilho da juventude, uma jovialidade espontânea que fulminara Lico. Ele tropeçou nas palavras ao se apresentar, perdera um pouco da compustura, algo raríssimo, ainda mais diante de uma pessoa que ele julgava inferior intelectualmente.

Conversaram por quase uma hora. Mariela fez questão de dispensá-lo quando percebeu que o assunto principal já havia sido discutido e ao notar que Lico parecia incomodado diante dela. Ele estava incomodado. E muito. Subitamente, Lico se viu instigado por aquela mulher. O encontro havia catalisado em seu interior sentimentos adormecidos, ideias enterradas, uma juventude perdida, um tempo que passou e que pensava irremediavelmente enterrado. Algo borbulhava dentro dele como um vulcão prestes a erupcionar, suas ideias pareciam reviradas do avesso, seus conceitos haviam sido postos em xeque com apenas um olhar, algumas palavras e um sorriso.

Lico ignorou o calor e resolveu caminhar de volta para o hotel. Tirou o paletó e carregou-o dobrado no braço, alheio aos riscos das ruas cariocas, algo inusitado para aquele homem. Ele estava em transe, arrebatado por uma visão de vida para a qual ele estava cegado. Mariela havia, sem perceber, causado um terremoto na vida de Lico, fazendo desmoronar uma muralha que o distanciava da realidade e dos anos que se passavam sem que ele vivesse. Bastara uma hora de conversa com a carismática moça para Lico perceber que a palpitação que sentira no coração não era o início de um problema cardíaco, mas seiva da vida a pulsar dentro dele. Era uma epifania!

 
A Parte 1 pode ser lida aqui.

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Cores de Verão


Cores de Verão, Élia Laranja

Início do verão. O sol brindou-nos por aqui com uma explosão de cores. O céu azul; as árvores com um verde vivo; a decoração de Natal reluzindo o brilho luminoso em tons de dourado, prateado e vermelho. Nesta profusão de cores, um espetáculo gratuito, o rosto da pessoas reflete a estação do ano, de muita luz, de muito calor, de intensidade.

A moda traduz bem esta explosão. Nada de tons apagados ou cores discretas; tudo é vivo, tudo é cor.

Cada dia uma  cor, em vários matizes e tons, mas sempre uma cor. Do arco-íris para a arquitetura; do céu para os olhos da pequena criança a brincar com final das aulas e ansiosa pela chegada das festas; do astro rei para o teu sorriso a iluminar meus passos e devaneios.

O verão chegou com seu festival de cores.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Conto: Menina de 34 anos - Parte 1


(c) visão ao longe



MENINA DE 34 ANOS

Foi numa conversa corriqueira durante uma tarde comum, no meio do expediente, sem motivo algum, sem introdução, em que casualmente ela escreveu: “pintei as unhas com esmalte laranja!”


Licurgo havia se acostumado a conversar com ela com frequência pelos comunicadores instantâneos, algo que ele considerava uma das grandes maravilhas modernas, principalmente por ajudá-lo a vencer a timidez e a aproximar pessoas distantes fisicamente. Passava horas ligado e mantinha-se online sempre que podia – e o trabalho permitia. Naquela tarde, estava tranquilo. Leu a mensagem dela e sorriu. Respondeu alguma coisa elogiosa. Dificilmente ele era crítico com Mariela.

Aquela frase, surgida do nada em sua tela do computador, era um indicativo de uma longa e lenta jornada, que agora ele se dava conta com mais clareza e lucidez. Talvez fosse esta proximidade das festas de final de ano que haviam deixado seu espírito mais aberto e propenso a perceber sutilezas dos gestos humanos.

Este algo surgiu inesperadamente quando Mariela foi indicada para atuar como tradutora de francês dos documentos jurídicos do escritório. Licurgo era um advogado que trabalhava com clientes franceses num enorme escritório da Av. Faria Lima, em São Paulo. Foi o Dr. Vergueiro, um dos sócios mais antigos e que já se aposentara, que havia recomendado os serviços de Mariela. Conhecia o pai dela, diretor de uma multinacional francesa, e disse que a moça era formada em letras e falava francês fluentemente. O Dr. Vergueiro frisou a formação e histórico da tradutora pois sabia que Licurgo, mesmo jovem, colocaria uma série de empecilhos e obstáculos até ganhar confiança nela.

Licurgo era detalhista, beirava a chatice no trato com os funcionários, implicante com atrasos e demoras, intolerante com erros ingênuos e descuidos profissionais. Os estagiários temiam trabalhar com ele. Trazia consigo uma arrogância típica de alguém que com pouco menos de 35 anos estava prestes a virar sócio. Era um velho travestido de jovem advogado. Ou talvez, um jovem advogado envelhecido pela dedicação integral, cobrança e sistema escravocrata imposto aos associados dos grandes escritórios de advocacia brasileiros.

Licurgo era um velho interior. Cultivava uma solidão pernóstica. Não tinha tempo para amigos, apenas para o trabalho que lhe consumia o dia, a noite e a vida. Certa vez um amigo lhe perguntou de que valia uma bela conta bancária, um belo carro do ano, se ele não vivia? A pergunta, lançada numa mesa de bar, numa das raras vezes em que fora tomar uma cerveja com amigos, causou-lhe uma crise existencial.

- Acorda para a vida, Lico! – cutucou um amigo naquela ocasião.

Ele não dormiu naquela noite. Passou a maior parte do tempo olhando a cidade adormecida pela janela, ouvindo, pacientemente os poucos ruídos que a alta madrugada lhe presenteava.

No dia seguinte, o Dr. Vergueiro entrou na sala de Lico e falou-lhe de Mariela. Determinou que ele deveria marcar uma reunião com ela na sua próxima ida ao Rio de Janeiro. Ele quase engasgou. Carioca falando francês não deve ser coisa boa, ele pensou, mas como a ordem vinha do chefe, ele aquiesceu. Pegou os dados de Mariela com a secretária de Vergueiro e mandou-lhe um email com todo formalismo de um primeiro contato. A resposta foi rápida e a reunião marcada para a semana seguinte, na casa dela, no final do dia.


terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Epígrafe - II

"Veja o dia de hoje,
Pois o de ontem é apenas sonho
E o de amnhã, apenas uma visão.
Mas o hoje bem vivido
Torna todo o ontem um sonho de felicidade
E todo o amanhã uma visão de esperança.
Por isso, concentre-se no dia de hoje."

Provérbio Sânscrito

(Stephen R. Covey. A Grandeza de Cada Dia. Rio de Janeiro : Sextante, 2008, p. 222).

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Crônica: O Barco




O BARCO

Sou um barco velho que repousa nas águas mansas de uma baía, atracado no píer. Meu casco de madeira traz as cicatrizes de praias rasas, de pedras pelo caminho, de abalroamentos com cais e atracadouros. Cicatrizes desenhadas e que formam símbolos indecifráveis para um desconhecido, mas que conheço cada detalhe de sua estória e de seu nascimento. Algumas foram remendadas; outras perduram e remanescem como uma lembrança de lutas e derrotas.


Sou um barco velho e cansado. Naveguei por águas turvas, por águas inquietas, por águas remansosas. Naveguei em dias de céu claro, de sol forte, ao longo de margens límpidas e repletas de folhagens verdes. Naveguei na escuridão da noite, guiado pelo luar e pelas estrelas que pontilham a abóbada celeste. Naveguei em dias de chuva, de tormentas, de ventos cortantes como uma navalha e com frio polar. Naveguei sem rumo, apenas para acompanhar aquele que me guiava no leme com mão firme. Naveguei ao bel prazer da correnteza, deixado-me levar. Naveguei em alto mar, em longas jornadas para recônditos desconhecidos e inexplorados. Naveguei em busca de algo que não imaginava, mas que se concretizou por fruto do acaso. Naveguei incansavelmente, dias e noites, esperando avistar terra, um farol, uma luz. Naveguei no silêncio e no barulho das ondas. Naveguei para te encontrar.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Dicas da Dani: Ingrid Michaelson

Ingrid Michaelson nasceu em 1979. É cantora e compositora, além de tocar violão e piano. Faz um som indie-pop e tem músicas nas trilhas sonoras de Grey's Anatomy e One Tree Hill.

Com suas músicas sendo tocadas em séries de sucesso (Grey’s Anatomy/One Three Hill), Ingrid ganhou reconhecimento e o single The Way I Am se tornou hit na internet.

No verão de 2008 no hemisfério norte, abriu a turnê europeia do cantor Jason Mraz.

Ingrid recentemente gravou um dueto com a cantora Sara Bareilles chamado ‘Winter Song’, gravado no ‘The Hotel Café Presents Winter Songs’. Elas apresentaram a música no The Tonight Show with Jay Leno em 9 de Decembro de 2008. A canção também fez parte da quinta temporarada de “Grey’s Anatomy“‘s e do penúltimo episódio da série Scrubs.

Se você gosta de Sara Bareilles, vai ouvir falar de Ingrid Michaelson. Maybe já está no playlist de rádios brasileiras e dá a trilha sonora a este post.




MAYBE

Written by Ingrid Michaelson


I don't want to be the one to say goodbye
But I will, I will, I will
I don't want to sit on the pavement while you fly
But I will, I will, oh yes I will

Maybe in the future, you're gonna come back, you're gonna come back around
Maybe in the future, you're gonna come back, you're gonna come back
The only way to really know is to really let it go
Maybe you're gonna come back, you're gonna come back, you're gonna come back to me

I don't want to be the first to let it go
But I know, I know, I know
If you have the last hands that I want to hold
Then I know I've got to let them go

Maybe in the future, you're gonna come back, you're gonna come back around
Maybe in the future, you're gonna come back, you're gonna come back
The only way to really know is to really let it go
Maybe you're gonna come back, you're gonna come back, you're gonna come back

I still feel you on the right side of the bed
And I still feel you in the blankets pulled over my head
But I'm gonna wash away, oh I'm gonna wash away everything til you come home to me

Maybe in the future, you're gonna come back, you're gonna come back
In the future, you're gonna come back, you're gonna come back

Maybe in the future, you're gonna come back, you're gonna come back around
Maybe in the future, you're gonna come back, you're gonna come back
The only way to really know is to really let it go

Maybe you're gonna come back, you're gonna come back, you're gonna come back to me
You're gonna come back to me
You're gonna come back to me

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Sonoridade



"O 'o', que ela pronunciava surpreendentemente como um 'u', a sonoridade clara, estranhamente abafada do ê e o macio chiado no final soaram-lhe como uma melodia que, para ele, perdurou mais tempo do que na realidade, uma melodia que ele simplesmente adoraria ter escutado durante todo o resto do dia."
(Pascal Mercier. O Trem Noturno para Lisboa. 3a. ed. Rio de Janeiro : Record, 2009, p.15)

Feche os olhos e escute. A sonoridade da voz, com seu timbre próprio, com a entonação peculiar, com um sotaque. Nos tempos em que o telefone não denunciava quem estava do outro lado da linha, éramos tomados de alegria ao ouvir do outro lado da linha uma voz conhecida. A alegria ressoava e era denunciada pela entonação. O rádio ainda nos convida a fazer este exercício auditivo, a imaginar a pessoa que é titular daquela voz.

A sonoridade da voz é o ponto de partida, a faísca, que altera o ritmo do batimento cardíaco, que arrepia, que nos emociona. A música, como trilha sonora de um filme, ou de um momento especial, marcam de forma indelével a memória do filme da vida de cada um.

Prendi-me a este trecho inicial de O Trem Noturno para Lisboa que ecoou ao longo de minha leitura. Este post estava em fase de gestação, até que ontem, ao ler a notícia da morte do Lombardi, o famoso locutor dos programas do Silvio Santos que nunca mostrava o rosto. Sua identidade era a voz. Assim como Cid Moreira, Jânio Quadros, Paulo Maluf e tantos outros que nos marcaram pela sua voz.

A voz, como na obra de Pascal Mercier, pode romper barreiras e derrubar muros. Certa vez um amigo narrava-me que havia deixado de odiar o jeito de falar dos cariocas. Surpreso com esta revelação, pois era um bairrista convicto, perguntei-lhe o que havia acontecido. Ele, com um brilho nos olhos, dissera-me que uma carioca da gema havia encantado-o com sua voz. Ouvira a voz, antes de contemplar seus olhos, e aquela voz o arrebatara de forma a mudar radicalmente sua visão do sotaque carioca.

Uma voz, uma música, um som. Uma palavra dita com ternura e carinho. Um conselho sussurrado em segredo. A audição nos presenteia com todos estes mimos. A voz amiga mata a saudade e impulsiona a novos sonhos e voos. A sonoridade nos lembra constantemente que não estamos sós.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Epígrafe - I

A felicidade e a desventura têm isto de comum: pedem companhia. A primeira, para se multiplicar; a segunda, para se dividir.


A saudade, não: a saudade é solitária. Pede recolhimento e silêncio. E é grave, é austera. Reclama um canto, como a esconder-se, e deixa os olhos molhados, como estão os meus agora, com o pensamento na família, nos amigos, nos companheiros, diante da luz escancarada defronte de minha janela sobre o mar.”

(Josué Montello. Diário do Entardecer. Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 1991, p. 173)

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Crônica: Bosque



BOSQUE

Os passos tornaram-se pesados, arrastados, entregues ao cansaço da longa caminhada. Parecia que as pernas cederiam, bambas, e que não teria mais forças para dar um passo sequer. Sentou-se num tronco morto, caído por entre as árvores do bosque, derrubado talvez por um raio, ou infestado por cupins pequeninos, mas que unidos, haviam devorado a seiva da árvore até que ela fraquejasse e tombasse.


A luminosidade que penetrava por entre a copa alta das árvores cheias de folhas e flores começava a escassear. Era um final de tarde de primavera, próximo do final do ano; um dia quente e úmido. Iniciara a caminhada cheia de ímpeto e força; ao longo do caminho, meio sem rumo, distraída pela rotina do andar, pelo crepitar das folhas e dos galhos, ela se perdera e vira a vivacidade do olhar transmudar-se em temor. O medo brotava sorrateiro provocando um leve arrepio.

Olhou ao redor. As árvores pareciam iguais, como se fossem de plástico e todas tiradas de um mesmo molde. As folhas no chão encobriam qualquer sinal de caminho ou rastro de trilha. Estava perdida, embaralhada, confusa. Pressentiu a cegueira que viria com a noite e a escuridão. Tudo já estava escuro no seu interior. O medo parecia congelar seu raciocínio e o desespero iniciara sua tática maligna de confundir.

Ficou de pé, num arroubo de coragem e persistência. Não podia desistir, não podia ceder, não poderia se deixar vencer por suas fraquezas. Precisava de companhia, de alguém por perto para lhe dar a mão e guiar seus passos. Mas não havia ninguém por ali, somente ela. Lembrou-se de tantas e tantas vezes em que estava cercada de pessoas que não viam sua aflição, seu clamor silencioso por ajuda. Novamente, pensou em desistir e ficar por ali, ao relento e sucumbir.

Ela era tinhosa. Pegou um pau no chão para usar como apoio e possível arma de defesa se algum animal lhe surpreendesse e deu um passo. Depois outro e mais outro. Retomara a caminhada, mesmo cegada pela escuridão, mesmo solitária, mesmo perdida. Era preciso lutar, era preciso viver. O que parecia um sussurro longínquo, dito ao pé do ouvido, encheu-lhe de esperança. Talvez fosse somente o vento, mas ela via aquele rosto de feição paciente a lhe dizer o que somente ele poderia lhe dizer. O vento parecia trazer-lhe estas palavras, a dizer-lhe coisas que somente ele via nela, mais ninguém. Ela era sim o que ele repetia incansavelmente até ter a certeza de que as palavras haviam penetrado em sua cabeça dura. Caminhar era preciso, lutar era preciso, viver era preciso. E um dia haveria de encontrar novamente aquele sorriso perdido. Bastava, para tanto, sair do bosque escuro.

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

OSGEMEOS estão em mostra na FAAP



Luminescence


Uma caixa de madeira, de formato cúbico, com cada lado medindo aproximadamente 1,5m. Numa das faces deste cubo, um rosto desenhando com spray, no melhor estilo dos grafites coloridos e artísticos que podemos encontrar nas ruas da cidade grande. Esta cabeça apóia-se sobre outra cabeça e o observador é convidado a entrar na escultura. Abaixa-se e ingressa num universo de espelhos e luzes, com uma sensação de poder “ver” o infinito. Ou ficar maravilhado com singela, mas fascinante, representação do interior da cabeça humana. A instalação denomina-se Luminescence.


Esta instalação está disponível para visitação no Museu de Arte Brasileira da FAAP com a exposição Vertigem, que apresenta obras de Gustavo e Otávio Pandolfo, artistas brasileiros conhecidos como OSGEMEOS. Aberta em 25 de outubro, a mostra permanece até o dia 13 de dezembro de 2009.


Ana Carolina Ralston comenta que "a exposição Vertigem retrata um mergulho profundo no sentimentos desse universo criado pelos irmãos. Plasmando ideias cotidianas e criando cenas reconhecíveis através de uma mistura harmônica com o abstrato. As instalações, assim como todo o espaço criado pela dupla, sugerem uma divertida comunicação que explora os sentidos visuais, auditivos e táteis. A música, porta de entrada essencial para o mundo fantástico dos artistas, realiza uma interação individual e coletiva, colocando nas mãos de cada um o poder das palavras e dos sons. Tudo para que se possa entrar em uma viagem em busca de si mesmo, da luz e da sombra que existem dentro de cada um de nós. Uma experiência que nos faz submergir em todas as formas de um mundo mágico paralelo e condizente com a realidade."

Estive na mostra no último final de semana e fiquei agradavelmente surpreso com o que encontrei. Quem estiver passando por São Paulo, vale a pena. A entrada é franca.





terça-feira, 24 de novembro de 2009

Lula e Freud

O discurso de nosso grande líder merece ser visto. O vídeo é curto e garante muitas risadas. Fico pasmo com a capacidade criativa de nosso presidente. É muita besteira para um único homem.

A incorporação do vídeo foi desabilitada, então, meus caros, tem que clicar no link para acessar o vídeo.

Uma pérola destas não poderia passar batido.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Quebrando o silêncio



"Um banco separado, provavelmente para a direção escolar. O silêncio de uma igreja, não, simplesmente o silêncio que importava, um silêncio que não poderia acabar com qualquer palavra. Um silêncio que transformava palavras em esculturas, monumentos do elogio, da advertência ou da sentença destruidora."
(Pascal Mercier, Trem Noturno para Lisboa. Trad. Kristina Michahelles, 3a. ed., Rio de Janeiro : Record, 2009, p.158)

Alguns temas me fascinam e se encadeiam sorrateiramente em posts inesperados. O silêncio é um destes temas que vivem passeando por este blog, e que foram objeto dos últimos posts. Seu entrelaçamento temático é inadvertido, não proposital. Talvez por que tenha dedicado mais tempo para refletir sobre o tema, ou talvez por que o tema tem pontuado minhas leituras. Enfim, o tema surgiu, aqui se instalou e agora amadureceu.

O trecho transcrito acima é do excelente livro de Pascal Mercier. Raimund Gregorius, professor de línguas clássicas em uma escola na Suíça, tem um encontro com uma mulher numa ponte a caminho do trabalho. A voz dela, a sonoridade do português arrebata-o e extirpa-o de uma rotina. Inicia-se uma viagem física, mas também interior do protagonista.

O silêncio permeia seus questionamentos e suas dúvidas, suas hesitações, seus medos. Gregorius é um homem solitário e sozinho. Os dois conceitos não são sinônimos. Solitário é aquele indivíduo que não tem ninguém ao seu redor; não tem amigos; não tem família. O indíviduo sozinho é aquele que pode estar rodeado de pessoas, mas carece do amparo humano. O indivíduo só é um homem mergulhado na solidão.

Mercier conduz seu leitor por uma viagem que aguça os sentidos. O professor de línguas prende-se ao som (audição), à forma como as palavras se organizam (visão), à delicadeza da capa de um livro (tato), ao perfume do novo e do velho (olfato) e ao gosto intragável de certas palavras e expressões (paladar).

Desta forma, o protagonista, tomado pela sonoridade de uma voz, encontra em seu âmago a coragem para quebrar grilhões e lançar-se em uma viagem para o novo. E tudo isto inspirado pela palavra.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Flerte com o silêncio

Flerto com o silêncio na alta madrugada. Acometido por insônia, estou desperto. Mais desperto do que gostaria e o sono parece fugir-me. Mente acesa, apesar dos olhos cerrados. A escuridão contrasta com a claridade dos pensamentos, das ideias que se encaixam como peças desenhadas por uma máquina de precisão. A angústia que espantou meu sono inunda minha alma e teima em deixar-me.



Então, um sussurro mudo penetra o pensamento e traz consigo uma sensação de calma e tranquilidade. Não é um sonho, pois estou lúcido. A voz alegre acompanhada de um sorriso, com inflexões que tão bem reconheço, me acalma. Sim, era tua voz que precisava ouvir. Sim, só tua voz poderia romper o silêncio e apaziguar minha aflição. E fazes isto. Sempre fazes isto!


Repentinamente, o silêncio se torna eloquente e o discurso traz um alento inesperado, mas desejado e querido. As palavras pensadas tem um rumo certo e aninham-se na alma arredia, que se acalma enternecida pela sabedoria despejada. O sono retorna ao meu leito e volto a sonhar.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Apagão, blecaute ou ET de Itaberá?



Em uma semana de notícias pitorescas, não vou deixar barato e especular. Digo pitorescas, pois alguns acontecimentos são dignos de uma boa piada. Desde a loira da Uniban até Dilma Roussef explicando, com a paciência de mãe do PAC, que não houve apagão, mas sim blecaute. Tudo bem, há um equívoco técnico na precipitação da divulgação do evento, mas pior de tudo é a versão dada pelo Governo. Repito: versão.

Todo evento ou acontecimento desagradável, ou escandoloso, deste governo ganha uma versão oficial, como se fazia nos tempos de Goebbels, ou no romance 1984, de George Orwell. Cria-se uma "verdade" e todos passaram a adotá-la como verdadeira, sem investigar, questionar e remediar. Isto é algo recorrente neste governo.

Então, como hoje é sexta-feira 13, resolvi sugerir algumas versões que podem ser utilizadas pelo Governo para explicar o incidente com as linhas de transmissão de Itaipu (que em tucanês é sinônimo de blecaute para petista):

Foi a loira da Uniban que escalou uma torre de transmissão com aquela blusa comprida, digo vestido, e massa revoltada derrubou a torre.
  1. Foi um tucano que pousou na linha de transmissão fugindo do desmatamento em Mato Grosso do Sul e morreu eletrocutado, causando um curto-circuito.
  2. Segundo um relatório sigiloso da CIA repassado por Barack Obama ao "Cara", uma nave extraterrestre pousou em Itaberá atraída pelo nome da cidade, que em tupi guarani significa "pedra brilhante", o que acarretou uma interferência magnética que provocou uma queda de energia momentânea, acarretando uma reação em cadeia de falta de energia.
  3. Foi um hacker russo que resolveu testar a confiança do sistema energético brasileiro e como ele tinha ouvido falar em "mensalão", achou que podia faturar um por aqui.
  4. Segundo Reinaldo Azevedo, foi um curto-circuito entre os petistas que comandam Itaipu e os peemedebistas que comandam Furnas.
Fiquem à vontade para acrescentar mais algumas versões.

Antes de encerrar, segue o trecho da nota oficial divulgada pelo INPE e tirem suas próprias conclusões sobre a versão oficial:

"Segundo os especialistas do Grupo de Eletricidade Atmosférica (ELAT) do INPE, embora houvesse uma tempestade na região próxima a Itaberá, com atividade de raios no horário do apagão, as descargas mais próximas do sistema elétrico estavam a aproximadamente 30 km da subestação e cerca de 10 km distantes de uma das quatro linhas de Furnas de 750 kV e a 2 km de uma das outras linhas de 600 kV, que saem de Itaipu em direção a São Paulo.

Para os especialistas do ELAT/INPE, a baixa intensidade da descarga registrada (menor que 20 kA) não seria capaz de produzir um desligamento da linha, mesmo que incidisse diretamente sobre ela, segundo dado da Rede Brasileira de Detecção de Descargas (BrasilDat), que no momento do apagão estaria operando com ótimo desempenho. Em geral, apenas descargas com intensidade superiores a 100 kA, atingindo diretamente uma linha, poderiam causar um desligamento de linhas de transmissão operando com tensões tão elevadas como as linhas de Itaipu (duas de 600 kV e duas de 750 kV)."

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Uma cena em várias versões.

O filme "A Queda" retrata as últimas horas de Adolf Hitler em seu bunker. A criatividade brasileira resolveu dar uma nova versão, ou melhor, duas versões para as cenas. A segunda é mais divertida e já foi publicada no post No Palácio da Alvorada, em fevereiro de 2008. A primeira trata do espetáculo midiático e de sucessão de erros que se tornou o caso Uniban.

A versão da Uniban:




A versão dos cartões corporativos:

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Poesia: SILÊNCIO


Noite Estrelada, Vincent Van Gogh


SILÊNCIO

Sob o céu frio reclino
no leito recostado
e o pensamento viaja para ti
para o teu lado.

O silêncio incomoda
tortura a alma perdida
repleta de angústia
perplexa
calada
imersa na ausência de sons
sem rumo.

Sozinho, te anseio
teus lábios
teu aroma
teu ser!

terça-feira, 3 de novembro de 2009

O plágio e a preguiça

Dois escritores conhecidos resolveram abordar o mesmo em seus artigos nestes dias: Lya Luft, na Veja, e Arnaldo Jabor, na edição de hoje do Estadão. Ambos trataram de artigos supostamente atribuídos a eles, mas que não foram escritos por eles. A semelhança das opiniões retrata bem um problema corrente nos dias em que a informação circula rapidamente e certos desmentidos são impossíveis.

Frequentemente recebo por email artigos que teriam sido escritos por Arnaldo Jabor. Na maioria das vezes, os textos são apócrifos. Alguém resolveu atribuir a Jabor um texto, e talvez para dar maior credibilidade, circula o texto como se fosse dele. Jabor se revolta em sua coluna no Estadão. Lya Luft faz o mesmo. Entendo perfeitamente a revolta deles. Já recebi textos atribuídos a Drummond, a Fernando Pessoa e outros grandes escritores, mas uma pesquisa mais aprofundada revela que a discrepância da autoria.

Sou bastante chato quando se trata de dar crédito a quem merece o crédito. Por esta razão, sempre que reproduzo trechos de livros, tenho o livro em mãos e faço questão de indicar a referência bibliográfica. O plágio é um ato criminoso contra o direito autoral, contra a criação intelectual. Um ato preguiçoso ou, algumas vezes, cheio de má-fé e inveja.

Sejam mais críticos ao receberem um texto. Duvidem, procurem, pesquisem antes de atribuir um texto a determinada pessoa. O autor, com certeza, agradecerá.

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Lembrando Drummond



Autocaricatura de Drummond


Carlos Drummond de Andrade nasceu em 31 de outubro de 1902 e é preciso preservar na memória um dos grandes poetas brasileiros. Mineiro de Itabira, em Minas Gerais, Drummond renovou e inovou na poesia brasileira. Alguma Poesia, sua primeira obra, foi lançada em 1930, indicava integrante do Modernismo que proclamava a liberdade das palavras, rompendo com os movimentos literários anteriores.

Neste pequena lembrança, trago-lhes o poema Mãos Dadas.

MÃOS DADAS
Carlos Drummond de Andrade

Não serei poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.


Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,
não direi o suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela,
não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida,
não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,
a vida presente.

(Antologia Poética. 26a. ed. Rio de Janeiro : Record, p. 118)



O primeiro verso repisa a libertação propalada pelo Modernismo, mas o poema, recheado com toques sociais engajados (não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida e olho meus companheiros), aborda o momento presente, a vida presente com a sensibilidade que perscruta a beleza do gesto singelo e corriqueiro.

De mãos dadas, o poeta capta a alegria interior de ter alguém para dar as mãos e da magnitude do momento, daquele momento que se torna único e faz parte "de uma história". Não se derrama com exageros, mas sugere ao leitor que aprecie o momento presente e saiba saborear a vida.

Acompanhado, o poeta não se sente só, mesmo diante da "enorme realidade". O poeta convida a viver o presente, sem ficar preso ao passado que imobiliza. "O presente é tão grande, não nos afastemos. / Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas".

Aproveitem o feriado e boa leitura!

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Ainda sobre contrariedades




Tenho o hábito de grifar e marcar frases que me agradam em livros que leio. Algumas vezes são anotações de estilo; outras vezes correções de erros de ortografia ou imprecisões nas traduções; muitas vezes, uma ideia sobre um tema que me interessa ou que no futuro possam vir a integrar um post nest blog.



Na semana passada, meio corrido e sem abundância de inspiração, abri Nada, cuja capa ilustra este post, a esmo e dei com o trecho que iniciou o último post. O trecho foi se repetindo mentalmente, como uma música que insistimos em cantar, e à noite, naqueles momentos de silêncio, pouco antes de adormecer percebi como o acaso é providencial. Estas obras do acaso me espantam de forma positiva.


Foi Shakespeare, em Macbeth, que escreveu que “o sono é a morte diária.” Parece que naqueles momentos de silêncio os eventos do dia são repassados, como se nos despedíssemos da lucidez e nos preparássemos para mergulhar no inconsciente dos sonhos. Este período, curto, permite que deixemos o pensamento voar e as ideias parecem ficar mais claras, vivas com uma lucidez aguçada, parodoxal com o estado ébrio do sono que se aproxima.

A aproximação do final do ano – e a distância do último período de férias – parecem revelar um cansaço mental que não tinha me dado conta. Não são as grandes contrariedades e desafios que irritam; mas os pequeninos problemas do dia a dia que parecem crescer e se apresentam fantasiosamente maiores do que a realidade os revela.

Perdoem-me pela repetição, mas vida tem sua rotina repetitiva, como as estações, como os sentimentos, como o calendário. A repetição pode lançar uma nova forma de ver e olhar.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Contrariedades




"(...) A vida voltava a ser solitária para mim. Como aquilo parecia irremediável, logo me conformei. Foi então que eu comecei a perceber que as grandes contrariedades são muito mais fáceis de suportar que as pequenas ninharias de cada dia."
(Nada, Carmen Laforet, trad. Rubia Prates Goldoni. Rio de Janeiro : Objetiva, 2008, p. 138)


Parece que superar um grande obstáculo, uma pedra no meio do caminho, é mais fácil do que enfrentar as picuinhas irritantes que se nos apresentam ao longo do dia. O grande obstáculo é superado com perseverança, passo a passo, firmes e ponderados, com os olhos postos no objetivo. Porém, se não soubermos ultrapassar os pequenos entraves, jamais atingiremos o alvo e deixaremos de encontrar a alegria que tantos pequenos momentos nos proporcionam. Nas pequenas alegrias do dia, reside a felicidade.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Dicas da Dani: Kings of Convenience

Depois de algum tempo sem trazer as boas dicas de nossa consultora musical, a coluna volta com uma indicação, que não é nova no cenário musical, mas novidade em termos de Brasil. Trata-se do grupo norueguês Kings of Convenience, que na verdade é um duo. São dois amigos que se conheceram na escola, aos 16 anos, e que cantam todas as suas composições.

Erlend Øye e Eirik Glambek Bøe, ambos nascidos em Bergen, na Noruega, trazem um estilo folk às suas canções, de melodias delicadas, vozes calmas e predominância do violão

Em 5 de outubro de 2009, lançaram seu último álbum, Declaration of Dependence, mantendo o estilo que tem sido a receita de sucesso deste grupo. Boat Behind é a primeira música de trabalho do novo álbum e pode ser ouvida no site do grupo ou adquirida na iTunes store inglesa ou na Amazon.

Por aqui, o CD Riot on an Empty Street (2004) está disponível no Submarino pela bagatela de R$ 99,90! Mesmo sendo importado, o preço é absurdo.

O clipe abaixo é da música Misread, do álbum Riot on an Empty Street. Enjoy!



MISREAD

If you wanna be my friend
You want us to get along
Please do not expect me to
Wrap it up and keep it there
The observation I am doing could
Easily be understood
As cynical demeanour
But one of us misread...
And what do you know
It happened again

A friend is not a means
You utilize to get somewhere
Somehow I didn't notice
friendship is an end
What do you know
It happened again

How come no-one told me
All throughout history
The loneliest people
Were the ones who always spoke the truth
The ones who made a difference
By withstanding the indifference
I guess it's up to me now
Should I take that risk or just smile?

What do you know
It happened again
What do you know

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Onisciente



Eu queria saber de tudo, conhecer tudo, dominar todo o conhecimento.

Eu queria ter controle sobre tudo que estivesse ao meu alcance e que assim desejasse. Ler pensamentos, adivinhar o momento exato em que alguém precisasse de uma palavra amiga, de um ombro amigo, de atenção total e incondicional.

Eu queria poder prever o futuro, saber o com precisão se amanhã vai chover ou fazer sol, se vou estar doente, se terei um dia cheio de trabalho ou um dia calmo e preguiçoso como uma agradável tarde de verão.

Eu queria ter inspiração inesgotável e abundante para escrever de forma incansável e que as palavras deitassem no papel em perfeita organização, que todos os pensamentos externados fossem compreendidos por todos e que pudesse compreender a todos.

Queria tanta coisa. Queria teu beijo. Queria teu sorriso. Mas ao querer, esquecer-me-ia de viver o presente. Se só pensasse no futuro e soubesse tudo que o futuro, que o amanhã nos reserva, que graça teria a vida? Se a inspiração não me fugisse de quando em quando, jamais ficaria maravilhado diante de um olhar, de um sorriso, de uma flor, de um por do sol.

Sem surpresas, tudo seria monótono e quedaria entediado. Melhor ser como sou, limitado e humano.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Crônica: Lampejo


Borboletas e Papoulas, Vincent Van Gogh

LAMPEJO

Foi o reflexo do sol na tela do computador que a dispersou do trabalho. Estava tão concentrada que nem vira a tarde passar. Aquele sol, tímido, poente, ao adentrar pela janela conduziu-a para longe. Fechou os olhos, respirou fundo. Quando reabriu os olhos, deixou o olhar correr para fora da janela. Um olhar distante que não se fixa em ponto algum; parecia contemplar o infinito, mergulhada em profundo devaneio.



O coração bateu mais forte, um leve suor umedeceu suas mãos. Procurou uma foto dele, sem óculos escuros, para poder sentir o olhar penetrante, um olhar que parecia abraçá-la, envolvê-la por completo. Ainda que levemente triste, ele sempre a olhava como se ela fosse a única mulher existente. Ele fazia-a sentir incrivelmente preciosa.


Lembrou-se do último encontro, em que ele a levou para passear de moto. O vento no rosto, o medo que a fazia abraçá-lo com mais força e sentindo-o mais perto, como se estivessem unidos àquela máquina de metal a formar um ser unitário. Tudo aquilo revelava um espírito aventureiro que ela imaginava sepultado desde a juventude. Agora, com o passar do tempo, percebera que a seiva da vida voltava a pulsar forte em suas veias, irrigando-a de energia e vivacidade.


Repousou os olhos sobre a foto que a hipnotizava e a transportava a lugares longínquos, produto de um estupor momentâneo, mas que era ao mesmo tempo sublime e causava certa angústia e aflição. Ansiava por aquela liberdade que pensava não existir, por uma certa rebeldia que julgava incapaz de aceitar, por aquele sentimento confuso que reaparecia no seu âmago.


Estava confusa com todos estes fatos que se precipitavam diante dela, como o lampejo de um raio numa tempestade de verão. Não queria que aquele momento terminasse e o que sentiu naqueles segundos, apenas ela saberia. Seria e permaneceria um segredo íntimo, guardado eternamente.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

MST e o Estado omisso

Uma pessoa disfarçada de técnico de uma companhia de serviços telefônicos consegue adentrar o apartamento do presidente Lula, em São Bernardo do Campo. Expulsa os empregados, troca as fechaduras e resolve instalar-se ali. Quebra todas as janelas, destrói as cortinas, arranca as torneiras, entope as privadas com jornal, pinta palavras de ordem nas paredes, revira os móveis. Transforma uma residência em um local de destruição e vandalismo.



Pergunta-se: o que faria o proprietário? Chamaria a polícia ou ajuizaria uma ação de reintegração de posse?


A cena é imaginária e servirá apenas como exemplo para reflexão. Provavelmente a polícia seria chamada, a porta arrombada e o invasor sairia preso. Por que, então, a polícia não agiu assim com o MST que invadiu uma fazenda da Cutrale, em Borebi, São Paulo? As cenas indicam e comprovam que os indivíduos praticavam um crime contra o patrimônio, porém, a polícia permaneceu inerte. Vale lembrar que a autoridade policial tem o DEVER de prender qualquer pessoa em situação de flagrante delito. Repito: DEVER, não faculdade.


As cenas que pudemos assistir nos telejornais são deploráveis, lamentáveis e deixam qualquer um indignado. Porém, assim age o MST, com o aval do Incra, Ministério da Reforma Agrária, de deputados e senadores de diversos partidos. Defendem uma causa e sustentam que esta causa está acima da lei. Exatamente aí que reside o problema: a lei vale para uns, mas não vale para os companheiros.


Na edição de domingo do Estadão, uma reportagem revela que um assentamento do MST na região de Bauru (SP) transforma restos de madeira em carvão. A produção do carvão é feita sem autorização e licença do IBAMA, mas jamais foi aplicada uma multa. A polícia ambiental também se omite. Onde está o ministro Carlos Minc agora? Onde está o IBAMA que tem obrigação legal de impedir tais atos?


Dois pesos e duas medidas. Assim pensa e age o atual governo deste nosso querido Brasil.

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

São Paulo de ontem



Palácio das Indústrias, no centro de São Paulo. Ao fundo o Edifício Banespa, com seu mirante que permite uma visão de 360 graus da metrópole que se espraiou a partir do Pátio do Colégio.




Hoje, o Palácio das Indústrias, que fica próximo ao Mercado Municipal, e que já foi sede da Prefeitura, transformou-se num grande museu interativo de ciências, no melhor estilo dos museus norte-americanos.

Arquitetura de uma época que não retorna mais e merece a visita ao prédio para contemplar o que era a metrópole nascente. Trata-se de um excelente exemplo de preservação de um marco histórico da cidade, numa região degradada e que precisa ser revitalizada.

O Espaço Catavento - nome do museu que ali se instalou - é administrado pelo Governo do Estado de São Paulo. Compõe com o Mercado Municipal um programa que alia divertimento e boa comida a poucas quadras.

Penso ser comparável ao conjunto Pinacoteca do Estado, Sala São Paulo, Estação e Parque da Luz e Museu da Língua Portuguesa, guardadas as devidas proporções.

Ambos encontram-se em regiões que estavam degradadas e após projetos de restauração, ganharam nova vida e vigor, atraindo paulistanos e visitantes. A preservação destes prédios históricos é que permite contemplar na arquitetura o passado, a realidade de uma época que não volta mais.

domingo, 4 de outubro de 2009

Ainda sobre Toffoli no Supremo

Escrevi Pantomima no Senado na quinta-feira. No dia seguinte, sexta-feira, dia 2 de outubro, vejo na coluna da Dora Kramer, no Estadão o seguinte texto: Toffoli 10, Senado 0.

Transcrevo o trecho final:

"Palavra contra palavra, valeu a do questionado. Ao aprová-lo sem questionamento o Senado de um voto de confiança, quando o que se esperava era que desse um voto consciente.

De preferência, evitando cenas como a do líder do PSDB, Artur Virgílio, dizendo que seu voto a favor havia sido recomendado por um advogado amigo em comum.

Um espetáculo tosco. Não por causa de Toffoli. Mas pelo conjunto da obra de subserviência e displicência do Legislativo para com as suas prerrogativas.

Por isso é um equívoco achar que o erro está no fato de o presidente da República indicar os ministros do Supremo, porque a deformação é de quem aceita as coisas sem discutir." (p. A-6)

Este blog assina embaixo e endossa as palavras da comentarista política.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Prêmio Jabuti 2009

Foram divulgados no dia 29 de setembro os ganhadores do Prêmio Jabuti 2009, premiação máxima do mercado editorial brasileiro. O prêmio é concedido pela Câmara Brasileira do Livro.

Na categoria Romance, o vencedor foi Moacyr Scliar, mas vou não vou deixar de mencionar Milton Hatoum e seu excelente "Órfãos do Eldorado", tema de alguns posts como O olhar e palavras na visão de Milton Hatoum e Fechando o círculo.

O resultado na categoria foi:

Romance

1º lugar —“Manual da Paixão Solitária”, Moacyr Scliar (Schwarcz)
2º lugar —“Orfãos do Eldorado”, Milton Hatoum (Schwarcz)
3º lugar —“Cordilheira”, Daniel Galera (Schwarcz)


O resultado completo da premiação pode ser visto aqui.







quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Pantomima no Senado

O Brasil não é um país sério. A frase célebre sempre me volta à mente quando presencio fatos da vida brasileira. Os últimos anos têm sido generosos em nos brindar com fatos preciosos, para não dizer trágicos e cômicos. Vejam o que está acontecendo na embaixada brasileira em Honduras. Mas, volto ao tema depois.

Assisti ao início da sabatina de José Antônio Dias Toffoli na Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal. Perdi pouco mais de uma hora e meia escutando a sessão enquanto trabalhava. Logo percebi que tinha me iludido novamente com o discurso da "oposição". Rasgação de seda, elogios para lá e para cá, perguntas tímidas, respostas evasivas e todos felizes. Menos eu, que fiquei com a sensação de ter sido enganado, aliás como muitos brasileiros que se iludem com nossos representantes.

Não houve uma sabatina, houve uma pantomima, um teatro de faz de conta, ou poderíamos dizer que a nossa democracia é para "inglês ver". Os senadores tinham 5 minutos para inquirir Toffoli. Somente 5 minutos! E Toffoli deixou claro porque não foi aprovado em dois concursos públicos: seria reprovado no exame oral!

Uma sabatina ocorre em países sérios, com uma democracia madura, onde representantes do povo agarram-se a suas convicções e não cedem a pressões venais. A sabatina deveria realmente avaliar e interrogar o nomeado para avaliar suas posições sobre diversas questões constitucionais. Infelizmente, engatinhamos neste terreno e por isso somos um país que pensa pequeno.

Em Matters of Principle (1992), Mark Gitenstein narra o processo de nomeação de Robert H Bork para a Suprema Corte Americana. Bork, indicado por Ronald Reagan em 1º de julho de 1987, era um expoente do pensamento jurídico conservador americano. Juiz de carreira e professor de direito, muitos de seus artigos questionavam avanços a existência de certos direitos individuais e não previstos expressamente na constituição americana. O presidente do Judiciary Committee do Senado americano na época era Joseph Biden, hoje vice-presidente de Barack Obama. Biden abraçou uma luta para rejeitar o nome de Bork. Tratava-se de um confronto de princípios. Depois de uma sabatina que durou duas semanas, transmitida ao vivo pela CNN, o nome de Bork foi rejeitado.

Eu morava nos EUA naquela época e aquilo me impressionou muito. Era a democracia viva, vibrante. Mesmo morando numa pequena cidade do Midwest americano, as pessoas discutiam o que estava acontecendo em Washington. E isto se deu em 1987.

Pois bem, as coisas por aqui são diferentes. Muito diferentes. Toffoli afirma que tem uma convicção pessoal, mas se tiver que julgar seguirá outra linha. Não há principios, algo típico do petismo petralha. Parece dizer: sou honesto, mas se me oferecerem um dinheirinho lá fora, tudo bem, eu aceito, afinal é pelo bem do Estado. A indicação foi lastimável e o Senado agora é cúmplice. Espero a primeira sessão de julgamento do STF para ver o Toffoli rebolar e levar bordoada. Agora, não dá para apelar para o chefe.

*   *   *   *   *

E por falar em princípios, Henrique Meirelles provou que está mais preocupado com sua vaidade pessoal do que com a instituição que preside. Ao filiar-se ao PMDB, Meirelles deu um triste demonstração de que ser presidente do Banco Central nada mais é do que um cargo público que agrada ao ego. Esqueceu-se de que a credibilidade de uma instituição, como o Banco Central, depende da independência de seus dirigentes e que estes não deveriam ter qualquer vinculação política. Meirelles poderia muito bem ter renunciado ao cargo.

*   *   *   *   *

Enquanto isto em Honduras, o cover de Ratinho continua a usar nossa embaixada como escritório político. Sugiro ao governo brasileiro que envie o Senador Eduardo Suplicy para mediar o conflito. Quem sabe ele não começa a cantar na embaixada e o Zelaya sai correndo? Ou então ele pode explicar o programa de renda mínima para Roberto Michelleti? De um jeito ou de outro, um dos dois vai preferir entregar o cargo a ouvir o Suplicy.

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Crônica: O Presente



O PRESENTE

Um dia nasce igual ao outro. O despertador toca com alguma música aleatória. Uma longa espreguiçada e ele salta da cama, calado. O dia começa com a rotina ensaiada, realizada de forma mecânica, enquanto os pensamentos buscam o foco e organizam o que mais um dia tem reservado. Por vezes, surpresas. Outras vezes, apenas eventos corriqueiros e banais, daqueles que serão esquecidos rapidamente, descartados em algum local ermo do cérebro.



Eventos se sucedem. Telefonemas, emails que lotam a caixa postal, documentos impressos, contas a serem pagas. Checa a pasta com os documentos para a reunião e vai rumo ao aeroporto. Ele sempre preferiu viajar perto do horário do almoço quando o trânsito é menos pesado e a afluência de viajantes em Congonhas menor.


Estranhamente ele estava calmo e seguro de si, tomado de uma confiança que não conhecia anteriormente. Talvez estivesse cegado pelo sentimento que turvava a alma e distorcia a realidade, permitindo que ele somente enxergasse os fatos como seu coração ditava.


Tinha o costume, construído com fatos do passado, de sempre antecipar o pior cenário. Sempre pensava que o mundo conspirava contra ele e que tudo daria errado. E se ela estivesse doente? E se surgisse um imprevisto no trabalho e não pudesse comparecer ao encontro? E se eles se desencontrassem? E se o aeroporto fechasse? E se acabasse a bateria do celular? A sucessão mental de possibilidades, desta vez, não o assombraram e isto era estranho. Estranhamente bom.


Depois de pegar um táxi e rumar ao hotel em Copacabana, sentiu-se no anonimato total. Toda vez que viajava para um lugar que visitava com menor frequência tinha este sentimento. Ninguém o conhecia por ali. Andaria pelas ruas incógnito. Alguns de avião e estava em outro mundo, com outro sotaque, outro estilo de vida. Tão perto de São Paulo, mas ao mesmo tempo tão distante. O bairrismo de outrora, ele já havia sepultado.


Tentou se concentrar na reunião, porém foi em vão. Olhava o celular a toda hora ansioso para que o tempo passasse rápido.


Escolheu uma mesa no centro do salão do café que estava quase lotado com pessoas que deixavam seus locais de trabalho e aproveitavam a agradável tarde de início de primavera na cidade maravilhosa. Luis olhou o relógio novamente e quando seus olhos dirigiram-se para a porta, ela estava lá.


Somente quando ela desceu do táxi, ao final do encontro, ele saiu do transe. Somente então percebeu que três horas voaram. A gorjeta do motorista foi gorda. Ele estava hipnotizado. Tudo dera certo, como ele imaginava.


Sentou-se no bar do hotel, que ficava na cobertura para aproveitar a noite quente, e repetiu cada detalhe das cenas. Desde o timbre de voz, do sorriso, da forma como ela brincava com os anéis nos dedos, até o jeito como arrumava o cabelo. Havia recebido naquele dia um grande presente que não sabia mensurar ou compreender. Era um dia que não iria se repetir. Era um dia único. Pegou o celular e digitou alguma mensagem para ela. Tomado pelo êxtase, ele havia esquecido de dizer como ela estava linda. Corrigiu a omissão com o recado pelo celular. Nunca é tarde demais para corrigir uma omissão e dividir momentos especiais.

domingo, 27 de setembro de 2009

Falando sozinho

"Não tenha receio de falar sozinho, para aliviar-se, caso lhe falte, no momento, o interlocutor adequado. Antes endoidecermos para os outros, que de longe nos observam, do que endoidecermos para nós mesmos, calando o desabafo. Quem manda alguém à merda, em ocasiões assim, tem a imensa vantagem de não receber o troco, sujando-se também."
(Josué Montello. Diário do Entardecer, 1967-1977. Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 1991, p. 161)

Tenho hábito de falar sozinho e encontrar este trecho numa obra de reflexão sobre a vida, de alguém mais experiente e mais culto, tem o condão de confortar um certo sentimento de estranheza. Por vezes, "falo" sem deixar que as palavras saltem para fora, mas remanesçam no silêncio, guardadas em segredo. Outras vezes, mantenho um interlocutor imaginário que me acompanha em finais de dia, companhia que me distrai do trânsito, do cansaço rotineiro, da mesmice de um caminho. Com certa frequência, o meu interlocutor parece responder à minha fala, de tão bem que me conhece, vive me apontando as respostas às dúvidas que lhe coloco.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Vermelho



O vermelho lhe cai bem. Vermelho vivo que tinge as unhas. Vermelho intenso que colore a blusa. Vermelho leve que ruboriza tua face sob a aparência de maquiagem e confunde com o dourado trazido pelo sol.



Na boca, um sorriso simétrico e perfeitamente desenhado. Seu contorno é marcado por lábios pintados e macios.


O colo enfeitado por um colar rutilante, com pequenos detalhes que convidam a um olhar mais atento, um olhar curioso. Ou aparentemente distraído que finge ver o colar, mas disfarçadamente contempla a pele por debaixo do adorno.



Os fios de cabelo que emolduram a face estão presos e repuxados para trás, num estilo casual que deixa alguns fios rebeldes e soltos. Eles revelam o pescoço e os brincos circulares a finalizar o conjunto encantador desenhado com cuidado e precisão. Em uma palavra: linda.


Quem sabe, se ao deparardes com estas linhas, brote um rubor espontâneo, qual uma pimenta dedo-de-moça. Vermelho da cor do sangue. Vermelho que exala intensidade, calor, vida. Vermelho do céu num entardecer de verão. Vermelho de flores e rosas. Vermelho cantado em músicas que embalam a dança.


O vermelho da pimenta dedo-de-moça, vermelho vivo que deixa a pimenta e colore os dedos da moça.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Toffoli e o Supremo

O assunto é por demais relevante para passar em branco. Porém, vou poupá-los de um tema jurídico e político e apenas remetê-los - a quem interessar - ao blog Informativo Legal para que leiam sobre o que está em jogo com a indicação de José Antônio Dias Toffoli ao Supremo Tribunal Federal. Um lastimável aparelhamento de uma instituição fundamental à democacria e à preservação de nossos direitos fundamentais. O post pode ser lido aqui.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Liberdade de Expressão e Censura


Estampada na primeira página do Estado de São Paulo, edição do dia 16 de setembro de 2009, a seguinte manchete: “Mídia é inimiga das instituições, diz Sarney”.

O Senador José Sarney trava uma batalha pessoal contra o Estadão. Ajuizou medida judicial para impedir o jornal de publicar ou noticiar qualquer informação acerca das investigações conduzidas pela Polícia Federal contra a família Sarney.  O desembargador Dácio Vieira, do TJDF, concedeu uma liminar e proibiu o jornal de noticiar.

Este fato revela 2 aspectos alarmantes e gravíssimos. Em primeiro lugar, um Senador da República recorre ao judiciário para pleitear que se censure um meio de comunicação. O segundo fato é o judiciário determinar que um meio de comunicação deixe de informar, chancelando a censura privada requerida por um representante do “povo do Amapá”.

A censura é nefasta e inaceitável em qualquer sociedade democrática e pluralista. A liberdade de expressão é um pilar sobre o qual se ergueram e se sustentam as grandes democracias mundiais.  A Constituição de 1988 reconhece a liberdade de expressão como direito e garantia fundamental, ou seja, repele taxativamente qualquer censura. Isto não significa que a liberdade de expressão seja ilimitada, mas esta limitação não se dá com a censura, mas com a verdade. Desde que a notícia ou a informação divulgada publicamente seja verdadeira, não há base constitucional para limitá-la. A decisão do TJDF, portanto, é flagrantemente inconstitucional.

Outro fato alarmante é a afirmação de que a mídia é inimga das instituições. Discordo redondamente. A corrupção, o apadrinhamento, o nepostimo, a mentira, o uso indevido da máquina pública. Eis alguns exemplos de práticas que contaminam as instituições. A liberdade de expressão não diminiu ou enfraquece as instituições; pelo contrário, fortalece as instituições. Um homem que se proclama um representante do povo – e incluo neste ponto todos os representantes, inclusive o presidente que também não é muito afeito à liberdade de imprensa – não pode jamais alardear que a liberdade de imprensa e mídia são uma ameaça ao Estado de Direito.

Tempos estranhos estes em que vivemos. E que vivem nossos vizinhos também. Na Argentina, o Clarín sofreu uma fiscalização por parte das autoridades fazendárias argentinas depois de criticar o governo. Na Venezuela, Chávez já calou jornais, rádios e canais de televisão. Flertam com esta linha Evo Morales, na Bolívia, e Rafael Correa, no Equador. Em Cuba, só há um jornal oficial, mas isto não é novidade para ninguém.

Tempos estranhos em que o Congresso sugere limitar a liberdade de expressão na internet durante a campanha eleitoral do próximo ano. A proposta seria tão eficaz quanto revogar a lei da gravidade ou proibir as pessoas de respirarem para reduzir a emissão de carbono. A lei será totalmente ineficaz e inútil. Basta fazer propaganda política através de um site situado fora do Brasil e a lei não terá eficácia, pois é sua aplicação está limitada ao território brasileiro.

Em todo caso, e independentemente da lei ser aprovada, este blog continuará a expressar suas opiniões livremente e continuará a criticar quem merecer. A opinião é minha e será expressada livremente. Se vierem me importunar, jogo a Constituição na cara deles.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Sutilmente, Skank



Sou um fã do Skank. Passa o tempo e suas músicas continuam a trazer letras são pura poesia cantada.

"E quando eu estiver triste
Simplesmente me abrace
Quando eu estiver louco
Subitamente se afaste
Quando eu estiver fogo
Suavemente se encaixe

E quando eu estiver triste
Simplesmente me abrace
E quando eu estiver louco
Subitamente se afaste
E quando eu estiver bobo
Sutilmente disfarce

Mas quando eu estiver morto
Suplico que não me mate, não
Dentro de ti, dentro de ti

Mesmo que o mundo acabe, enfim
Dentro de tudo que cabe em ti"
- Skank - “Sutilmente

sábado, 12 de setembro de 2009

Nunca se sabe...

Nunca se sabe quando uma manhã de sol te revelerá as cores de algo novo;
Nunca se sabe quando uma joaninha pousará no braço de uma criança a brincar, fazendo cócegas e fascinando o pequenino;
Nunca se sabe quando o telefone tocará e um novo cliente surgirá, ou um amigo de longa data que há tempos não dava sinal de vida estará do outro lado da linha;
Nunca se sabe quando um encontro casual, um sorriso inesperado, um cruzamento de olhares, fará o coração acelerar em disparada;

Nunca se sabe quando um simples "oi" no msn se transformará numa amizade intensa e enriquecedora;
Nunca se sabe quando uma carioca será capaz de quebrar o formalismo de um paulista;
Nunca se sabe quando um paulista será capaz de encantar uma carioca com sua cidade cinza;
Nunca se sabe quando uma encruzilhada se apresentará em nossas vidas;
Nunca se sabe quando pareremos de respirar e nosso corpo ficará inerte para sempre;

Nunca se sabe quando um dia comum terminará com um chopp num bom bar e em companhia de uma mulher encantadora, tornando aquele momento memorável;
Nunca se sabe quando seremos surpreendidos por uma mensagem de alguém que parece adivinhar que há uma surpresa a caminho;
Nunca se sabe quando receberemos flores ou quando um presente é guardado no coração;

Nunca se sabe quando o sorriso desenhado vem do fundo, tingindo o rosto de forma fácil e permanece o dia todo, abandonando-nos apenas quando o sono nos tira a consciência;
Nunca se sabe quantas infinitas possibilidades de surpresas podem acontecer ao longo de um singelo dia.

Um único dia. Pequenas gotas, pequenos detalhes; mas alguns, ou melhor muitos deles, se tornam inesquecíveis, guardados como filmes com rigor de detalhes.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Memórias da Infância

Foto tirada de O Blogue da Margarida

"- Horward McGhee no tromopete; Lester Young no sax tenor - Satsuki balbuciou em tom de monólogo. - Performance do movimento JATP.
Nimitre olhou o rosto de Satsuki, emoldurado pelo retrovisor:
- Nossa, a doutora é uma grande conhecedora de jazz! A senhora gosta?
- Meu pai era apaixonado por jazz. Quando eu era criança, ele me fazia ouvir várias e várias vezes a mesma música até eu aprender os nomes dos intérpretes. Se eu acertava, ganhava um doce. É por isso que ainda hoje me lembro deles. Se bem que só conheço os mais antigos, dos novos não sei nada. Lionel Hampton, Bud Powell, Earl Himes, Harry Edison, Buck Clayton..."
(Haruki Murakami. TAILÂNDIA. Trad. de Lica Hashimooto. Granta, 4 : ambição. Rio de Janeiro : Objetiva, 2009, p. 31)

Este trecho de um texto de Haruki Murakami está na Revista Granta em Português, número 4. Ao ler o trecho, minha mente viajou. Interessante como esta passagem inserta dentro de todo um contexto da estória, levou-me de volta aos almoços de sábado, no apartamento da Vila Mariana, com a família ao redor da mesa e meu escolhendo um disco para embalar o almoço.

As músicas eram sempre variadas. Mas algumas traziam consigo um pouco da lembrança do meu avô e dos tempos de vida no interiror. Música caipira, com a viola característica contando alguma estória triste. Menino da Porteira, na voz de Tonico e Tinoco. Alguma canção de Milionário e José Rico. Outras de Renato Teixeira e sua Romaria. Chico Mineiro e tantos outros personagens.

Recentemente, encontrei aquele disco de vinil guardado num armário no sítio. Era o mesmo disco, as mesmas músicas. Com minha filha no colo, tentei explicar o que aquilo significava, começando pelo que era "aquele" enorme disco preto, de como o bisavô dela nascera no interior, de como gostava destas músicas, do que elas diziam.

Impossível não observar aqueles olhinhos curiosos e imaginar se um dia ela fará o mesmo com a filha dela, com outras músicas, com outros ritmos, mas com a tradição de passagem da memória emocional e musical de uma geração à outra.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Crônica: Palavras caladas


PALAVRAS CALADAS



Não sei o que dizer.

Há momentos em que não sei o que te dizer. As palavras ficam engasgadas, sem sentido, caladas, embaralhadas. Qualquer coisa que tente dizer fica parecendo piegas, como aquelas imagens de péssimo gosto, com cores exageradas e despidas de qualquer realidade. As palavras parecem ingênuas, tolas. E calo-me. Fecho-me como uma ostra a respeitar o teu silêncio.

Penso em te ligar, mas não sou muito bom ao telefone. Nunca fui. Tremo com medo de não saber o que dizer, de me perder e tropeçar, de engasgar.

Busco e insisto nas palavras numa tentativa de organizá-las para dizer como és importante, como vieste trazer algo que não tinha. Ainda que não te veja, ainda que não possa contemplar este teu olhar que me estremece, tenha a certeza de que a culpa é sua. Só sua.

Quero compartilhar esta alegria que borbulha no meu interior; mas não sei como. Sinto-me um invasor do teu espaço, do teu silêncio. E assim, permaneço calado, apenas pensando.

Eis que surge de surpresa, como a adivinhar meus pensamentos, como uma cigana a mirar fixamente numa bola de cristal. Nunca precisaste de um apetrecho destes para me decifrar. Sempre tivestes o dom da telepatia, a sensibilidade para saberes o que me aflige e o que me inquieta. Dei-te espaço no meu coração, na minha existência, e preencheste um vazio que imaginava condenado a sentir e a vivenciar.

Como a leve brisa que sopra do mar numa tarde quente e abafada, vieste refrescar minha pele delicadamente, com um toque único. Como o nascer do sol, numa manhã fria, vieste aquecer minha alma e alumiar minha face sisuda. Surgiste inesperadamente, mas permanecerá eternamente no lado esquerdo do peito.

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Outra Vida





"Submisso ao temperamento da esposa, ele sufocou o quanto pôde o desejo de voltar para casa. Sua passividade e covardia impuseram-lhe um paradoxo permanente entre a obediência externa e a falta de ambição interior. Até a hora em que não lhe restou outra opção." (p. 30-1)



"Um homem, ele imagina, pode ser um sábio sem reconhecimento, pode ser um ótimo pai, amante e companheiro, pode ser um grande profissional, um grande homem, enfim, sem outras recompensas que não o afeto de quem o ama. Se as pessoas em geral não sabem, não significa que deixe de ser tudo isso, significa?" (p. 169)



Os trechos acima são do romance Outra Vida, de Rodrigo Lacerda (Rio de Janeiro : Objetiva, 2009, 180 páginas). Um romance que trata com maestria de um momento de crise profunda num relacionamento. O casal encontra-se numa encruzilhada, numa manhã qualquer, numa rodoviária, prontos para partir para uma nova vida.

Tudo se passa numa manhã fatídica e Rodrigo Lacerda navega com maestria pelos aspectos psicológicos de cada um dos personagens. Eles não têm nome. Nada tem nome no romance. Tudo é genérico, o que dá ao romance um aspecto universal e contundente. A mulher, o homem, a filha. Uma família que se vê forçada a recomeçar depois que o homem, funcionário de uma estatal, é pego fraudando uma licitação. Corrupto confesso, perde o emprego, a autoestima, o respeito. Seu mundo desmorona e a crise atinge o ponto de ebulição.

O estilo do jovem escritor carioca, cuja obra traz o selo Alfaguara da Editora Objetiva, é fluido e provocante. Os questionamentos dos personagens são facilmente identificáveis como algo inerente a todo relacionamento que atinge o ponto de crise.

Ao longo do texto, destacaria o relacionamento do pai com a filha. Ele se agarra ao amor pela filha, seu pilar de sustentação e de coragem para tomar novas decisões. Apóia-se nela e sacrifica-se por ela. Silenciosamente, resignadamente.

Os dilemas do mundo contemporâneo e do relacionamento fazem desta obra uma reflexão atual sobre comportamento social e ético. Em determinado momento, a descrição do homem corrupto parece sair das páginas de um jornal do dia de hoje. Ou de ontem. Ou de uma data futura. A busca incessante por subir na vida a qualquer custo tem seu preço, e este preço pode não valer a pena. A rodoviária, cenário do romance, é ao mesmo tempo um símbolo de recomeço, um novo ponto de partida, e símbolo da derrocada financeira. O homem atravessou a linha da licitude e perdeu tudo.

Uma leitura que fará pensar.

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Anedota urbana

Terça-feira, pouco depois das 19 horas. Entro no elevador do prédio do escritório e há uma mulher falando no celular, num tom de voz que notadamente ignorou a minha presença.

- Você acredita que hoje era meu primeiro dia de férias e vim trabalhar? - comenta ela com o interlocutor. Só me dei conta disto quando meu chefe, depois do almoço, perguntou o que eu estava fazendo no trabalho. Pode?

Tive que me segurar para não gargalhar da cara da mulher. Tem que ser muito desligada. Ou então, não ter nada melhor para fazer.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Ipês amarelos e cerejeiras


Dias ainda frios e cinzentos. O inverno ingressa no seu terço final e algumas dicas nos são dadas pela natureza. A primavera está próxima, os dias começam a ficar mais longos e algumas árvores já antecipam esta explosão de cores.

Mesmo com a chuva por aqui, ainda é possível observar os ipês amarelos em plena florada, tingindo de amarelo vivo as ruas desta metrópole. Basta olhar, observar naquele momento em que o trânsito para e antes de você começar a reclamar. Extraia desta cor viva a luz do sol e ilumine seu dia com vida e alegria.

Mais difícil de encontrar, mas não tão raras, as cerejeiras também estão no auge da florada branca. Há várias perto da Assembleia Legislativa, próximo ao Parque do Ibirapuera. Há duas carregadas em frente ao Hospital São Luiz, no Itaim, e por onde passo diariamente.

São Paulo é predominantemente cinza, mas há cada vez mais cor e vida nesta cidade. Observe e descubra!