sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Microconto - IX

E então ela sorriu. Timidamente, encabulada, mas sorriu. Tomei aquela prenda como uma vitória, como a superação do primeiro obstáculo, que na maioria das vezes é o único obstáculo. Não perguntei seu nome, apenas cumprimentei-a de forma cordial.  Minha manhã começara inesperadamente agradável. As portas do elevador se abriram, ela se despediu com outro sorriso e nunca mais a vi.


quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Livros na cabeceira

Um feriado prolongado é sempre um ótimo momento para ter a companhia de um bom livro. Para aqueles que não gostam da folia, mais de um livro; para quem gosta da folia, leituras mais curtas. Algumas sugestões que estão na minha cabeceira.

Começo com sugestões de contos, que alguns consideram uma forma menor de literatura em relação ao romance, mas que exigem do escritor um poder de síntese maior. A discussão merece um post exclusivo e não vou fugir do tema.

Vamos às sugestões:



1. O tempo envelhece depressa, de Antonio Tabucchi. (trad. Nilson Moulin. São Paulo : Cosac Naify, 2010)

Um livro de contos sobre o tempo e a memória. Tabucchi é um dos mais importantes escritores italianos contemporâneo e este livro de contos foi premiado na França como o melhor do ano pela revista Lire. Os contos são densos com um escrita que conduz o leitor pelos caminhos da memória, por ora um pouco confusa, como os pensamentos, mas que obriga o leitor a confiar no fio da meada, para ao final, desenhar o retrato completo. 

2. Granta em português - Sexo (volume 6), vários autores. 

Lançada em novembro de 2010, este novo volume da Granta em português tem como tema o sexo. Não se trata de algo explícito, mas sutil e imaginado. Os contos são de diversos autores brasileiros e estrangeiros, entre eles encontram-se Reinaldo Moraes, Luiz Vilela, Anne Enright e Lynn Barber. 

O volume 5 também é uma boa pedida e tem um texto magistral de Ronaldo Correia de Brito. 


3. Absolvição, de Antonio Monda. (Rio de Janeiro : Alfaguara, 2010)

A coincidência de italianos não foi intencional. Monda é radicado em Nova York e professor de cinema na Tisch School of the Arts da New York Univeristy. A narrativa é ágil, com capítulos curtos, citações e referências a filmes, como não poderia deixar de ser. A leitura é prazerosa e leve, ainda que a temática não seja tão leve.

Federico Scalia é um criminalista no sul da Itália, o mais renomado criminalista e professor. Em seu escritório, um jovem advogado, Andrea Marigliano, vê no mestre uma forma de dar asas à sua ambição. Dilemas éticos são enfrentados e revelam a forma de pensar do advogado, com uma interessante crítica do modo de agir dos juízes e da justiça. O livro, porém, não é exageradamente jurídico, nem cansativo. É a estória de uma relação humana que retrata muito bem a forma como gerações distintas enfrentam a realidade. 

Boa leitura!



segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Crônica: Doente


DOENTE


Poderia cantar as belezas da minha terra, descobertas na infância e aprofundadas na adolescência. Era um pássaro livre que voava sobre as matas, um peixe a mergulhar no rio e deslizar pelas cachoeiras. Arisco e serelepe, não me aquietava nunca com toda aquela imensidão e liberdade. As flores, o cheiro do capim e da terra molhada após uma chuva de verão. O orvalho matinal nas manhãs frias de inverno a refletir a luz e dar a nítida impressão de um campo de minúsculos diamantes. Poderia cantar algo mais?

Poderia sim. Poderia e quero! Quero cantar os louvores da minha terra e as alegrias da memória. Que memória? Quero. Quero com todo o meu ser; quero de forma fervorosa e intensa. Quero, mas não posso.

Não posso sequer alimentar-me sozinho. Estou preso a uma cama, na qual passo meus dias remanescentes, assistindo ao sol nascer por uma janela entre enormes prédios manchados pela fuligem, ouvindo as maritacas que me acordam e planam sobre algumas árvores e alguns telhados das casas que ainda restam no bairro.

Os músculos não obedecem. Sinto a lucidez declinante da velhice, sinto a memória repleta de buracos negros e brancos. Quero lembrar, mas não consigo. Quero louvar, mas me faltam as palavras, a concatenação de ideias, a linearidade do raciocínio. Meu rosto traz consigo o relevo do tempo, as mãos enrugadas e amarfanhadas como um pedaço de papel amassado e pisoteado pela vida. Os olhos esforçam-se por identificar a figura que se desenha ao meu lado, num esforço para encontrar na memória o nome correto e permitir que eu sorria ao deparar-me com um rosto familiar.

Estou velho e doente. Abraço minha doença e não reclamo. Pacífico, encontro neste momento uma nova aventura, surreal, diriam alguns, mas que me conduz por trechos íngremes e planícies, por rios e cachoeiras, por matas virgens, como aquelas da minha terra, que tanto queria louvar. Até na doença e na debilidade há beleza.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Presença, de Odylo Costa, filho




Presença
Odylo Costa, filho


Esta paz
                de todos os homens,
estas vozes de crianças,
este mugido de bois,
este cheiro de terra,
estas cores do céu,
e os cabelos de minha mãe,
                são a Tua presença, Senhor!

A tarde é tão leve,
                e a terra tão simples,
- e a vida tão quieta -,
que as palavras, de impuras,
morrem no coração

(Poesia Completa. Rio de Janeiro : Aeroplano : Fundação Biblioteca Nacional, 2010, p. 551)


A simplicidade e o silêncio enlevam a alma. Presença que pode ser notada - e sentida - em momentos de observação e reflexão. Presença que se faz na memória e no coração, mesmo com a ausência física. O comentário é curto propositalmente. Deixo o silêncio presentear a leveza do momento.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Brincando com os ditados


A vida é feita de escolhas, como num jogo de xadrez.
Uma escolha errada pode ser fatal.

A vida é feita de escolhas.
Geralmente, escolhem por mim.

A vida é feita de escolhas.
Por vezes, a vida pergunta, mas esquece de apresentar as alternativas.

A vida é feita de escolhas.
Será?

A vida é feita de escolhas.
Eu escolhi gostar de você.


A lista é uma provocação, uma brincadeira com uma frase conhecida, quase um dito popular. Quer colaborar? Deixe sua impressão nos comentários e acrescentaremos à lista.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Forasteiro


Vista pela manhã e a cidade acaba antes do horizonte.

Manhã de céu azul com poucas nuvens, sem sinal de poluição. O ruído dos carros é dado  pelas ruas de paralelepípedos, intervalados e em velocidade menor. Não há buzinas; não há pressa. Carros estacionados na diante de lojas têm seus vidros deixados abertos; não há o medo da cidade grande. As pessoas se cumprimentam na rua, um grupo de senhores conversa tranquilamente num banco da praça da matriz, ao lado da igreja. Não vejo muros pichados na praça e a igreja está bem pintada e revela-se imponente, sem excessos.

Estou em São José do Rio Pardo, cidade no interior de São Paulo, com pouco mais de 55 mil habitantes e quase na divisa com Minas Gerais. Dista 264km da capital e foi residência de Euclides da Cunha no final do século XIX. Meu destino final é Guaxupé, Minas Gerais, onde irei a trabalho, mas resolvi pernoitar por aqui.

Alguém poderia se perguntar o que há de glamuroso nisto tudo? A resposta precipitada seria nada. Mas é aí que reside o engano da resposta apressada.


A caminho de Guaxupé, MG

Quando se visita uma cidade pequena do interior, o visitante é um forasteiro. Todos reparam, olham de soslaio, alguns encaram como se admirassem um animal exótico. Exageros à parte, sinto-me fora do ninho, deslocado. No restaurante em que fui jantar, perto do hotel, havia umas 4 ou 5 mesas cheias. Todos se conheciam e se cumprimentaram, puxaram um fio de prosa, para usar uma expressão bem interiorana. 

Caminhei uns 100 metros até o restaurante cruzando a praça da matriz. Crianças corriam pela praça; um casal namorava num banco; um grupo de jovens conversava tranquilamente; um senhor retirava dinheiro de um caixa eletrônico e contava as notas na calçada. A praça iluminada na noite quente era um ponto de encontro de vidas que têm um ritmo tão diferente do meu. Quantas pessoas, em pequenas cidades no interior deste Brasil, conduzem suas vidas neste ritmo?, me perguntei. Sem medo, sem pressa, sem estresse.

Tenho certeza que me entediaria neste ritmo, mas que há beleza neste ritmo pacato, isto com certeza há.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Procura-se estagiário

"Estou me proponho á entrevista...
é só marcar...Por gentileza poderia adiantar-me o valor da bolsa que vocês oferem??
 
Espero retorno...
Tenha um excelente trabalho.
 
Atenciosamente!"


Um post mais leve para terminar a semana, afinal hoje é sexta-feira. O trecho acima foi reproduzido de um email enviado por um(a) candidato(a) a uma vaga de estágio no escritório. Trata-se de uma resposta a um singelo email que indagava sobre o interesse do candidato na vaga e solicitava o envio de um currículo.

Leia o trecho e não há dúvida de que o destino da mensagem foi a lixeira. Em poucas linhas, o candidato - e não vou declinar o sexo - cometeu alguns deslizes indicativos de que não serviria para a vaga. 

1. Erros de português - quem quer ser advogado tem que saber escrever. Não é sem razão que os índices de reprovação nos exames da OAB são tão elevados. Além dos erros de concordância, há fragmentos de frases, falta de pontuação etc. Em poucas linhas o candidato demonstrou sua principal fraqueza: não sabe escrever, e quem não sabe escrever, não sabe se expressar. 

2. Formalismo - a busca por um estágio deve revelar uma postura adequada por parte do candidato, uma atitude diante do desafio que se abraça. O candidato não está mandando um torpedo para um amigo convidando para a balada, mas está entregando um cartão de visita, está fazendo uma apresentação e a mensagem eletrônica (ou o contato por telefone) são um reflexo de postura e atitude. A área jurídica exige do profissional um certo formalismo, um rigor no tratamento. Você não pode chamar um juiz de "cara" ou "brother" ou "mermão"! Assim, a estrutura da mensagem devia ser mais bem cuidada, sucinta e formal, sem floreios ou expressões em latim. Curta e objetiva, sem deslizes.

3. A bolsa - ninguém fica rico fazendo estágio! A pergunta sobre o valor da bolsa é legítima e justa, mas deixa transparecer que o candidato está à procura de um "emprego" e não de um estágio. Se alguém lhe oferecer um salário maior, o estagiário vai embora, mesmo que só tenha que protocolar petições em 4 fóruns diferentes todos os dias! A pergunta revela novamente a postura e a forma como o estagiário vai encarar suas funções.

4. Falta de respeito- diferentemente deste candidato, outra falha comum em processos de seleção é a falta de respeito dos candidatos. Vou exemplificar. No último processo de seleção que realizamos, tínhamos 5 entrevistas marcadas e confirmadas. Em todos os contatos foi solicitado ao candidato que se houvesse algum problema ou se tivesse que desmarcar, tivesse a gentileza de nos informar. Três candidatos simplesmente não derma sinal de vida. Não sei se morreram, se abandonaram o direito, se a balada da noite anterior foi muita longa, ou se ficaram com preguiça. O fato é que deram "cano"! Começar assim a vida profissional não é lá o melhor dos rumos. 

Peguei pesado? Talvez, mas quem sabe estas sucintas dicas ajudem aqueles que procuram um estágio e poupem os entrevistadores de mais dissabores. 

Bom final de semana a todos!

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

A Rede Social




A Rede Social (The Social Network, EUA, 2010) é um daqueles filmes que se assiste por causa das boas críticas ou porque você é um usuário do facebook e ficou curioso sobre a estória. É considerado um dos sérios favoritos ao Oscar deste ano, mas se você assistiu o filme, pode-se perguntar: o que este filme tem de tão especial?

Saí do cinema com a sensação de ter visto um "filminho", algo nada de especial. Minha vontade era escrever um post sobre o filme logo no dia em que o vi, porém não queria estragar a estória e resolvi rever minha primeira impressão. Fui ler as críticas e conversei com algumas pessoas que entendem de cinema. Todos foram unânimes ao elogiar o filme. Isto me fez pensar: o que não estou vendo neste enredo?

O que mais me marcou de inicio foram a primeira e a última cena do filme.

Num bar em Boston, Marc Zuckerberg (Jesse Eisenberg) conversa com a namorada Erica Albright (Rooney Mara). Ele é aluno de Harvard; ela é aluna de Boston University. Uma conversa em ritmo alucinante, um verdadeiro bombardeio por parte de Zuckerberg acaba por levar Erica a ir embora e terminar o namoro. Nota-se o egocentrismo de Zuckerberg, a sua arrogância, o sentimento de poder infinito, um semi-deus que despreza sentimentos e revela-se antissocial. Ao levar o famoso fora da namorada, ele se revolta e vai à vingança. Daí surge um site que evolui para a ideia do facebook.

Uma pequena divagação. Boston é uma cidade de elite, com várias universidades de primeira linha, tais como Harvard, MIT, Boston University e Boston College. A rivalidade é grande e os alunos de Harvard consideram-se superiores. Apesar do lindo campus e da qualidade do ensino, o ambiente é de competitividade extremada, uma verdadeira selva onde proliferam sujeitos arrogantes e individualistas, dispostos a qualquer coisa para superar o concorrente. Zuckerberg é o típico aluno, onde a ética vem em segundo plano.

Esta cena dá o tom do filme. Zuckerberg vai atrás do seu grande projeto e não percebe a oportunidade que perdeu ao dispensar Erica. Revisitei a cena e o enredo do filme. Ao longo de seu caminho, o gênio Zuckerberg tenta passar a perna nos irmãos Winklevoss e Divya Narendra, além de seu melhor amigo, o brasileiro Eduardo Saverin.

Os diálogos revelam a frieza e a indiferença de Zuckerberg, isolado numa torre de marfim. A ironia está exatamente no fato de que Zuckerberg criou a maior rede social do mundo sendo totalmente avesso e inadequado ao convívio social. Seu egocentrismo e egoísmo o impedem de perceber que o mundo não orbita ao seu redor, que o ser humano é um animal social. 

Na cena final, Zuckerberg adiciona Erica Albright como amiga no facebook. Encarando a tela do computador fixamente vai clicando "f5" para atualizar a tela na esperança de que Erica tenha aceito seu pedido. A cena pode parecer banal, mas tem a poesia dos tempos modernos, da interação via internet e dos sentimentos que afloram num sujeito aparentemente indiferente à realidade que o circunda. 

Vou ver o filme novamente, com um novo olhar. O filme não trata da criação do facebook, mas de relações humanas e do que realmente vale a pena.