sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Chavões


instagram  @rbueloni


Todo carnaval tem seu fim
assim como o amor.

Todo carnaval tem seu fim
diferente de governos corruptos.

Todo carnaval tem seu fim
assim como as estações do ano.

Todo carnaval tem seu fim
diferente dos bons momentos armazenados na memória.

Todo carnaval tem seu fim
assim como as longas férias.

Todo carnaval tem seu fim
diferente da aposentadoria integral do servidor público,
com todas as benesses e vitaliciedade.

Todo carnaval tem seu fim
e agora é hora de trabalhar,
pois o ano tem que começar!

terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

Na passarela do samba






O sol ainda ia alto na tarde que avançava com algumas nuvens amendrontadoras a surgir lá pelo lado da zona norte, quando saí de casa rumo a um ponto de encontro num bairro da zona sul paulistana. Um grupo de pouco mais de trinta pessoas abraçaria a aventura de desfilar numa escola de samba, o Grêmio Recreativo Cultural Social Escola de Samba Unidos do Peruche. Eis o nome pomposo e completo de uma agremiação sambística. No nosso grupo,  um holandês, um suíço e paulistanos de origem e rostos variados, a maioria sambistas de primeiro desfile.

Seria meu primeiro desfile numa escola de samba, pela primeira vez a entrar no sambódromo do Anhembi, na passarela do samba. Memorizei o samba-enredo, li sobre o enredo, mas não fui a nenhum ensaio e nem pus os pés na quadra da escola na zona norte. Aceitei o convite, mas avisei que estava com uma agenda complicada para participar de ensaios. Comprometi-me a fazer a tarefa mínima: pagar pela fantasia, decorar o samba-enredo e estar em condições físicas de ajudar a escola. Tinha a doce ilusão de que seria mais um daqueles itens a marcar na longa lista de “1000 coisas a fazer antes de morrer”. Tudo bem, não é a Marquês de Sapucaí, mas é o GRCSES Unidos do Peruche, um integrante do Grupo Especial do Carnaval de São Paulo. Convenci-me de que o desfile contaria como válido para a lista.

No ponto de encontro, o salão de festas havia se transformado num camarim de teatro, nos bastidores de uma companhia mambembe em preparação para o espetáculo. O samba-enredo tocava nos alto-falantes oriundo de um telefone celular. A modernidade auxiliando na preparação. O clima descontraído, divertido, alguns cantando, outros ensaiando e repassando a coreografia de uma das alas. Neste momento, dei-me conta da grandeza da tarefa de organizar um desfile e aquela sensação só iria se aprofundar ao longo da noite que viria. As fantasias, ainda que de material simples, eram bem acabadas e elaboradas com dedicação e amor por todo um enorme grupo de pessoas apaixonadas pela Peruche.

A palavra “Comunidade”, que me lembro de ter ouvido pela primeira vez numa daquelas aulas de Estudos Sociais lá no 2o. ano do ensino fundamental, ganhava vida e vigor, uma nova perspectiva. Em qualquer desfile de escola de samba, talvez comunidade seja o vocábulo mais falado por todos os envolvidos, comentaristas, puxadores de samba, letras de samba, diretores de escola. Há uma sobreposição entre a comunidade e a escola, quase uma confusão de ambas. A escola é a manifestação física da comunidade, uma forma de demonstração do que a comunidade é capaz de fazer, ainda que os recursos sejam escassos e as dificuldades imensas. Descobriria, mais tarde, que ao vestir a fantasia da ala “Boemia”, por alguns momentos, passaria a integrar o exército da comunidade, ainda que na qualidade de soldado mercenário.

Um ônibus partiu às 17:30 rumo à quadra da Peruche. Os neocarnavalescos entoavam o samba com animação, o que mais parecia um ônibus de torcida organizada ou talvez um grupo de jovens escolares em uma excursão. Numa São Paulo sem trânsito, o ônibus foi limitado apenas pelo absurdo limite de velocidade imposto pelo prefeito Fernando Haddad, que – esperamos – inicia seu último ano de mandato.

A parada na quadra era necessária para que nos juntássemos ao comboio de ônibus credenciados com acesso direto ao Anhembi e para que as últimas fantasias fossem ajustadas. Um temporal desabou enquanto esperávamos a partida rumo ao destino final. A espera foi um pouco cansativa e suficiente para reduzir os níveis de adrenalina e amenizar a empolgação do grupo. O clima, porém, permanecia em ebulição. Com a parada da chuva e a temperatura mais amena, era hora de partir para o sambódromo. Passava das 21 horas e o início do desfile estava previsto para as 22:30.

No Anhembi, a chegada foi tranquila e agora era necessário localizar o chefe de ala para pegar o costeiro que complementava a fantasia e alinhar na ordem correta de entrada na avenida. A organização novamente me surpreendeu. Os chefes de ala uniformizados com a camisa da agremiação, calça branca e sapatos brancos eram fáceis de localizar. O costeiro era maior do que imaginava. O peso não incomodava, mas era grandioso e ampliava o espaço lateral do corpo não permitindo passar por espaços pequenos sem esbarrar em pessoas. Na área que antecedia a concentração, grupos de iguais se formavam, fantasias de cores variadas e em cada setor uma cor predominava. A ala Boemia trazia chapéus azuis, uma camisa listrada de azul e branco na horizontal, calça branca e um costeiro preto que lembrava uma clave de sol e penas azuis na parte superior. Diante de nós, uma ala toda vermelha e atrás uma ala onde o verde claro era a cor predominante.

Aos poucos, a ala ganhou corpo com todos os integrantes prontos. Diretores de ala checavam as fantasias, ajustavam costeiros, davam instruções preliminares. Então, começamos a andar em direção à concentração. Um diretor passa por entre as alas, vestido de terno azul, falando com voz forte e dando a palavra de ordem: “Superação! Superação Peruche! A palavra é superação comunidade!”. Alguém grita o nome da escola e a massa repete em coro, uma torcida animada, um time pronto para entrar em campo.

A caminhada cessa na área da concentração, onde é possível contemplar a grandiosidade dos carros alegóricos, muito mais belos ao vivo do que retratados na televisão. Os puxadores de samba ainda não iniciaram o esquenta. Um telão mostra que ainda é horário de BBB. Um chefe de ala informa que serão fileiras de 8 pessoas e que é preciso ficar alinhado. Ele cumprimenta um a um, cada integrante da ala, pedindo garra, vontade, que todos cantem o samba, que todos sorriam. Alinhamos como um batalhão de exército, uma tropa pronta para a batalha.  Senti-me um soldado, já vestido de armadura e pronto para lançar-me no campo de batalha, de peito aberto, como aqueles escoses liderados por Mel Gibson em Bravehart (Coração Valente). O sentimento era de pertencimento, ali, naquela hora, você faz parte da comunidade, você é uma peça daquela engrenagem que se chama escola de samba.

O presidente faz um breve discurso, chamando todos para o desfile, convocando seu séquito para dar o melhor de cada um, para lutar na avenida pelo pavilhão da escola. Segue-se o puxador oficial da escola a conclamar todos com o esquenta, a cantar sambas de outros carnavais. Um arrepio percorre toda a espinha. A emoção toma conta e contagia toda a escola que começa a cantar o samba enredo de 2016.

Firma o pandeiro e o tan-tan
Tem samba até de amanhã
E a nação perucheana faz a festa
O meu batuque ecoou
Um lindo canto de amor
A filial chegou


O refrão é repetido e será repetido por dezenas de vezes até o final do desfile. Não sei quantas vezes cantei o samba, mas dois dias depois do desfile, acordo com o samba na cabeça, a ecoar mentalmente no aparente silêncio da pauliceia em dias de carnaval. A bateria e sua batida, o ritmo contagiam de forma única e inebriante. Não há cansaço, ou calor, ou fome que impeçam a entrada no palco com energia total. Uma imensa alegria inunda o corpo e o espetáculo começa. Desta vez, você é o artista, você é o espetáculo, ou parte do grande espetáculo, mas cuja performance é essencial para o todo, para o triunfo da comunidade.

O tempo na passarela é curto. Pouco mais de vinte minutos e acaba. A missão foi cumprida. O cansaço só é sentido depois da dispersão. Só na dispersão você olha para trás e vê um enorme carro alegórico que lhe seguiu por toda a avenida, mas não se olha para trás durante o desfile. Observo por alguns instantes a parte do desfile que não vi, as alas que estavam na parte final da escola, com um sentimento de realização, de alegria e de poder ter contribuído um pouco com a escola e a comunidade.

No ano que vem voltarei.  Agora é aguardar a apuração e torcer. Quem sabe não voltamos no desfile das campeãs?