sábado, 30 de março de 2013

Quem é o autor?


Em tempos de redações desastrosas no ENEM, reveladoras da péssima qualidade de nossa educação fundamental, de erros - ou como prefere o MEC "desvios" - ortográficos graves, textos sem lógica e com argumentos repetitivos, além de receita de miojo e hinos de clubes de futebol, resolvi tratar uma simples questão deixa num comentário de um post deste blog de forma mais demorada.

Em 9 de junho de 2007, publiquei uma poesia que identificava ao final que era de minha autoria. Alma Iluminada é seu título. Outro dia veio o comentário e a pergunta: "Linda poesia, quem é o autor????" O comentário foi deixado de forma anônima. Respondi num comentário seguinte acusando-me como o autor daquele texto. 

Inicialmente, pensei que a pergunta comportava uma resposta óbvia: os textos deste blog são meus, do autor do blog, salvo quando há indicação clara e direta do autor do texto. E há muitas poesias, trechos de livros e textos diversos cujos autores são nominados e indicados. Quase todos os textos publicados de outros autors são transcritos por mim e oriundos de livros, sempre citando a fonte e cujos originais disponho. Desconfio de algumas fontes na internet e sou zeloso em dar crédito aos devidos autores. 

Superando a resposta que me parecia óbvia, sobreveio-me outra questão: será que as pessoas sabem procurar a fonte, o autor real e será que tem a visão crítica o suficiente para desconfiar de que um determinado texto não pertence a determinado autor? 

A resposta parece ser negativa. Por exemplo: se vou ao blog do Reinaldo Azevedo, sei que os textos serão dele, salvo quando indica outro autor - o que faz com frequência, pois transcreve muitos artigos de jornais. Se alguém visita este blog, deveria desconfiar que a maioria dos textos são de autoria do responsável pelo blog, aquele cara feio na fotinho do canto direito logo no início da página. 

Se a pessoa não consegue identificar o autor, não tem condições de criticar suas ideias, não tem bagagem intelectual para discutir, debater e argumentar. E por consequência, qualquer dissertação será superficial, rasteira, sem argumentação sólida, ou seja, as redações do ENEM são um reflexo do (des)preparo dos nossos jovens. Eis o problema que surge de uma simples e banal questão. 

Faço uma ressalva -  e não vou me alongar - sobre a má-fé de alguns que claramente copiam e plagiam textos inteiros ou somente trechos de textos. O plágio é a cópia ilegal que viola o direito do autor, que rouba uma ideia produzida sem dar o devido crédito. O plágio é uma praga e um indicativo da preguiça mental de muitos que preferem utilizar a cópia à botar o cérebro para funcionar! O famoso "recorta e cola" é um lamentável atalho que mantém o indivíduo na ignorância.

É importante ensinar os jovens - e adultos também - a procurar sempre a fonte original, a aprender a pesquisar consultando várias e diversas fontes, sempre dando o devido crédito ao autor. Perguntar quem é o autor não é uma falha; a falha está em não conseguir identificar o autor que está indicado de forma clara e transparente. O plágio deve ser sempre rechaçado e repelido! Progresso intelectual dá trabalho e este trabalho deve ser recompensado com o devido crédito.

Não há caminho fácil para escrever bem: é preciso ler e treinar a escrita. A recompensa do esforço vale a pena!

Boa Páscoa a todos!

terça-feira, 19 de março de 2013

O primeiro dia frio


Tenho uma grande simpatia por Lygia Fagundes Telles e Tatiana Salem Levy. São duas escritoras que me agradam em demasia. Na edição de sexta-feira, dia 15 de março, a primeira foi a convidada da coluna À Mesa com Valor, que teve o encontro relatado por José Castello, cujos textos são um convite a sentar-se à mesa com o convidado. Há uma proximidade do entrevistado, uma intimidade recheada de notas e frases que permitem ao leitor penetrar um pouco no processo criativo do escritor (quando entrevistado é um escritor). A coluna pode ser lida aqui.

Destaco dois trechos do que foi dito por Lygia Fagundes Telles: "É preciso enxergar mais do que as coisas nos mostram, ou não vemos nada." E mais adiante afirma que "está tudo inscrito na realidade. A um escritor, basta ler. Não sei por que gostam de atacar a realidade."

Em certo trecho, Lygia narra como surgiu o conto Helga, de Antes do Baile Verde. De uma notícia de jornal, de uma sugestão do marido, o caso narrado transmuda-se em conto de ficção. A realidade é contada pelo escritor com novas cores, mas sem deixar de ser real. A realidade é fonte de inspiração, é o ponto de partida de escritor, na visão de Lygia. 

Descobri Lygia lendo Conspiração de Nuvens (2007). A memória é um elemento muito presente em suas crônicas, servindo-lhe de matéria prima para analisar a realidade que procura enxergar de esguelha, com outro viés daqueles que a olham somente como plana. Encantei-me com o livro, com os textos e com esta grande escritora. Apaixonei-me pela forma como ela trata de um tema que me é tão caro: a memória. 

E minha alegria aumentou quando no final do caderno de final de semana do Valor deparei-me com um ensaio de Tatiana Salem Levy sobre um livro de Sándor Márai, De Verdade (Companhia das Letras, 2008), em que ela discute a existência de múltiplas verdades (leia aqui). Tatiana lança a pergunta: existe amor de verdade? existe mulher de verdade?

A discussão acerca da existência de uma única verdade ou de múltiplas verdades é muito familiar para um advogado. No direito penal, busca-se a verdade material, que deveria ser a real, ou seja, aquela que retrata o que efetivamente aconteceu a ponto de se poder condenar aquele que praticou o delito. No direito civil, prevalece a verdade formal, aquela que está presente nos autos, aquela pela qual o magistrado é convencido a acreditar com base nas versões e provas apresentadas.

Ressalvo que, do ponto de vista filosófico, discordo da afirmação de que existem múltiplas verdades no plano metafísico e do conhecimento, mas não vou me desviar do assunto principal que é a literatura.

Versões e pontos de vista é o que Márai traz para sua narrativa. Discordo de Tatiana de que há múltiplas verdades; há múltiplas versões da realidade, contadas pela ótica do observador e pelo critério do observador, geralmente tomados de parcialidade na sua análise. Mas Tatiana destaca que todos narram após os acontecimentos, ou seja, no passado, revivendo a memória do outro ou como o outro era visto no momento em que os fatos ocorreram. A memória pode ser traiçoeira, nebulosa!

A memória, com as experiências colhidas no passado, agrega ao conhecimento do momento presente, deixando-o mais claro e mais profundo, como se fossem camadas do solo que vão se sobrepondo. Um corte lateral permite conhecer o presente e o passado.

Após um verão quente, somos brindados com um dia frio em São Paulo, o primeira dia frio do ano. E todos saem agasalhados na rua, com cachecóis, casacos e botas. Parece um dia de inverno, mas temperatura é de agradáveis 19o C. Nosso corpo, acostumado com o calor, ainda traz a memória térmica dos dias de verão, e a temperatura amena, parece-nos mais fria do que realmente é do ponto de vista objetivo.

Eis que me deparo com uma segunda-feira fria, garoenta, úmida. Um aparente típico dia de invernopaulistano! Mas calma, meu querido amigo, não se precipite, ainda estamos no verão, nos estertores do verão, ainda na estação do astro rei. Hoje foi o primeiro dia de frio do ano. Comentei com minha filha que o que é cinza e melancólico para alguns, pode ser poético para outros, basta ler a realidade. O primeiro dia frio do ano parece convidar ao aconchego do lar, a saborear memórias, a enclausurar-se no silêncio interior, a degustar uma taça de vinho, a preparar uma sopa quentinha, a enrolar-se no cobertor... O primeiro dia frio do ano não precisa ser negro, nem o presságio de uma estação terrível e pouco tolerável. Prefiro o calor, mas cada estação tem suas qualidades, sua inspiração, sua cor. Basta ler a realidade, como nos ensina Lygia Fagundes Telles.

segunda-feira, 11 de março de 2013

Poesia: PALAVRAS ARISCAS



PALAVRAS ARISCAS


Palavras ariscas ciscam ao meu redor
Rodeiam-me
Provocam
Escapam-me.

Desobedientes
Irriquietas
Perturbam-me constantemente
E só me resta o vazio do nada dizer.

Flutuam como nuvens
Dão rasantes como aves de rapina
Cercam-me
Cutucam-me
E fogem faceiras e risonhas.

Despertam-me do sono
Atiçam-me
Tento cativá-las a se comportarem
A deitarem sobre o papel de forma ordeira
E elas insistem na desfaçatez da fuga
Do silêncio
Do absoluto silêncio.

Calo-me
E sucumbo.
A inspiração há de voltar
E as palavras hão de se comportar.

(c) RLBF