(c) Visão ao Longe
MENINA DE 34 ANOS - PARTE 3
Mariela não demorou a ganhar a confiança de Lico. Seus trabalhos eram primorosos, cuidadosos, esmerados e refletiam sua jovialidade. Quando havia alguma dúvida, algum termo que ela desconhecia, não hesitava em perguntar a Lico. Pela primeira vez em anos, ele percebera sua limitação: alguém o desafiava. Porém, ele reagira a este desafio com humildade, o que lhe surpreendeu. Os emails e as inúmeras conversas deixaram os padrões profissionais e ganharam a informalidade. A delicadeza feminina havia vencido uma barreira quase instransponível, atrás da qual Lico se escondia de si mesmo. Uma música, uma foto, um comentário casual no meio do dia, uma piada. Lico admirava a versatilidade de Mariela, a facilidade com que ela mudava de assunto e sempre tinha um comentário espirituoso, brincalhão. Ele deixou o sorriso aflorar. Ele passou a admirar a cidade. Ele passou a reparar mais nas pessoas ao seu redor; passou a se interessar de forma sincera por quem contribuía com o seu trabalho.
Aos poucos, ela foi revelando a Lico um outro lado da vida. O diferente deixou de ser abjeto e rejeitado, e passou a ser investigado, admirado. Mariela havia instigado um lado obscuro de Lico, que nem ele conhecia. A liberdade batia às portas de Lico, a libertação do velho Lico.
O tempo passou, como tudo na vida, e Lico deixara sua casca envelhecida ao longo do caminho. Era um homem renovado. Uma menina de 34 anos, como ele secretamente a chamava, havia despertado um ser humano adormecido, um bom homem, mas empedernido pela rotina cruel do trabalho feito de forma mecânica e sem amor.
Quando Mariela contou-lhe do esmalte laranja, Lico sorriu. Sorriu num agradecimento silencioso, ainda secreto, por aquela menina que havia conduzido-o pela mão numa trajetória paciente de renovação. Não torceu o nariz; não achou estranho ou arrojado. Viu no gesto dela o arrojo de um espírito vibrante e cheio de vigor, a sensibilidade estética de antecipar tendências, a beleza de uma mulher única, o avesso de tudo que imaginava desejar numa mulher.
O esmalte laranja. Era o ápice da transformação, da renovação do novo Lico. Ela não sabia, mas ele pressentia que ela já percebera o poder transformador que exercera sobre aquele jovem advogado. Lico estava feliz. Feliz e profundamente agradecido pelo acaso ter sido tão sido tão generoso com ele. E não por acaso, tudo isto se materializara às vésperas do Natal.
OBS: Esta é a parte final do conto. A Parte 1 e Parte 2 podem ser lidas nos links.
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