sexta-feira, 30 de julho de 2010

Uma personagem em Barcelona


Os primeiros bondes começavam a cruzar a cidade, e o tilintar da campainha de um deles, abafado pela casa fechada, chegou até mim como naquele verão dos meus sete anos, quando da minha última visita aos meus avós. Imediatamente tive uma percepção nebulosa, mas vívida e fresca como o cheiro da fruta apanhada do pé, do que era Barcelona na minha lembrança: esse barulho dos primeiros bondes, quando a tia Angustias passava rente à minha caminha improvisada para fechar as persianas que já deixavam entrar muita luz. Ou de noite, quando o calor não me deixava dormir e a trepidação subia a ladeira da rua Aribau, enquanto a brisa trazia o cheiro dos plátanos, que abriam seus galhos verdes e poeirentos sob a sacada aberta. Barcelona era também umas calçadas largas molhadas de chuva, e muita gente bebendo refrescos num café... Tudo o mais, as grandes lojas iluminadas, os automóveis, a agitação e até o próprio passeio da estação no dia anterior, que eu já acrescentara à minha ideia da cidade, era pálido e falso, artificialmente construído, como as coisas que, de tão trabalhadas e manuseadas, perdem seu frescor original.”
(Nada, de Carmen Laforet. Rio de Janeiro : Objetiva, 2008, p. 23)


 
Os bondes não circulam mais por Barcelona, mas as calçadas permanecem largas e impecáveis, os cafés continuam lotados no verão e os plátanos revelam toda sua formosura com a bela folhagem verde.

Fui até a Carrer D´Aribau, uma rua paralela das Ramblas e da Passeig de Gràcia. Esta última, uma rua movimentada, ampla, charmosa e com lojas de todas as grifes internacionais de luxo. Tinha ido à uma loja da Editora Marcial Pons, editora jurídica espanhola, que fica próxima à Passeig de Gràcia. Depois das compras, fui em sentido contrário à estação de metrô, esticando a caminhada na tarde quente até o cenário de Nada.

O livro foi escrito em 1944 e o tempo não tirou o charme da rua, dos prédios baixos, das sacadas que se debruçam sobre a rua. Viajar no tempo foi fácil. O cenário literário materializava-se diante dos meus olhos. Andrea, a protagonista, parecia ter passado a pouco por aquela rua. As palavras saltaram do objeto inerte chamado livro e ganharam uma nova dimensão, real, viva, vibrante. Como é gostoso visitar o cenário de um livro e notar a genialidade do escritor! E este primeiro encontro é permeado pelo frescor original que a personagem diluiu na sua rotina.


segunda-feira, 26 de julho de 2010

Olhares de Barcelona - II





Torre Agbar, à noite (acima) e durante o dia.

Concluída em 2005, o edifício projetado por Jean Nouvel destaca-se em Barcelona, uma cidade onde os prédios têm altura equivalente e quase uniforme, sinal do bom planejamento e organização. A expressão Agbar não é uma palavra em árabe mas a abreviatura da empresa Águas de Barcelona, responsável pelo saneamento básico e pelo fornecimento de água na cidade.

O edifício lembra um pepino gigante, ou um monolito de um filme de ficção científica. Durante o dia, sua aparência é árida, porém, à noite, com a iluminação especial, o prédio ganha vida de forma surpreendente.

O hotel em que estava hospedado era ao lado da Torre Agbar. Diariamente caminhava para a estação Glòries do metrô e passava ao lado do prédio. O que mais me impressionou era a quantidade de pessoas fotografando o edifício e diante do edifício, algumas naquelas tradicionais poses, muitas delas cômicas. A Torre Agbar parece ter um campo magnético capaz de atrair toda e qualquer máquina fotográfica.

Suspeito que algum dia, algum fotógrafo ainda fará uma série de fotos de pessoas fotografando a Torre Agbar, enquadrando as imagens nos sujeitos que fotografam e não no objeto fotografado. Nos últimos dias em que passava por ali, deixei de observar a Torre Agbar e fixei o olhar atento na infinidade de pessoas que paravam alguns minutos para levar consigo uma lembrança de mais um marco arquitetônico de Barcelona.


segunda-feira, 19 de julho de 2010

Barcelona cosmopolita


Mosaico de Antoni Gaudí na entrada do Parc Güell, em Barcelona.



Ao visitar uma cidade pela primeira vez, uma daquelas cidades que parecemos já conhecer pelos livros e fotos, mas não pessoalmente, criamos uma imagem mental do que iremos encontrar. Uma infinidade de peças visuais,  olfativas, gustativas que se organizam num grande mosaico, falho na maior parte das vezes. A realidade da visita corrige as falhas ou rejeita por completo a concepção criada de forma cerebrina.

Barcelona me surpreendeu. E muito! Talvez nunca tenha sido tão surpreendido por uma cidade como por Barcelona. Achava exagerado alguns comentários de amigos, mas estava enganado. A paisagem árida e as montanhas a oeste eram esperadas. A primeira visão casou com a imagem virtual projetada mentalmente. A surpresa veio com os primeiros passos pelas ruas, o contato com as pessoas, os aromas nos bares e restaurantes, o calor de dias ensolarados.

Barcelona erupciona no verão. Ao andar nas ruas mais movimentadas – e turísticas -, praticamente não se ouve espanhol. Fala-se alemão, holandês, francês e uma infinidade de línguas do leste europeu que não me atrevo a diferenciar. Há coreanos e japoneses também. Os brasileiros somem no meio da grande mistura. O catalão é a língua oficial que está em todas as placas, na locução das estações do metrô, em canais de televisão e outdoors. Uma mistura de português, espanhol, francês e italiano, o catalão – falado – é mais facilmente compreensível do que o espanhol, lembrando por diversas vezes o português falado em Portugal.

A cidade é um grande centro de encontro de africanos e latino-americanos que deixaram seus países tentando ganhar a vida por aqui. Muitos deixaram-se levar pelo crime quando a crise assolou o território europeu. É fácil encontrar mulheres muçulmanas falando árabe; indianos e paquistaneses falando seus idiomas; africanos falando francês.

Barcelona é de um cosmopolitismo ímpar no verão, um caldeirão em ebulição, em movimento, uma cidade onde as culturas e povos se encontram. Alguns para lazer e descanso; outros para sobreviver.


sexta-feira, 16 de julho de 2010

terça-feira, 13 de julho de 2010

Ares de Barcelona


Plátanos carregados de folhas bem verdes desenharam a primeira imagem de Barcelona que me remontou aos livros. Carmen Laforet, em Nada, relaciona a passagem das estações à coloração das folhas dos plátanos. O exato período de um ano em que o romance transcorre, permite ao leitor imaginar a chegada do inverno com a variação da coloração das folhas. Barcelona está repleta destas árvores em todas as suas ruas.

A cidade foi planejada por um engenheiro e agrada-me muito mais do que as obras criadas por Oscar Niemeyer, que podem ser belas, mas cansam rapidamente. Barcelona relembra um pouco de Curitiba, mas as ruas de Curitiba são confusas e a tradicional bagunça brasileira permite construções de alturas diferentes, o causa uma certa desordem e quebra a harmonia da cidade.

Este planejamento racional e típico de um engenheiro foi o berço da falta de regras na arquitetura. Puig i Cadafalch e Gaudí lideraram o movimento modernista e presentearam a cidade com edifícios onde a curva predomina sobre a linha reta. O belo é o inesperado, o que rompe com a homogeneidade do passado. Não há nada de anarquista ou político na concepção de Gaudí, mas uma forma de externar o que ele concebe como belo do ponto de vista arquitetônico. Esta influência se propaga por toda a cidade, nas praças, bancos de jardim, novos edifícios, igrejas e tudo mais. Sempre há algo inusitado para um olhar atento.

Barcelona incorporou o espírito de Gaudí e isto a transformou num importante centro mundial de design e inovação.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Destino Barcelona


A cidade de Barcelona é palco de alguns bons livros. Centro pujante na área de design e cultura, com excelentes museus e arquitetura de vanguarda, sem deixar de preservar o passado. Nos últimos anos, li 3 bons livros que tinham como cenário Barcelona. Todos foram comentados neste blog. Em período de férias, deixo-os como dicas para quem procura boa leitura.

Erec e Enide, de Manual Vázquez Monalbán - Rio de Janeiro : Objetiva, 2007, editado pelo selo Alfaguara. Post relacionados: Presente em corpo, ausente em alma.

Nada, de Carmen Laforet - Rio de Janeiro : Objetiva, 2008, editado pelo selo Alfaguara. Post relacionados: Ainda sobre contrariedades.

A Sombra do Vento, de Carlos Ruiz Zafón - Rio de Janeiro : Objetiva, 2007, editado pelo selo Suma das Letras. Post relacionados: Barcelona enevoada e Solidão Dissipada.

Os próximos posts serão inspirados por esta cidade que me aguarda.