quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Uma estrela no horizonte


Cada ser humano tem seu brilho próprio. Por vezes escondido, oculto por trás de aparências que enganam. Pode parecer frio, indiferente, metido, bravo, tímido. Muitos poderiam ser os adjetivos a caracterizar tantas pessoas que achamos conhecer. É preciso um olhar atento – ou então ouvir e deixar a pessoa se mostrar -, é preciso paciência para conhecer e descobrir. Qual não será nossa surpresa ao se deparar com o brilho daquela alma que está ao nosso lado.

Uma jóia reluz depois de lapidada. Em estado bruto, na natureza, passa despercebida, é descartada, ignorada. O garimpeiro, que vai em busca da pedra preciosa, tem olhar clínico para desvendar os mistérios da rocha e do solo. Igual a cada ser humano.

Olhe em volta. Lance um olhar na rua àquela pessoa que caminha na sua direção, ou que senta ao seu lado no ônibus ou no metrô, ou que está diante de ti na fila do banco, do cinema, do restaurante, da loja. Cada um tem seu brilho, suas qualidades, seus dons, sua beleza.

Encontrar o brilho daquela pessoa especial, daquele amigo - ou amiga -, é uma dádiva, um presente celestial. Claro, que há pessoas que nos cativam com um brilho intenso e se tornam mais do que especiais. Moram no lado esquerdo do peito. Basta vê-las, ou ouvi-las ao telefone, ou simplesmente lembrar-se delas para que o sorriso desabroche e a felicidade tome conta de todo nosso ser.

Nestas festas de final de ano, erga seu olhar ao firmamento e aviste a estrela no horizonte. Estrela que caiu na Terra e caminha do nosso lado na forma de uma pessoa querida. Agradeça por esta estrela, agradeça pelo brilho que ela traz nas nossas vidas. Agradeça sempre por esta pessoa existir e lhe presentear com um sorriso.

Um Feliz Natal a todos os amigos e leitores deste blog! E que 2009 seja um ano repleto de grandes conquistas!

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Mar Português, de Fernando Pessoa



MAR PORTUGUÊS


Ó mar salgado, quando do teu sal

São lágrimas de Portugal!

Por te cruzarmos, quantas mães choraram,

Quantos filhos em vão rezaram!

Quantas noivas ficaram por casar

Para que fosses nosso, ó mar!




Valeu a pena? Tudo vale a pena

Se a alma não é pequena.

Quem quer passar além do Bojador

Tem que passar além da dor.

Deus ao mar o perigo e o abismo deu,

Mas nele é que espelhou o céu.

(Quando fui outro. Rio de Janeiro : Objetiva, 2006, p. 169)


Um dos poemas mais conhecidos do mestre Fernando Pessoa. Leitura obrigatória para todo aluno em fase de preparação para o vestibular, este poema foi o tema de minha redação no vestibular da Fuvest, lá pelos idos de 1988. Jovem, idealista, imbuído de fortes convicções políticas, dissertei sobre o potencial deste grande país do futuro que deveria abraçar a modernidade econômica sem medo. A redação levou o título Duc in Altum! (Mar Adentro em latim, coisa de vestibulando metido a besta).

Hoje, 20 anos depois, releio estas palavras com outra visão. Escolhi este poema para dar um toque de reflexão no final do ano. Tudo vale a pena / se a alma não é pequena. / Quem quer passar além do Bojador / tem que passar além da dor.


O ano que finda já passou, ficou no passado e este não pode ser mais alterado. O passado pode ser analisado, revisitado, mas não reescrito. O passado é a base, um alicerce, mas o projeto que se constrói sobre ele está em nossas mãos. O futuro, os dias vindouros, presenteia-nos com as ferramentas para modificar o projeto todo, para corrigir rumos, para direcionar esforços e energias, para redescobrir a coragem, a poesia da vida.


Não importam os erros e fracassos do ano que se esvai. Importa aprender com estes momentos e iniciar a jornada de forma renovada e vibrante. Tudo vale a pena / se a alma não é pequena.




segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Um marco na vida de um leitor


"- Até então para mim as leituras eram uma obrigação, uma espécie de multa a pagar a professores e tutores sem saber muito bem para quê. Eu não conhecia o prazer de ler, de explorar portas que se abrem na nossa alma, de abandonar-se à imaginação, à beleza e ao mistério da ficção e de linguagem. Tudo isso para mim começou com aquele livro. (...)

- Bem, você é ainda muito jovem. Mas é essa mesma sensação, essa chama da primeira vez que nós não esquecemos. Este é um mundo de sombras, Daniel, e a magia é um bem escasso. Aquele livro me ensinou que ler poderia me fazer viver mais e mais intensamente, que poderia devolver-me a visão que eu tinha perdido. Só por isso aquele livro, que não interessava a ninguém, mudou a minha vida."
(A Sombra do Vento. Rio de Janeiro : Objetiva, 2007, p. 27)


O trecho acima foi extraído do Best-seller de Carlos Ruiz Zafón. Clara, a titular da fala, é cega e os livros são lidos para ela. Clara conta a Daniel como um livro mudou sua vida, como descobriu o prazer de ler, tudo provocado por um livro esquecido e desprezado pelos outros.


Este trecho poderia ser a epígrafe de uma tese de doutorado ou de um longo ensaio sobre literatura e o prazer de ler. Vou pinçar alguns pedaços e idéias para uma breve reflexão de final de tarde.


No momento em que se consegue transformar a leitura em algo prazeroso, descobrimos um novo mundo. Volte no tempo. Pergunte-se qual o primeiro livro que marcou sua vida? Todos nós temos um livro que em algum momento, de forma inadvertida e silenciosa, mudou nossa forma de ver o mundo. Um livro que nos abriu os olhos para um nova dimensão , que nos permitiu ver aquilo que jamais tínhamos reparado.


Posso afirmar que o primeiro livro que li com prazer, sem ser obrigado, foi "O Velho e o Mar", de Ernest Hemingway. Li no colégio e muitos não gostaram. Eu fiquei fascinado pela persistência, pela luta, pelo esforço do velho Santiago em busca do peixe grande. Santiago arrisca a própria vida para conseguir seu maior objetivo: pescar um grande marlim azul. Santiago é bem sucedido em sua empreitada, mas ao tentar trazer o enorme peixe de volta para a praia, seu barco é atacado por um cardume de tubarões. Ele luta em vão para tentar preservar o peixe dos tubarões. Volta à praia, satisfeito, realizado, para deitar-se em sua cama e morrer.


Hemingway compara a vida a uma pescaria e tem grande êxito na comparação. Como disse, muitos não gostaram do livro, muitos não compreenderam a mensagem do livro. Eu fiquei apaixonado por Hemingway a partir daquela obra e li vários livros de sua autoria.


Meu ponto é exatamente este: um livro pode ser marcante para uma pessoa, mas não dizer nada a outra pessoa. Isto não tira o mérito do livro, nem de seu autor. Mas a leitura nos surpreende quando encontramos as palavras que precisamos ler naquele exato momento. A magia pode ser escassa no mundo, mas é abundante nos livros.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Kit Left Revolution

Um comentário político que dispensa comentários. O vídeo foi criado por estudantes de Comunicação Social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Boas gargalhadas garantidas!

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Crônica: Ondas


ONDAS

Deitou-se na cama com o leve burburinho das ondas quebrando nas rochas e trazido pela brisa morna. Voltou a pensar que tudo aquilo havia sido um erro, um grande equívoco. Foram cinco dias de suposto descanso, um momento de fuga a dois. Ela insistiu que queria viajar com ele. Ele não queria. Ela foi enfática. Com um profundo suspiro, ele aceitou. Ela anteviu seus piores temores corporificados naquele longo e profundo suspiro. Ela planejou a viagem. Ele deu de ombros. Ela escolheu a pousada. Ele assentiu com um leve gesto da cabeça.

Naqueles breves dias, ela se esforçou por reparar a ponte ruída pelo tempo. Tábuas podres precisavam ser removidas e substituídas. Os cabos de aço a sustentar a estrutura urgiam por um reforço. A estrutura era frágil e uma tempestade mais forte seria capaz de levá-la rio abaixo. As cabeceiras da ponte apresentavam sinais de erosão. Eram sinais antigos, nada de recente. Deixaram o solo rachar sem proteção, sem cuidado. Mas ela queria passar alguns dias só com ele. Precisava tentar mais uma vez para deixar claro em sua cabeça de que a culpa não havia sido só dela. Tudo aquilo a corroia internamente.

Suas pernas doíam, sua cabeça latejava. Estava cansada, ou melhor, exausta por dias que alternaram olhares distantes, gritos, silêncios longos e profundos, perguntas sem respostas. Talvez a indiferença dele a tivesse levado à exaustão. Virou-se de costas para ele, com o olhar fixo na parede. Procurava alguns pontos de claridade, alguma luz, algum sinal, alguma idéia para acalentar sua alma entristecida e murcha.

As ondas quebrando nas rochas perto da praia pareciam soar como música de orquestra. Ritmo, vida, intensidade, força, tempo...um tímido sorriso esboçou. Uma lágrima percorreu-lhe o rosto. Sentiu-se livre. De coração lavado, era hora de lançar-se ao mar e deixar-se levar.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Vulgaridade governamental

"Imagine se um de vocês fosse médico e atendesse um paciente doente. O que você falaria para ele? 'Você tem um problema, mas a medicina já avançou demais. Vamos dar tal remédio e você vai se recuperar'. Ou você diria: 'Meu, Sifu'".

A frase talvez pudesse ser dita em uma confraternização de final de ano ou numa mesa de botequim depois de algumas cervejas. Mas, não. A frase foi dita pelo presidente Lula, em discurso no lançamento do Fundo Setorial do Audiovisual, no Rio, referindo-se à atitude do governo em incentivar o consumo da população. Triste.

A Folha de S. Paulo ainda explicou ao leitor desavisado que a expressão é corruptela da expressão vulgar 'se fo....". Nem precisava explicar. Depois do famoso "relaxa e goza" da Ministra Marta Suplicy e do "top top" do Assessor Especial da Presidência, Marco Aurélio Garcia, agora é Lula quem adere às frases chulas.

A triste realidade de um governo vulgar!

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Tatiana Salem Levy tem livro premiado.

Um dos livros que li neste ano que se encaminha para o final - e um dos que mais gostei - foi A Chave de Casa. Escrevi um post sobre a obra (Uma viagem pelo passado) em que teci meus comentários pessoais e minhas impressões sobre o livro.

Aos 29 anos, Tatiana Salem Levy recebeu esta semana o Prêmio São Paulo de Literatura na categoria autor estreante. Prêmio merecido. Não li as obras dos outros concorrentes, mas a Tatiana utiliza de uma dinâmica narrativa diferente do usual. Seus capítulos são curtos e misturam a realidade com a memória. O leitor mergulha num universo que traz narrativas paralelas, de várias gerações, outorgando à estória um ritmo próprio, muito semelhante com a vida.

Poderia se comparar a forma escolhida pela autora com uma conversa com uma pessoa de idade avançada. Pensem numa tarde preguiçosa de prosa com sua avó. Ele comentará situações do presente, lembrará de coisas passadas e mencionará fatos de sua infância. Tudo se alternando ao longo da conversa, como se costurasse sua vida com a sobreposição temporal.

No post de 6 de fevereiro de 2008, conclui o texto com a seguinte frase: "Dificilmente o livro será um best-seller, mas é uma obra de grande qualidade literária." Acho que acertei. Transcrevo alguns trechos da obra. Trechos que grifei durante a leitura que me fizeram pensar.

"Vida melhor sempre se pode conseguir onde se está, mas fugir, não; para isso é preciso pegar um navio, ir para bem longe, principalmente se for de um grande amor, impossível de tão grande, como era o seu." (p. 35)

Sobre o passado, o imigrante decidido a vir ao Brasil se questiona e decide romper as amarras.

"Se ele quisesse, poderia conservar seu nome, sua origem. Preferiu criar outros, dar um novo nome e uma nova origem à vida que o aguardava. Sentia que para recomeçar precisava de outra identidade: se não deixasse para trás tudo o que havia sido seu até então, estaria para sempre amarrado ao passado." (p. 42)


E mais adiante, o passado a volta a ser questionado.


"O resto era passado, e o passado deve ser silenciado, adormecido entre os fios da memória." (p. 111)


Relendo estes trechos do livro, surgem novos comentários e divagações. Não vou me alongar. Talvez seja necessário retomar a temática do livro em outros posts.


Parabéns a Tatiana Salem Levy pelo prestigioso Prêmio e pelo reconhecimento. Aguardamos seus próximos livros.

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Crônica: Espinhos

Foto by Visão ao Longe


Começaste com uma agulha. Vencido o tempo do idílio e do conto de fadas, vieram as pontadas nos dedos. Usaste o instrumento de costura para provocar pequenas feridas. Bolinhas vermelhas a tingir meus dedos. Não tinha dedal e qual mão de costureira e apareceram as primeiras marcas.

Descobriste os espinhos, meio mais eficaz para rasgar a carne e tatuar o corpo com cicatrizes póstumas ao sangue jorrado da carne dilacerada. Não me coroaste com espinhos, mas as feridas eram tão profundas e doloridas que quase sucumbi. Calos nas mãos e nos pés, defesa natural do corpo agredido, do coração esmagado. A carapaça nasceu naturalmente fruto do instinto de sobrevivência e da esperança de que um dia a flor voltaria a desabrochar. Um cactus sem flor, mas coberto de espinhos defensivos. Carapaça intransponível que criara um mundo aparte oriundo de boas lembranças e sonhos.

O arsenal foi todo testado. Dardos, flechas, zarabatanas, lanças. Talvez até uma bala não ultrapassasse o escudo formado pelos momentos de descaso. Blindado estava eu e a distância era uma proteção eficaz. Distância que permitia desviar com malabarismos dos ataques constantes e mais freqüentes. Saltos, cambalhotas, piruetas. Artimanhas aprendidas com a vida. Dolorosas para um corpo pouco flexível e desanimado.

O solo tornou-se estéril. Deserto arenoso do coração. Desterro solitário, delirando na ilusão de que a nova estação traria chuvas. Chão árido onde o cactus não dava flor e murchava com a ausência total de água e da seiva da vida. Relegado ao relento, ao frio da noite e ao sol escaldante do meio-dia. Ignorado, desprezado, imóvel. Restava aguardar abraçado ao tempo.

De forma improvável, trouxeste as primeiras gotas a regar o chão duro e rachado. Suguei o líquido vindo dos céus com um sorriso tímido. Mandaste mais chuva e adubo para o solo. Enrugado que estava pela secura, voltei a sentir a pele mais tenra. Os calos pareciam diminuir e o sangue circulava com mais vigor, levemente palpitante a irrigar todos os órgãos deste corpo. Cuidaste de mim. Podaste as folhas mortas. Inesperada chuva que aliviou a dor. E quando faltou a chuva, regaste-me com palavras.

Não estava morto. Apenas hibernara sem data para despertar. Descobri esta verdade apenas quando surgiste. O coração desfalecido, quebradiço, fragilizado, recuperava-se agora.

Incrédulo, dei me conta de que trazia boas novas. Incrédulo, recobrei o brilho no olhar. Incrédulo, voltei a notar que o solo se recobria de verde e de brotos. Incrédulo, transformaste os espinhos em um campo de flores. A noite que sucedeu era estrelada e com uma lua magnífica. As flores voltaram rejuvenescidas e trazidas como fruto de inúmeras palavras. Sempre mágicas.