segunda-feira, 30 de outubro de 2023

Nostalgia

 



Fenway Park - @rbueloni


Caminhava no último sábado pela manhã numa praça perto de casa para fazer um pouco de exercício ao som de uma playlist que tenho no Spotify e que chamei de Midland Times (ou “tempos de Midland”). Midland é uma pequena cidade no meio do estado de Michigan, no norte dos Estados Unidos, onde residi por 4 anos. As músicas dos anos 1980 que compõem a lista me levaram de volta àquela pacata cidade do meio-oeste americano. Dei-me conta que no dia 31 fará exatos 40 anos que me mudei para lá, com 13 anos, falando um inglês macarrônico e débil, sem ter ideia do que iria encontrar.

Ao som de Billy Joel cantando River of Dreams, lembrei-me dos bons tempos da adolescência. Aquela música poderia ecoar do rádio do carro num dia de verão, onde Tom, Homer, Brian e eu íamos para tomar um sorvete no Baskin Robbins ou um slurpee no 7Eleven. E depois, passávamos horas conversando, ouvindo música, andando de bicicleta, vendo jogos de baseball e torcendo pelos Detroit Tigers.

Os dias de verão eram longos e quentes. Os dias de inverno muito frios, cheios de neve escuros e curtos. Mas a amizade construída naqueles anos perdurou e se manteve viva. Enquanto caminhava, relembrava do que aprendi na adolescência vivida numa cidade interiorana americana. Era eu um forasteiro, um estrangeiro. Senti o preconceito, a discriminação, os estereótipos aplicados a quem não é popular e quem não é atleta. Fui provocado a tomar decisões, a amadurecer, a escolher um rumo para a minha vida. Optei por dedicar-me aos estudos e com isso garantir uma vaga num processo seletivo de uma universidade de alto nível nos Estados Unidos. Era bom aluno e por isso ganhava a pecha de nerd, o que lhe incluía numa categoria social que impossibilitava sair com as meninas mais bonitas e populares.

 Olho com nostalgia para aquele tempo e agradeço por tudo que passei. Uma nostalgia alegre, jamais melancólica ou triste. Olho para o passado e agradeço pelo que recebi, pelos problemas que enfrentei, pelas chances e oportunidades que tive, pelas conquistas e pelos fracassos. Tudo foi um processo de aprendizado e que me levou a optar por não fazer curso superior nos EUA, apesar de ter sido aceito em Harvard, Georgetown, Boston College e na Universidade de Michigan.

Quarenta anos se passaram! Continuo vivo, mas sei que a cada dia que passa aproximo-me do fim. Gosto de refletir sobre o fim no dia de finados. Gosto de celebrar cada novo dia de vida que me é presenteado. Juntei nestes dias a nostalgia que me alegrou engatilhada pela música que despertou milhares de memórias, sorrisos, abraços, despedidas e momentos únicos,  com a lembrança daqueles tempos de adolescente. A nostalgia só me traz a certeza de que a cada novo dia, a gratidão aumenta.


PS: Não esqueça de fazer uma oração por aquele ente querido neste dia de finados. Não esqueçamos daqueles que se foram, mas que continuam vivos em nossos corações.

 


quinta-feira, 27 de abril de 2023

Cortina de ferro


by Renato Bueloni Ferreira



Sento-me às margens do rio Odra, numa tarde agradável de domingo de primavera, e tento imaginar como era a vida na Polônia durante o regime soviético.

As novas gerações têm a liberdade, algo inexistente naquela época. As novas gerações têm seus celulares, a comunicação livre com o mundo. As novas gerações têm acesso a uma universidade aberta, a programas de intercâmbio, a viajar pela Europa e explorar novos destinos.

É domingo, os sinos das igrejas badalam e as pessoas vão à missa. Avisto vários campanários de igrejas em estilo gótico, mas de tijolos à vista. As paredes externas são marrons, uma cor terrosa escura, mais sóbria e sisuda do que no sul da Europa.

Casais passeiam com crianças pequenas, há risos, jovens conversando e olhando seus celulares. Uma mulher lê algo em um Kindle. Um grupo de jovens controla um pequeno drone sobre o rio. A cidade medieval de Wroclaw abraçou a modernidade e a tecnologia sem esquecer do passado.

E como foi o passado?

Quase não há sinais do período soviético. Deparei-me com um conjunto habitacional acinzentado, quadrado, decaído que me lembrou 1984, de George Orwell. A vida devia ser triste, melancólica, sem esperança, com falta de comida, de dinheiro, de energia. A vida era controlada pelo Estado, a vida era dirigida pelo Estado, a vida era traçada pelo Estado, como um roteiro de filme onde o bom cidadão sobrevive. Entenda-se por “bom cidadão" aquele que segue as regras e se deixa escravizar pelo Estado, aquele que não critica, aquele que incensa o líder supremo.

Os mais velhos, que vivenciaram o terror, não hesitaram em dar apoio à Ucrânia e a acolher os refugiados. Os mais velhos têm a memória viva do que é perder a liberdade.

Que este terror jamais volte! 

Em tempos de tentativa de regulamentação das redes sociais, que a voz jamais seja calada, que a liberdade de opinião e de expressão continue a reinar como direito fundamental do cidadão, que o Brasil não enverede pelos negros caminhos da censura.


terça-feira, 3 de janeiro de 2023

Poesia: Na madrugada

 


@rbueloni - instagram


NA MADRUGADA

Por vezes, vens me visitar na alta noite

no silêncio do sonho das madrugadas.

Alguns intensos, outros serenos e plácidos,

alguns sem sentido, outros a revelar verdades

marcantes e ao despertar,

o intenso batuque na caixa torácica

o arrepio latente, o sorriso discreto no rosto

invisível na escuridão pesada.

 

Por vezes, a chuva me acorda ao tocar na janela

teu corpo desnudo ao meu lado

envolto nos lençóis desarrumados.

Deixo a manhã preguiçosa invadir

e apenas te observo - calado.

Tuas costas, teus cabelos, tua respiração.

Desenho mapas e paisagens na tua pele

ligo os pontos e imagino tatuagens

a ponta dos dedos é meu pincel

tuas costas, a tela para minha aquarela.

 

Por vezes, interrompo o sonho com um beijo

a realidade a bater na porta, o alarme do relógio

a luz do sol intrusa a adentrar o quarto

revelando a verdade,

revelando que estou só.