quinta-feira, 27 de março de 2014

Abraço do silêncio





Ainda me causas sorrisos espontâneos em momentos de final de dia, de silêncio terno e confortante. A raiva deve ter partido, não tendo encontrado morada duradoura no meu ser, apesar de um esforço enorme em transformá-la em esquecimento definitivo. Deve ter sido afugentada pelas palavras guardadas e ditas em voz alta quando estou só. Tua voz, tua entonação, teu carinho, teus suspiros. Não sou bom imitador, mas consigo reproduzir teu jeito, teu sorriso de canto de boca em meio à fumaça, tuas mudanças de assunto repentinas que pareciam testar se eu prestava atenção em cada palavra. Eu sempre prestei atenção em ti! Quando estava contigo e quando estava distante fisicamente, sempre cuidei, zelei, rezei e pensei em ti.


Curioso como os detalhes que permanecem, remanescem como pequenos brilhantes guardados numa caixinha de joias, como se fossem lágrimas de alegria que se transmudaram em pequenas pedras preciosas. Gozado como o coração é um bicho teimoso, danado, mesmo quando a cabeça é tomada pela labuta diária, pelas preocupações da rotina, o coração vem e expulsa o racional deixando o silêncio do final do dia com gosto de beijo, com jeito de abraço, com cheiro de lavanda. Gozado como a memória é gentil nestas horas e espanta qualquer cisco de indiferença. Nunca consegui ficar indiferente a ti. E continuo sem ficar. O tempo, ah, o tempo pode ajudar, mas suspeito que serei acometido de muitos abraços do silêncio, de beijos ternos da memória e agraciado com sorrisos que só eu entendo e que são só meus. Só meus.

terça-feira, 25 de março de 2014

Inatingível, de Vinicius de Moraes



INATINGÍVEL
Vinicius de Moraes

O que sou eu, gritei um dia para o infinito
E o meu grito subiu, subiu sempre
Até se diluir na distância.
Um pássaro no alto planou vôo
E mergulhou no espaço.

Eu segui porque tinha que seguir
Com as mãos na boca, em concha
Gritando para o infinito a minha dúvida.

Mas a noite espiava a minha dúvida
E eu me deitei à beira do caminho
Vendo o vulto dos outros que passavam
Na esperança da aurora.
Eu continuo à beira do caminho
Vendo a luz do infinito
Que responde ao peregrino a imensa dúvida.

Eu estou moribundo à beira do caminho.
O dia já passou milhões de vezes
E se aproxima a noite do desfecho.
Morrerei gritando a minha ânsia
Clamando a crueldade do infinito
E os pássaros cantarão quando o dia chegar
E eu já hei de estar morto à beira do caminho.


quarta-feira, 19 de março de 2014

Epígrafe - XXV


"Desde que tudo isso começou, tenho percebido que sentir saudades significa, em alguma parcela, arrepender-se.

(Ricardo Lísias, O céu dos suicidas. Rio de Janeiro : Objetiva, 2012, p. 18)

terça-feira, 18 de março de 2014

Gostos




Gosto de noites de lua cheia, de céu limpo, em final de verão, quando o frescor da noite abraça o corpo cansado.
Gosto de caminhar na chuva e pisar em pôças d’água, assim mesmo com o circunflexo que o vento da reforma ortográfica levou, mas que cabia tão bem na sua boca.
Gosto da insônia que me provocas, do frio na barriga, das borboletas no estômago, dos arrepios dos instantes anteriores a te encontrar.
Gosto do acaso que leva a encontros inesperados e faz brotar novas amizades .
Gosto de conversar contigo, de rir contigo, de confidenciar em ti.
Gosto do teu sorriso quando me avistas ao longe.
Gosto de café forte, quente, a qualquer hora do dia e em qualquer lugar.
Gosto de sonhar contigo e acordar com a lembrança do teu beijo.
Gosto de coisas simples, de gestos simples, de dias simples.
Gosto de ser o ouvinte atento de tuas angústias, de tuas aflições, de teus medos.
Gosto de viver.
Gosto de andar de mãos dadas à beira-mar e deixar que nossos rostos sejam beijados pela brisa do mar.
Gosto de ficar em silêncio a pensar em ti.
Gosto de escrever-te, de presentear-te, de surpreender-te com mimos, poemas e palavras.
Gosto de imaginar-te dormindo serena e plácida.
Gosto da memória que traz uma lembrança e num momento desperta o riso bobo.
Gosto de livro novo e dos segredos que ele guarda.
Gosto de compartilhar contigo as banalidades do dia.
Gosto do silêncio da madrugada.

Gosto de ti. Gosto muito de ti. Gosto de ti mais do que deveria.

segunda-feira, 10 de março de 2014

Conto: Sábado chuvoso




SÁBADO CHUVOSO

Acordou taciturna. A forte chuva que bombardeou a janela durante toda a noite ainda persistia. A manhã de sábado era cinza, carrancuda, pouco animadora. O excesso de vinho da noite anterior pesava-lhe e parecia ampliar a sensação de solidão. Fez um café forte e longo. O silêncio matinal era quebrado apenas pelas gotas a batucar na janela da cozinha. Tomou o primeiro gole de café, ajeitou os cabelos e acendeu um cigarro. Sentou-se no sofá e ficou a observar a fumaça do cigarro dando piruetas no ar, até se dissolver por completo no evanescente ar fresco.

Pegou o celular. Checou o instagram, whatsapp, messenger, facebook, twitter, email, torpedos e tudo o mais que o mundo virtual parecia exigir como forma de comunicação. Aquilo tornara-se uma obsessão e era repetido diariamente, várias vezes ao dia. Procurava algum sinal.  Qualquer um. Nada. Nada hoje, nada ontem, nada antes de ontem. E não haveria nada amanhã. Vivia de ilusão, da ilusão de que esquecer não era uma alternativa. Lutava contra si e as memórias que teimavam em não partir.


Ligou uma música qualquer em mais uma vã tentativa de esquecer. Uma lágrima escorreu-lhe pelo rosto. Depois outra e mais outra. As lágrimas em harmonia com a chuva, fazendo-lhe eco. Não queria esquecer, ainda que fosse só um sonho. Mas ele já havia esquecido.


sexta-feira, 7 de março de 2014

Coincidências



Um verdadeiro sentimento de deja vu (foto acima). Ao ler a contracapa de um romance escrito por Eros Grau, ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, este foi meu sentimento, como se a estória começada há 4 anos atrás, a 4 mãos, ganhasse forma nas mãos de outro escritor, em outra dimensão e com traços distintos.  

Mero acaso? Mera coincidência de nomes a formar o casal protagonista?

Não sei, mas aquela estória iniciada em setembro de 2010 parece me perseguir, por ora se materializando, por ora se apresentando diante de mim por vias transversas. Alguém irá entender. Algum dia.