domingo, 26 de junho de 2011

Epígrafe - X

"Depois avistei o horizonte, fechei os olhos e deixei que o vento me abraçasse."

(Miguel Sanches Neto. Então você quer ser escritor? Rio de Janeiro : Record, 2011, p. 61)

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Viagens e viagens

Centennial Olympic Park, Atlanta, EUA



Destinos de viagem são tema recorrente quando os meses de férias se aproximam. Numa conversa entre amigos, um deles afirmou com segurança que não existia viagem ruim ou destino ruim, pois a viagem por si só já é um evento inesquecível. Alguns discordaram, torceram o nariz, acharam o sujeito otimista demais.

Seguiu-se uma saraivada de locais inóspitos, bregas, pouco charmosos e pouco atraentes, verdadeiros “micos” ou “programas de índio”. Aquele local de praia onde só tem farofeiro; aquela região da serra onde as pousadas são improvisadas e a estrutura é precária e sem água quente; aquele passeio de barco para pescar onde os pernilongos e mutucas te devoram vivo; aquela cidadezinha remota que exige você andar 100km numa estrada de terra esburacada; o passeio de escuna em que todos enjoaram e foram privados de contemplar o mar azul…e assim os exemplos se sucediam e pareciam infinitos.

Ele não se alterou com os argumentos do povo ouriçado. Manteve-se calmo e frio. Ouviu todos pacientemente e pediu alguns esclarecimentos. Todos – sem exceção – tinham um evento de viagem curioso para contar, alguma anedota, algum caso surpreedente. E invariavelmente, todos riam e gargalhavam.

Então, ele arrematou: “Estão vendo? Toda viagem é boa. Pode ter sido desagradável ou com problemas, mas serviu para que agora déssemos boas risadas. O que seria de uma viagem perfeita sem imprevistos? Não teria a menor graça.”

De fato, refletindo sobre esta sábia ponderação, cheguei à conclusão de que toda viagem é boa. Viajar traz uma carga enorme de novas informações para o cérebro que se vê estimulado diante de algo novo. Sinto-me como uma criança que abre os olhos maravilhada diante de alguma nova descoberta, algum brinquedo presenteado, algum objeto recém construído. Toda viagem traz consigo uma infinidade de novas experiências, que podem ser boas – ou não -, mas cuja avaliação é subjetiva. Se o sujeito abraça a jornada com o espírito aberto, o tempo longe de casa será renovador; se o indivíduo inicia a viagem emburrado e reclamando, pode ter certeza de que nem o melhor hotel do mundo lhe agradará.

A boa viagem é aquela que nos traz de volta ao lar com a bagagem lotada de novidades e de descobertas.


domingo, 19 de junho de 2011

Duas sugestões de coletâneas de contos

Contos são um breve momento narrativo, mas que se prolongam no tempo quando o autor aborda uma temática complexa. Sempre tenho em minha cabeceira contos para leitura, quer quando resolvo dar uma pausa no romance mais longo, ou quando me falta tempo para iniciar um novo livro. Com sucessivas viagens, o tempo foi generoso e permitiu que terminasse Apego, de Isabela Fonseca. Na sequência quero ler algo de Inês Pedrosa, escritora portuguesa que não conheço, ou talvez Gracias por el fuego, de Mario Benedetti que repousa calmamente na minha estante.

Mas voltemos às minhas sugestões de livros, principalmente porque estamos à véspera de um feriado mais longo e às voltas com as férias de julho.

1. Então você quer ser escritor?, de Miguel Sanches Neto (Rio de Janeiro : Record, 2011).


O mais recente livro do escritor paranaense traz contos onde aborda os principais temas que afligem o homem contemporâneo. Seu estilo é peculiar, dinâmico, numa narrativa magnética e surpreendente. Nos  diálogos despreza o travessão, dando fluidez à narrativa, confundindo o leitor por certas vezes, mas atraindo a sua atenção plena para as palavras que se sucedem. O recurso de transpor as regras de pontuação pode aparentar um narrador apressado, que conta sua estória sem pausas, afobadamente, algo muito próximo da rotina atabalhoada e de ritmo alucinante que integra o cotidiano atual.

Em "Animal nojento", o título só se justifica no último parágrafo, quando o leitor tem a certeza inquietante de o pior acontecerá na página seguinte. O amor inatingível, a inadequação às constantes mudanças sociais e de costumes dão o pano de fundo para "Na minha idade". E assim, Miguel Sanches Neto vai apresentando ao leitor personagens com quais sempre há algo com que se identificar. 




2. Narrativas do Espólio, de Franz Kafka (trad. Modesto Carone, São Paulo : Cia. das Letras, 2002).


Demorei para enfrentar Kafka, até que recentemente apresentaram-me ao grande escritor tcheco. Narrativas do Espólio é uma sequência de textos publicados post-mortem. O escritor morreu com apenas 41 anos e ordenou a seu amigo, Max Brod, que queimasse os manuscritos. O escritor não foi atendido e quem saiu ganhando foram os leitores do mundo todo.


O estilo de Kafka é seco e seus textos são difíceis. Muitas vezes requerem uma nova leitura para a uma melhor compreensão. Não digo plena compreensão, pois talvez esta seja inatingível. Um exercício mental que combina com os dias frios de inverno, onde o recolhimento casa-se perfeitamente com a boa literatura.


Por fim, relembro Antonio Tabucchi e seu O tempo envelhece depressa, já recomendado e do qual gostei muito, que estará presente em Parati na Flip como convidado.

sábado, 18 de junho de 2011

Dilma e suas confusas opiniões

Após 5 meses de governo Dilma, a presidente que não fala muito e que deixou de expor com clareza suas posições e opiniões durante a campanha, resolveu que muda de opinião rapidamente. Ou talvez tenha mentido durante a campanha?

Durante a campanha eleitoral, por exemplo, Dilma disse que era contra o aborto, contradizendo declarações anteriores pessoais e históricas do PT.

Quando se falou de privatizações, Dilma disse ser contra. Agora, resolveu que para consertar os aeroportos será necessário privatizar alguns deles. Houve mudança de posição ou Dilma simplesmente fugiu à verdade como parte da estratégia para se eleger?

As mudanças não se resumem a estes dois temas, que sempre foram relevantes no programa do PT. Privatização é algo demonizado pelo partido. O tema mais recente tem a ver com o sigilo de documentos do governo e sua divulgação. Outro tema sobre o qual o PT foi historicamente favorável a que o sigilo de documentos fosse limitado. 

A discussão do projeto de Lei de Acesso à Informação Pública mostrou que Dilma sucumbiu à posição defendida pelos Senadores Collor e José Sarney. Collor defende o sigilo eterno de determinados documentos, como se lê em reportagem de O Globo. Temas como a compra do Acre e a Guerra do Paraguai permaneceriam eternamente sepultados. E Collor é contra a divulgação de documentos pela internet. A postura é retrógrada, ingênua, autoritária e uma afronta ao bom senso. O que há a temer com relação ao episódio do Acre? Alguma verdade histórica vai deixar Evo Morales nervoso? Vai decidir por roubar mais algumas refinarias da Petrobrás? E quanto ao Paraguai, o que há a esconder? 

Dilma mudou de posição em mais este tema. Mais um tema que sempre foi uma bandeira histórica do PT, na tentativa de restaurar a "verdade" sobre a ditadura e tentar derrubar a lei de anistia. Sigilo eterno de documentos é algo concebível apenas em regimes ditatoriais, como o cubano, mas inaceitável no Brasil democrático. 

Aos poucos Dilma vai concretizando aquilo que temíamos: ela não tem opinião própria sobre temas relevantes! Ela é suscetível e vulnerável aos interesses políticos e ficamos reféns de uma fraude eleitoral, ou seja, o povo votou em alguém que aparentava ser algo que nunca foi. E nunca será.

terça-feira, 14 de junho de 2011

Álvaro de Campos no aniversário de Pessoa

No dia 13 de junho de 1888, nasceu em Lisboa o grande poeta português Fernando Pessoa. Com ele, nasceram seus heterônimos e o mundo ganhou um poeta ímpar. Ontem, fez 123 anos que o poeta veio ao mundo. E para relembrar, um poema sem título de um de seus heterônimos, Álvaro de Campos.

No lugar dos palácios desertos e em ruínas
À beira do mar,
Leiamos, sorrindo, os segredos das sinas
De quem sabe amar.


Qualquer que ele seja, o destino daqueles
Que o amor levou
Para a sombra, ou na luz se fez a sombra deles,
Qualquer que fosse o voo


Por certo eles foram mais reais e felizes.

(Poemas de Álvaro de Campos. Org. Cleonice Berardinelli. Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 1999, p. 362)

É melhor viver com a saudade do amor do que nunca ter amado. Se o amor se foi, resta-nos a sua lembrança; antes ter esta lembrança, do que nem isto poder rememorar.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Crônica: Ramalhete







Flores e mãos, Pablo Picasso




RAMALHETE


Ele nunca compreendeu a relação intensa que as mulheres têm com as flores. Qual era a graça, afinal, de receber sempre rosas – e geralmente vermelhas – que depois de alguns dias murchavam e perdiam suas aveludadas pétalas? Por que dar flores era um caminho certeiro no cortejo de qualquer donzela, mesmo sendo príncipe nada encantado?

Um belo dia, cético como ele só, ouviu a mãe conversar com a irmã e lembrar como era bom visitar a casa da vovó com aquele quintal espaçoso, como ela gostava de cuidar das roseiras no jardim, flores delicadas, com seus espinhos pontiagudos, mas seres sensíveis e belos, como as mulheres. Ouvidos atentos, talvez ali houvesse uma pista para decifrar o mistério. Mas, Pedro não se deixava seduzir pelas rosas.

Partiu numa aventura silenciosa para explorar – e comparar – estes objeto de encanto.

A primeira amiga a ser presenteada num aniversário recebeu um belo ramalhete de flores de campo, escolhidas por ele para compor um espetáculo múltiplo de cores, tamanhos e formatos. Sentiu-se meio artista e ficou feliz com o resultado. “Múltipla e complexa disfarçada por detrás de uma aparente simplicidade. Tua beleza encanta, mas é no detalhe que cativas os amigos!”, escreveu no pequeno cartão.

A reação foi tão expansiva que tomou coragem para repetir o feito. Uma outra amiga que se dizia ser uma pessoa diurna, sem desprezar a lua e seu espetáculo noturno, trazia-lhe um novo desafio. Flores amarelas, pensou. Logo veio-lhe a mente um campo de girassóis no sul da França tão bem retratadas na tela por Vincent Van Gogh. Girassóis!, exclamou. Eis uma flor da qual gostava. Aquele mar de pétalas amarelas contrastando com o verde vivo do verão francês marcou-lhe como uma apresentação de gala da natureza com um pouco de ajuda do homem. Ficara maravilhado.

Um girassol rodeado por flores amarelas – que não sabia o nome –, mas que o florista habilmente ajeitou num belo arranjo. Ela vai adorar, pensou ele todo satisfeito com sua sagaz interpretação da personalidade feminina. “Vibrante como o sol/intensa como o dia/ alegre como uma tarde de verão/amiga presente como o raiar do dia. Um pequeno versinho é pouco para descrever a tua força e importância para os que têm a sorte de desfrutar da tua luz!”

A amiga irrompeu em lágrimas e ficou eternamente grata a Pedro.

Foi na terceira investida pela seara poética e florística que seu maior desafio se apresentou. Pedro estava muito interessado na moça que aniversariava. Passou por algumas floriculturas em busca de algo novo, de alguma ideia que o despertasse e que fosse um tiro certeiro no alvo: queria balançar o coração dela.

Enfim, depois de um mês de preparativos, dúvidas e conjecturas, optou por tulipas cor-de-rosa. “Sofisticadas e discretas, estas flores destacam-se na natureza por serem únicas. Cor intensa, como sua força interior que abraça a vida com coragem. Irretocáveis, como seu senso estético, porém, menos belas que você! Não precisas de espinhos, para ti, basta o sorriso.”

Cartão escrito e lá foi ele, um pouco nervoso e envergonhado, o estômago com aquele incômodo típico. Gaguejou quando ela abriu a porta e se deparou com aquele sorriso e olhar cintilante. Ela era realmente única.

Dois anos mais tarde, os dois juntos e ele lhe deu tulipas vermelhas para lembrar do seu rosto ruborizado. O cartão foi curto: “Fico vermelho por fora quando me elogias; fico vermelho por dentro quando sorris!” Deu-se conta de que estas facetas que ia descobrindo em cada ramalhete eram traços de uma única mulher, ou melhor, de uma mulher única! Só um olhar atento e penetrante para pinçar um pedaço do universo feminino.

domingo, 5 de junho de 2011

A novela Palocci

A falta de tempo tem transformado minha indignação com a condução política do nosso país - e cidade - em pequenos gritos via twitter ao invés de posts mais longos neste blog. Tentei também ser mais focado e menos disperso nos textos aqui publicados. Mas o caso Palocci exige que faça alguns comentários.

Quando foi prefeito de Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, Palocci foi envolvido num esquema de superfaturamento de obras juntamente com Rogério Buratti, seu ex-amigo que frequentava a casa em Brasília cujo caseiro era Francenildo, o homem que teve seu sigilo bancário quebrado, após denunciar o que rolava na tal "Casa Amarela" de Brasília.

O tempo passa, Palocci virou um super consultor e agora volta a ser alvo dos holofotes. Tentou esclarecer a confusão numa entrevista na sexta-feira. Risível a entrevista. Falou o óbvio, mas deixou de falar o que deveria ter falado.

Entreviste qualquer grande empresário - ou pequeno empresário - e pergunte-lhe sobre seu faturamento, sobre números e planejamento. Se estiver indo bem, falará de boca cheia que o faturametno cresceu tantos por cento (pode não revelar números, mas falará em porcentuais) e que as perspectivas para o setor são muito boas. Palocci recusou-se a falar em números.

Qualquer estudante de direito sabe que um dos elementos exigidos para a validade de um contrato é que o objeto seja lícito. Palocci não seria ingênuo de colocar no contrato de consultoria que seu objeto era tráfico de influências ou efetuar gestões junto a órgãos públicos visando a obtenção de benefícios. Qualquer pessoa com meio cerébro não faria um contrato assim, o que leva à conclusão de que é óbvio que os contratos têm objeto lícito. O papel aceita tudo. A questão é saber se a roupagem legal para os pagamentos condizem com que o foi efetivamente realizado!

E mais, deputado federal não poderia ter atividade paralela! É inadmissível que deputados possam (a lei permite) atuar na iniciativa privada durante o mandato. A lei permite que nós - os contribuintes - financiemos a atividade privada de deputados que cada dia mais se revelam como representantes de interesses pessoais e não de interesses dos eleitores.

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Crônica: Senhor do Tempo



SENHOR DO TEMPO


Tudo começou quando avistou um fragmento de arco-íris no meio das nuvens, que mais lembravam gomos de algodão a salpicar o céu do nordeste brasileiro. Pela janela do avião, vislumbrou fiapos de um rios a cortar o mangue antes de desaguar na vastidão do oceano, como veias a irrigar uma mão, como dedos a rasgar a areia e que desenhavam sulcos do tempo.

O avião iniciava a descida para Salvador, era domingo de Páscoa, e Oscar passaria mais um domingo longe de casa, preparando-se para uma semana de reuniões na fábrica da empresa multinacional em que trabalhava. Projetos de expansão, orçamentos, apresentações, almoços com o seu chefe que chegaria dos Estados Unidos na segunda-feira, uma audiência com o governador para anunciar os novos investimentos e toda a bajulação típica destes eventos. A graça e o glamour haviam cedido espaço para a rotina entediante e amarga, para atuar como um ser robotizado e despido de emoções, um escravo moderno.

Oscar desembarcou e um motorista o aguardava com uma plaqueta na área externa do desembarque, auxiliando-o com a mala. Fez apenas duas perguntas ao motorista, cordiais e formais, e manteve-se calado no trajeto até o Rio Vermelho. O sol brilhava timidamente entre as nuvens, mas o mar refletia a luminosidade do início da tarde. Observava atentamente a paisagem, como se fosse uma despedida, como se olhasse os arredores pela última vez. Faltava algo.

Deixou as malas no quarto, desceu para o deck da piscina com vista para a Baía de Todos os Santos.  Sentou-se numa mesa na sombra e pediu uma salada, pois dispensara o sanduíche do avião durante o voo e sentia a ausência do almoço.

As ondas debatiam-se contra as rochas, incansáveis, constantes. Não se repetiam e a cada encontro com o paredão rochoso, desfaziam-se em espuma farta e branca, por vezes sobre as pedras, por vezes em altos jatos que lembravam a erupção de um vulcão. Oscar retornaria ao mesmo lugar e as ondas continuariam a se chocar com as rochas, fornecendo um espetáculo gratuito e sempre inédito. As ondas não se cansavam jamais e agiam de forma atemporal.

- Quero ser senhor do meu tempo! – exclamou em voz alta.

A decisão estava tomada. Comunicaria ao chefe que deixaria o cargo em trinta dias. Havia perdido muito tempo. Não vira as filhas crescerem. Agora, não abriria mão de ver – e conviver – com os netos, quando viessem. E mesmo que não viessem, queria ser senhor do seu tempo. Queria poder ficar horas a contemplar as ondas sem se preocupar com apresentações e horários; queria poder almoçar sem olhar no relógio; queria poder surpreender as filhas e ir ao cinema numa sessão das 17 horas numa sexta-feira, ou mais ousado, numa quarta-feira!

Oscar queria viver e, ao menos, dar direção ao uso que faria do tempo, enquanto Deus lhe desse tempo. Sabia que havia desperdiçado muito tempo. Não vira as filhas crescerem, mas ainda resgataria a juventude delas sendo mais presente. Assumiria seu tempo com fervor e passaria a ser o timoneiro do barco, não mais um mero passageiro.