quinta-feira, 16 de março de 2017

Armadas e perigosas



A manhã de verão é cinza e regada por uma chuva constante que abafa o atrito dos carros nas ruas e o ronco dos ônibus acelerando. A chuva obriga todos a sacarem sua mais perigosa e poderosa arma: o guarda-chuva.

Visto do alto de algum prédio em uma movimentada avenida, parecem coreografados, em diversas cores e estampas, bolinhas, desenhos, marcas, listras. Numa São Paulo de outrora, eram todos pretos, sisudos e carregados por senhores usando chapéus. Na sampa moderna, o guarda-chuva ganhou cor, passou a ser fabricado na China e surgem no mais impressionante fenômeno de geração espontânea às portas do metrô com camelôs vendendo 1 por 10, 2 por 18 e 3 por 25. Basta começar a chover, que aparecem num passe de mágica.


Os guarda-chuvas, Renoir


Mas toda a beleza e serenidade da dança dos guarda-chuvas na cidade banhada pela chuva transmuda-se em aventura radical e perigosa. Se você, caro leitor, tem pouco mais de 1,75m, com certeza irá se deparar com as perigosas agentes armadas de uma arma letal: o guarda-chuva. Sim, ele pode ser usado para lhe tirar a vida. Sejamos mais realistas, podem lhe cegar, causar alguns hematomas, mas matar seria um exagero.

Vou revelar a identidade secreta destas agentes perigosas, que armadas vagueiam por dias chuvosos escondidas debaixo de seus guarda-chuvas. Refiro-me às senhoras idosas e a todo e qualquer cidadão com menos de 1,65m e que ande com o guarda-chuva praticamente colado na cabeça. Ao caminhar pela calçada, estas agentes não desviam – e também não te veem. É preciso ficar esperto para desviar dos pontiagudos ferros que seguram o plástico da camada protetora do pedestre. Estas agentes caminham em linha reta, obrigam-no a sair debaixo de marquises e lançam qualquer pedestre que vier em sentido contrário no meio da rua. E se você reclamar, é capaz de levar uma guarda-chuvada na cabeça ou no braço.

Repare, meu caro leitor, como o ato de caminhar por uma rua movimentada num dia de chuva pode ser uma perigosa aventura. Qualquer dia algum prefeito ainda vai inventar o rodízio de guarda-chuva definido por data de aniversário: dias ímpares para quem nasceu em dia ímpar e dia par para quem nasceu em dia par. E ai de quem reclamar!