segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Poesia: TORRE DA MATRIZ


Matriz de Sant'Anna, Lavras, MG
Foto: Túllio Pádua, extraída de panoramio.com



TORRE DA MATRIZ



No canto da praça,
Na ladeira que sobe suave a colina
Do alto da matriz
Vejo o passar do tempo
O passar de vidas.

Avisto os morros verdejantes ao longe
Inabitados.
Avisto as pessoas em passos lentos.
Avisto crianças na sua balbúrdia.
Ingênuas
E paciente, observo.
Silenciosa, presencio.

Alva no alto dia a refletir o sol
Tingida pela sombra com o cair da tarde
Coberta pelo orvalho na alvorada
Simples
Despercebida
Permaneço.

Deixo o tempo se alargar.
Testemunho a passagem do tempo
A vida elástica
A história plástica
Sólida, apenas observo.

(RLBF - 24 novembro 2011)

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Orvalho matinal


Pouco antes das nove da manhã, havia passado por Atibaia e aproximava-me de Extrema, bem no sul de Minas Gerais, logo depois da divisa com São Paulo. A Fernão Dias serpenteava por entre morros verdes e o sol nascia preguiçosamente.

Viajar sozinho dá um senso de liberdade e convida ao diálogo interior. Cada vez mais me convenço que o Caminho de Santiago é na verdade um período de reflexão pessoal em que o indivíduo é presenteado com desafios, dor, frio, calor, cansaço. Todas estas mazelas humanas nos aproximam do divino, obrigam-nos a reconhecer nossa fraqueza e do auxílio de uma força superior para superá-las.

Costumeiramente viajo sozinho e invariavelmente converso sozinho em voz alta com interlocutors imaginários. Fazem-me companhia. Os “diálogos” me ocupam e são um exercício de reflexão; em alguns casos de recordação onde o pensamento voa para locais reais, mas distantes.

Mas voltemos ao caminho pelo sul de Minas com trilha sonora de Maria Gadú, que combinou perfeitamente neste início de viagem.

Entre subidas e descidas na parte serrana da estrada, avistavam-se laterais de morros com o fino orvalho a tingir o verde da vegetação e a refletir os raios solares matinais. Tudo estático, tudo gratuito, tudo pronto para ser observado. Um simples presente da natureza para quem quisesse observar e desfrutar daquela paisagem.

Notei então um homem, de chapéu de palha, a conduzir uma charrete. Pastagens, pequenas casas esparsas aqui e acolá, plantações, gado. Um mundo perfeitamente rural. Lembrei-me de Guimarães Rosa, que com sua genialidade conseguiu captar a alma do homem simples, uma escrita tão própria e adequada àquele cenário. Confesso minhas limitações em conseguir compreender o escritor – já tentei por diversas vezes -, mas o que ali se descortinava me remeteu ao Burrinho Pedrês, a Manuelzão e Miguilim e tantos outros.


Cidades como Nepomuceno, Natércia, Borda da Mata, Lambari, Carmo de Minas poderiam existir em outro lugar que não fosse Minas? Acredito que a resposta é negativa. Nepomuceno é um nome que parece materializar todo o universo de Guimarães Rosa.

Drummond, na sua fase inicial, capta também a simplicidade da vida em Itabira. Simplicidade não deve ser entedida como algo negativo, como o sujeito que é despido de qualidade e cuja rotina deixa de ser interessante. Simplicidade é qualidade daqueles que sabem valorizar o que é importante e se importam com o que vale a pena. Pessoas que não se distraem com o supérfluo, mas sabem da importância da palavra amiga, de um gesto de amizade, do valor do trabalho dedicado e bem feito – ainda que custe. Simplicidade se manifesta em personagens transparentes, cuja alma é transparente e refletem a luz divina.

Aquele cenário revelou-se como um portal de saída do mundo urbano e cosmopolita de São Paulo, para o mundo rural e de grande riqueza humana do interior. A mudança de paisagem é fácil de ser notada e talvez isto tenha contribuído para despertar minha reflexão.  Nem notei quando a música parou; estava tão imerso no diálogo com meus pensamentos que a viagem seguiu leve e prazerosa.


sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Manual de Sobrevivência de Ministros



Ultimamente, ministro no governo dura pouco. É um escândalo atrás do outro. A herança vem do governo Lula com o mensalão que vitimou José Dirceu e alguns assessores. No governo Dilma, em 11 meses, a alta rotatividade no ministério é a regra geral. Palocci, Pedro Novais (Turismo), Alfredo Nascimento (Transportes), Wagner Rossi (Agricultura), Nelson Jobim (Defesa) e Orlando Silva (Esportes) deixaram o governo. Todos sob suspeita. Todos usaram o mesmo script, seguiram os mesmos passos. Todos saíram ricos do governo.

O próximo deverá ser Carlos Lupi. A fila anda e depois, outros virão.

Para ajudar aqueles “novatos” ou menos experientes no ministério, como Ana Hollanda, resolvi elaborar um breve guia, um pequeno manual de comportamento para ministros em crise.

Etapa 1. Finja de morto - tente fazer com que o assunto seja esquecido, evite discursos e coletivas de imprensa. Qualquer declaração inicial deve ser lacônica e negando os fatos. Tire férias ou licença, invente uma doença, suma dos holofotes. Muitas vezes o tema cai no esquecimento público e o ministro estará salvo. Se não funcionar, passe à etapa seguinte.

Etapa 2. Declare sua indignação – reitere e repita a negativa dos fatos, do envolvimento, de conhecimento das pessoas envolvidas. Use afirmações como “isto é complô da imprensa”, “repilo veementemente as afirmações que querem denegrir minha imagem pública”, “querem atacar minha família”, “estou firme como uma rocha”, "são as forças reacionárias que tentam desestabilizar o governo", “só saio abatido a bala” e muitas outras que os ex-ministros nos brindaram. As frases de indignação devem revelar apoio do chefe do executivo, do partido e de que as pessoas próximas ao ministro estão sendo vitimadas inocentemente. O tom deve ser de exaltação, revelando indignação - ainda que tudo não passe de jogo de cena.

Etapa 3. Use o horário do partido na televisão e rádio – convoque os correligionários a defender a capitania hereditária que é o ministério, afinal, se cair o ministro, o partido pode perder o ministério e a teta gorda que alimenta muitas bocas de filiados ao partido. O importante é unir o partido em torno da fonte de renda que é o ministério. Louve o passado ilibado do partido na luta contra a ditadura, mesmo que seja mentira.

Etapa 4. Prepare a saída honrosa – Se nada disso funcionar e os fatos foram inquestionáveis e as contradições comprovadas, vide caso Carlos Lupi, então, prepare uma saída honrosa. Recorra ao lapso de memória, utilize toda sua habilidade de enrolar e inventar e tente criar uma versão crível do escândalo. A saída honrosa deve ser rápida para evitar que o assunto fique durante muito tempo nas páginas dos jornais e revistas.

Etapa 5. Demissão – confirmada a demissão, prepare uma carta de demissão e saía atirando e acusando os outros – imprensa e oposição. O discurso de despedida deve ser emocional, chore, agradeça aos amigos, faça-se de vítima e incorpore o papel. Tente ganhar um Oscar de interpretação, pois isto pode salvar sua carreira pública.

Etapa 6 – Deixe o tempo passar. O tempo será a redenção. Afinal, com o dinheiro arrecadado de ONGs e convênios, nada como tirar umas férias e gozar do fruto do “trabalho” no ministério. O brasileiro tem memória curta e logo será possível voltar à vida pública. O esquecimento o transformará em injustiçado e serão realizadas sessões de desagravo, como no caso do Delúbio Soares, ex-tesoureiro do PT, coitadinho. Ou como no caso de José Genoíno, um deputado tão honesto. Mais cedo ou mais tarde, eles sempre voltam.

Em tempo: O ministro Carlos Lupi está na Etapa 4, reparem só.


sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Palíndromo


Palíndromo adj. 1. Diz-se de palavra ou sintagma ou frase que se pode ler, sem alteração do sentido, da esquerda para a direita ou da direita para a esquerda: "Luz azul"; "a diva da vida" são sintagmas palíndromos. s.m. 2. Palavra ou sintagma ou frase que são palíndromos: "Radar" é um palíndromo.

(Dicionário Escolar da Língua Portuguesa. Academia Brasileira de Letras. 2a. ed. São Paulo : Cia. Editora Nacional, 2008p. 941)

O dia de hoje é um palíndromo e não poderia deixar de registrar. Passamos das onze horas, onze minutos e onze segundos do dia onze do mês onze do ano onze. Nada aconteceu. A vida segue.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Conto: Tempo Vazio



TEMPO VAZIO


Sinto-me vazio, raso, despido de profundidade, um fino tecido esticado sobre o varal que balouça ao sabor do vento, desenhando formas abstratas e geometricamente volumosas, que perdem todo o seu conteúdo quando o vento cessa. Vento que disfarça a vida oca com seus sopros que me ocupam o dia, incomoda-me com tarefas e mais tarefas. Entediado, entrego-me a elas para não reparar no tempo que corre, nos cabelos brancos que tingem minha cabeça, nas rugas da testa e nos cantos dos olhos. Não reparo nos dias que se apresentam enfileirados aguardando que lhes abra a porta.

O silêncio me esvazia, tornando-me quase insuportável. Não me olho no espelho. Recuso o confronto do olhar próprio, fujo de todo objeto que possa refletir e revelar o que carrego na alma. O vazio é a ausência de vida. Um marionete que age sem vontade e desconhece quem me guia e ordena meus movimentos, quem - se há alguém - ordena a sequência de fatos que se sucedem no meu dia cinza. 


Todos meus dias se tornaram cinzas, frios, gélidos para ser mais preciso. O sorriso alçou voo e me abandonou. A solidão se instalou na minha cama e convive comigo todos os dias da semana. Não tira férias e não tira folga. Para ela, todos os dias são dias úteis, todas as horas são momentos para me atormentar. Ninguém me escuta - ou tem a paciência para me escutar; ninguém é caridoso e me dirige um olhar. Deslizo por este mundo como um fantasma esquecido. Não tenho mais amigos, não tenho família. Sou um solitário no meio das gentes, no meio do egoísmo que assola aqueles que se acotovelam e dividem comigo o espaço no metrô todos os dias, todas as manhãs, todas as tardes. 

Não sorrio. Não falo. Apenas assisto ao tempo passar. 

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

São Paulo aérea


São Paulo é um mar de luzes que se descortina na noite plácida e fria da primavera. Pequenos pontos luminosos a reproduzir a galáxia de forma invertida. Não olho para cima, mas para baixo é que a cidade iluminada relembra uma noite estrelada no interior, daquelas noites em que não lua a ofuscar o brilho das estrelas.

A cidade é bela e o mar de luzes estende-se até o olhar alcança. O céu é meu ponto de vista da janela do avião  rumo a Congonhas. O espigão da Paulista com suas torres coloridas; as avenidas com carros alinhados e algumas tingidas de vermelho. Luzes que formam uma colcha de retalhos que acompanham as curvas suaves do morro que sobe até a paulista e desce rumo ao Centro. 

Aos poucos, o emaranhado de luzes perde sua fantasia e a imagem distorcida entra no foco. Surgem edifícios perfeitamente identificáveis e o devaneio de final de viagem se esvai, trazendo-me de volta à realidade com o solavanco dos pneus da aeronave e o barulho intenso dos motores. Estou de volta à minha cidade.

NOTA: Infelizmente estava sem uma máquina fotográfica para captar a imagem, mas a luminosidade da cidade ontem me pareceu diferente e cativante. Estava bela a minha São Paulo.