Apesar do calor de fevereiro, Lico abotoara o paletó ao entrar no elevador e não dava a menor indicação de estava numa cidade com uma temperatura escaldante. Ele parecia saído de uma geladeira, todo arrumado, todo pomposo, todo formal. Não havia um fio de cabelo fora do lugar e disfarçava muito bem um certo temor que estranhamente lhe afligia antes que aquela porta se abrisse.
Mariela abriu a porta e saudou-o com profissionalismo. Era uma moça bonita, de pele morena dourada pelo sol, cabelos longos num tom castanho claro, quase loiros, olhos vivos que traziam consigo o brilho da juventude, uma jovialidade espontânea que fulminara Lico. Ele tropeçou nas palavras ao se apresentar, perdera um pouco da compustura, algo raríssimo, ainda mais diante de uma pessoa que ele julgava inferior intelectualmente.
Conversaram por quase uma hora. Mariela fez questão de dispensá-lo quando percebeu que o assunto principal já havia sido discutido e ao notar que Lico parecia incomodado diante dela. Ele estava incomodado. E muito. Subitamente, Lico se viu instigado por aquela mulher. O encontro havia catalisado em seu interior sentimentos adormecidos, ideias enterradas, uma juventude perdida, um tempo que passou e que pensava irremediavelmente enterrado. Algo borbulhava dentro dele como um vulcão prestes a erupcionar, suas ideias pareciam reviradas do avesso, seus conceitos haviam sido postos em xeque com apenas um olhar, algumas palavras e um sorriso.
Lico ignorou o calor e resolveu caminhar de volta para o hotel. Tirou o paletó e carregou-o dobrado no braço, alheio aos riscos das ruas cariocas, algo inusitado para aquele homem. Ele estava em transe, arrebatado por uma visão de vida para a qual ele estava cegado. Mariela havia, sem perceber, causado um terremoto na vida de Lico, fazendo desmoronar uma muralha que o distanciava da realidade e dos anos que se passavam sem que ele vivesse. Bastara uma hora de conversa com a carismática moça para Lico perceber que a palpitação que sentira no coração não era o início de um problema cardíaco, mas seiva da vida a pulsar dentro dele. Era uma epifania!
A Parte 1 pode ser lida aqui.
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