segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Crônica: O Presente



O PRESENTE

Um dia nasce igual ao outro. O despertador toca com alguma música aleatória. Uma longa espreguiçada e ele salta da cama, calado. O dia começa com a rotina ensaiada, realizada de forma mecânica, enquanto os pensamentos buscam o foco e organizam o que mais um dia tem reservado. Por vezes, surpresas. Outras vezes, apenas eventos corriqueiros e banais, daqueles que serão esquecidos rapidamente, descartados em algum local ermo do cérebro.



Eventos se sucedem. Telefonemas, emails que lotam a caixa postal, documentos impressos, contas a serem pagas. Checa a pasta com os documentos para a reunião e vai rumo ao aeroporto. Ele sempre preferiu viajar perto do horário do almoço quando o trânsito é menos pesado e a afluência de viajantes em Congonhas menor.


Estranhamente ele estava calmo e seguro de si, tomado de uma confiança que não conhecia anteriormente. Talvez estivesse cegado pelo sentimento que turvava a alma e distorcia a realidade, permitindo que ele somente enxergasse os fatos como seu coração ditava.


Tinha o costume, construído com fatos do passado, de sempre antecipar o pior cenário. Sempre pensava que o mundo conspirava contra ele e que tudo daria errado. E se ela estivesse doente? E se surgisse um imprevisto no trabalho e não pudesse comparecer ao encontro? E se eles se desencontrassem? E se o aeroporto fechasse? E se acabasse a bateria do celular? A sucessão mental de possibilidades, desta vez, não o assombraram e isto era estranho. Estranhamente bom.


Depois de pegar um táxi e rumar ao hotel em Copacabana, sentiu-se no anonimato total. Toda vez que viajava para um lugar que visitava com menor frequência tinha este sentimento. Ninguém o conhecia por ali. Andaria pelas ruas incógnito. Alguns de avião e estava em outro mundo, com outro sotaque, outro estilo de vida. Tão perto de São Paulo, mas ao mesmo tempo tão distante. O bairrismo de outrora, ele já havia sepultado.


Tentou se concentrar na reunião, porém foi em vão. Olhava o celular a toda hora ansioso para que o tempo passasse rápido.


Escolheu uma mesa no centro do salão do café que estava quase lotado com pessoas que deixavam seus locais de trabalho e aproveitavam a agradável tarde de início de primavera na cidade maravilhosa. Luis olhou o relógio novamente e quando seus olhos dirigiram-se para a porta, ela estava lá.


Somente quando ela desceu do táxi, ao final do encontro, ele saiu do transe. Somente então percebeu que três horas voaram. A gorjeta do motorista foi gorda. Ele estava hipnotizado. Tudo dera certo, como ele imaginava.


Sentou-se no bar do hotel, que ficava na cobertura para aproveitar a noite quente, e repetiu cada detalhe das cenas. Desde o timbre de voz, do sorriso, da forma como ela brincava com os anéis nos dedos, até o jeito como arrumava o cabelo. Havia recebido naquele dia um grande presente que não sabia mensurar ou compreender. Era um dia que não iria se repetir. Era um dia único. Pegou o celular e digitou alguma mensagem para ela. Tomado pelo êxtase, ele havia esquecido de dizer como ela estava linda. Corrigiu a omissão com o recado pelo celular. Nunca é tarde demais para corrigir uma omissão e dividir momentos especiais.

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