"O 'o', que ela pronunciava surpreendentemente como um 'u', a sonoridade clara, estranhamente abafada do ê e o macio chiado no final soaram-lhe como uma melodia que, para ele, perdurou mais tempo do que na realidade, uma melodia que ele simplesmente adoraria ter escutado durante todo o resto do dia."
(Pascal Mercier. O Trem Noturno para Lisboa. 3a. ed. Rio de Janeiro : Record, 2009, p.15)
Feche os olhos e escute. A sonoridade da voz, com seu timbre próprio, com a entonação peculiar, com um sotaque. Nos tempos em que o telefone não denunciava quem estava do outro lado da linha, éramos tomados de alegria ao ouvir do outro lado da linha uma voz conhecida. A alegria ressoava e era denunciada pela entonação. O rádio ainda nos convida a fazer este exercício auditivo, a imaginar a pessoa que é titular daquela voz.
A sonoridade da voz é o ponto de partida, a faísca, que altera o ritmo do batimento cardíaco, que arrepia, que nos emociona. A música, como trilha sonora de um filme, ou de um momento especial, marcam de forma indelével a memória do filme da vida de cada um.
Prendi-me a este trecho inicial de O Trem Noturno para Lisboa que ecoou ao longo de minha leitura. Este post estava em fase de gestação, até que ontem, ao ler a notícia da morte do Lombardi, o famoso locutor dos programas do Silvio Santos que nunca mostrava o rosto. Sua identidade era a voz. Assim como Cid Moreira, Jânio Quadros, Paulo Maluf e tantos outros que nos marcaram pela sua voz.
A voz, como na obra de Pascal Mercier, pode romper barreiras e derrubar muros. Certa vez um amigo narrava-me que havia deixado de odiar o jeito de falar dos cariocas. Surpreso com esta revelação, pois era um bairrista convicto, perguntei-lhe o que havia acontecido. Ele, com um brilho nos olhos, dissera-me que uma carioca da gema havia encantado-o com sua voz. Ouvira a voz, antes de contemplar seus olhos, e aquela voz o arrebatara de forma a mudar radicalmente sua visão do sotaque carioca.
Uma voz, uma música, um som. Uma palavra dita com ternura e carinho. Um conselho sussurrado em segredo. A audição nos presenteia com todos estes mimos. A voz amiga mata a saudade e impulsiona a novos sonhos e voos. A sonoridade nos lembra constantemente que não estamos sós.
Um comentário:
Ah, e tem cada voz... engraçado é quando você passa um tempão só tendo contato com a voz de determinada pessoa e só depois conhece. Isso acontece muito no trabalho, né? E a voz diz muito sobre nós...
Bjs querido!
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