quinta-feira, 19 de junho de 2014

Feriados e a copa do mundo


O poste que governa São Paulo, Fernando Haddad,  tentou aprovar projeto para que a Câmara dos Vereadores aprovasse feriado na cidade de São Paulo no dia 23 de junho, dia em que haverá mais um jogo da seleção brasileira na Copa do Mundo. Na última terça-feira, a cidade travou com recorde de congestionamento.

A Justiça Federal suspendeu o expediente durante todo do dia 23. A Justiça Estadual funcionará até às 12 horas, mesmo horário de funcionamento dos bancos e da maioria do comércio.

Sou contra este número excessivo de dias de folga e da falta de vontade de muitos em trabalhar. A seleção não empolga, mas parece que o brasileiro tem que assistir ao bendito jogo no conforto de seu lar. Sou do contra, sou chato. Acho um absurdo e uma estupidez se engalfinhar no trânsito de forma desesperada para chegar ao lar.

Na última terça, enquanto muitos se estressavam no trânsito e no transporte público, eu trabalhei até depois das 13 horas, fui almoçar com um amigo, assisti ao primeiro tempo do jogo de pé na calçada num bar e fui para casa no intervalo. Trânsito livre. Sem transtornos, sem confusão e com a sensação de que não perdi meu tempo como um bando de cordeirinhos que "têm que assisitir o jogo da seleção" ou então morrerão fulminados pela polícia dos traidores da pátria. Pessoalmente, acho que trabalhar honestamente é muito mais patriótico do que gastar metade do meu dia idolatrando jogadores que ganham milhões e que estão jogando para faturar mais alguns milhões. 

Não me entendam mal, eu gosto de futebol, tenho assistido a quase todos os jogos da Copa, mas não compactuo com a vagabundagem e a falta de vontade das pessoas de trabalhar. Acho um absurdo, um descalabro a quantidade de dias que a Justiça Federal declara como ponto facultativo. Quem mais se beneficia de feriados e pontes de feriados são os funcionários públicos, uma categoria que não hesita em fazer greve e que goza de benefícios não estendidos ao trabalhador comum, e muito menos aos autônomos e profissionais liberais. 

Com o feriado de Corpus Christi, este será o terceiro feriado de 5 dias neste ano! Para estes privilegiados, isto equivale à existência de 3 carnavais em um único ano! 3 carnavais! Que país pode crescer neste ritmo de produtividade? 

É preciso mudar a mentalidade e o prefeito podia dar o exemplo obrigando as repartições municipais a fecharem apenas 30 minutos antes dos jogos. Assim, todos encontrariam um lugar próximo ao trabalho para assistir o jogo. Isto movimentaria a economia da cidade e escalonaria o trânsito. Qualquer boteco tem uma televisão hoje e muitos celulares já tem capacidade de captação de sinal da TV aberta. Falta vontade política de mudar um hábito que precisa ser mudado. O Brasil precisa de gente disposta a trabalhar e não daqueles que só querem aproveitar mais um feriado.


terça-feira, 17 de junho de 2014

Conto: Um dia após o outro


Instagram @vai_literatura

UM DIA APÓS O OUTRO

Foi o primeiro dia que saiu de casa desde o ocorrido. Tomou seu café da manhã, um copo de leite, uma torrada com geleia de damasco, uma fatia de queijo branco e vários remédios. Coloridos e multiformas. Alguns pela manhã, outros no meio do dia e os da manhã se repetiam à noite antes de dormir. O dia estava cinzento, uma garoa fina e constante a cair sobre a pauliceia desvairada. Olhou pela janela do apartamento. Recusou o guarda-chuva e fisgou um boné azul escuro e bem desgastado do armário.

Tinha medo de voltar a caminhar sozinho. Suas mãos tremiam ao segurar as chaves para abrir a porta. Hesitou. Fechou os olhos e a imagem se repetiu mais uma vez, como tantas outras vezes nestes últimos quatro meses. Com a mão esquerda, ajudou sua mão direita a encontrar o buraco da fechadura. Girou a chave e deu um passo para o hall do elevador. A jaqueta que vestia e que deveria lhe proteger da chuva, agora impedia o suor frio de evaporar. Tentou relaxar. Soltou os braços e balançou-os lentamente. Um homem de setenta e dois anos não devia temer a morte, pensou. Mas não era a morte que ele temia, era o rancor, os assuntos mal resolvidos, era o tempo se esgotar antes de que pudesse terminar o que havia começado – ou tantos outros assuntos que haviam terminado mal.

A avenida Paulista, em seu trecho final no Paraíso,  era seu quintal há mais de quarenta anos. Por trás do portão do prédio observou uma infinidade guarda-chuvas coloridos, dançando e girando, formando uma massa disforme se observado do alto, alguns movimentando-se de forma apressada, outros a passos lentos, como se a vida e o tempo pudessem desacelerados. Antes, todos os guarda-chuvas eram pretos e duravam uma vida toda. Agora são chineses, vagabundos, frágeis, descartáveis, como os aparelhos eletrônicos, os móveis, os utensílios domésticos, os relacionamentos, o amor, a vida. Vivemos num mundo descartável. É mais fácil – e barato – trocar do que consertar, do que por dinheiro bom num conserto realizado por alguém incapaz ou despreparado. Sabem vender, mas não sabem remendar.

Um pouco mais sereno, abriu o portão e deu o primeiro passo na calçada lisa da Paulista. Enfiou as mãos no bolso e deixou que seu rosto fosse beijado pelas gotículas geladas da garoa forte. Uma bruma gris, quase uma névoa formara-se cobrindo o cume dos prédios e as antenas de TV da avenida tão paulistana. Os primeiros passos foram temerários, depois, aos poucos, encontrou um ritmo cadenciado, nem apressado, nem lento, mas reflexivo. Observava os rostos anônimos que cruzavam seu caminho nas largas calçadas. Sempre gostou de agir assim, de analisar os outros, os rostos, de tentar adivinhar o que se passava em suas vidas. Perguntava-se o porquê daquelas pessoas não serem seus amigos, seus conhecidos, por que apenas algumas pessoas entram em nossas vidas e por que as deixamos ficar. Talvez a culpa seja das estrelas ou dos dias de um futuro esquecido, pensou reparando em cartazes que anunciavam os filmes no circuito de cinemas. Em exibição em grande circuito, pensou e riu lembrando dos anúncios de filmes de tempos passados. Agora havia TV a cabo, netflix, sites piratas para baixar filmes. Permanecia antiquado e preferia ir ao cinema, ou assistir na televisão. Nada de pirataria. Era um cumpridor da lei.

Uma freada brusca de um carro assustou-o com o barulho, tanto que deu um sobressalto, coração disparado. Olhou ao redor. Avistou dois policiais mais adiante e tranquilizou-se. Deixou que seus devaneios voltassem às pessoas que vinham na direção contrária. Algumas falavam no telefone, outras com os fones de ouvido conectados ao celular e alienadas do mundo e do entorno. Quando deixou de escrever sua coluna quinzenal na Folha por conta do ocorrido, as estórias que encontrava escondidas por aí deixaram de ter importância. A escrita fora silenciada pelo barulho ensurdecedor do tiro. Aquela manhã era a primeira vez que sentira saudade de escrever. Seu editor insistiu que ele continuasse a escrever, iria lhe fazer bem, disse, ocupará sua mente, seria uma forma de terapia, de avançar, de seguir com a vida. Mas ele fora intransigente. Precisava de uma pausa, de uma longa pausa, talvez até de uma pausa definitiva.

O tempo é cruel e repleto de mudanças. A casa que outrora fora o símbolo dos industriais paulistas havia sido demolida. A casa dos Matarazzo agora cedera espaço a um shopping, um hotel e um edifício comercial. A construção subia rapidamente na esquina da Paulista com Pamplona. A caminhada seguia bem e estava surpreso em como estava calmo, aquele território era o seu chão, sua ligação com a cidade, com as pessoas, com a vida.

A garoa apertou e entrou no Conjunto Nacional para se abrigar e tomar um café. Ali o tempo quase congelara. A arquitetura mantida quase que original, o piso de pedra portuguesa em preto e branco, as agências bancárias, os escritórios, o burburinho constante de gente passando. O cine Astor cedera lugar a uma gigantesca livraria, o que muito lhe agradava. As enormes rampas curvas no centro do saguão pareciam se enroscar na coluna dos elevadores como cobras abraçando uma árvore. Os resquícios de seu tempo ainda eram visíveis naquele cenário, algo que lhe trazia um certo conforto e paz interior.

Seguiu a diante, cruzou a Augusta e a garoa havia cedido, quase parado. O boné estava molhado. A jaqueta era impermeável e gotas haviam escorrido sem impregnar o tecido. Parou numa banca de jornal e comprou umas balinhas. Passou os olhos pelas manchetes dos jornais. O assunto era a Copa do Mundo, o discurso ridículo e ufanista da anta que governava o país, da greve dos metroviários que acabara quando os pelegos foram postos na rua – lugar onde todo vagabundo que não quer trabalhar deveria ir -, da previsão do FMI de que o país terá um crescimento pífio e mais algumas desgraças, como de costume.

Entrou na rua Haddock Lobo e desceu duas quadras em direção aos Jardins. Parou diante do número 961. Tocou a campainha e esperou o porteiro perguntar o que ele queria. Com vez fraca e titubeante, respondeu:


- Gostaria de falar com a  Sra. Alice do apartamento 41.

sexta-feira, 6 de junho de 2014

Conto: Montjüic



MONTJÜIC

Subiu ao alto de Montjüic, sentou-se num banco com vista para o Mediterrâneo e deixou que a brisa fria daquela tarde lhe acariciasse o rosto, uma leve lembrança da morte. O céu de outono estava sem nuvens, mas a temperatura trazia sinais de que o verão partira mais uma vez. O olhar fixo no horizonte azul, céu e mar fundiam-se no infinito em uma única massa, ar e água unidos de forma indissociável e imperceptível ao olho nu e a visão embaçada de Pedro que recorria aos óculos desde a mais terna idade dava-lhe a sensação de um cenário surrealista, esfumaçado.

- É possível encontrar a felicidade até na dor.

Estas palavras de Carmen Ferret não faziam o menor sentido para ele. Como aquela mulher tinha sido capaz de superar a dor da morte, da traição, do abandono, da solidão? Onde encontrara forças para sobreviver e seguir adiante? Que tipo de ser com forças sobre humanas era ela? Uma santa a caminhar na terra? Um espírito elevado que alcançara algum grau de nirvana e que mantivera-se impassível e sereno diante da guerra, da indiferença do marido, do esquecimento dos filhos, da ingratidão dos colegas de universidade, da falta de reconhecimento de seu trabalho humilde e perseverante, mas genial?

As perguntas se repetiam e bombardeavam a mente de Pedro. Estava convencido de que precisava se contentar com a inexistência da felicidade, de que amor verdadeiro não existia e de que a vida não passava de uma sucessão de eventos que culminavam com a morte, o último ato de uma longa peça teatral e cujo final era imprevisto e para qual não havia ensaio, chance de repetir as cenas. Algumas peças eram de curta duração. Outras alongavam-se de forma exagerada, de forma tediosa e despidas de sentido. Algumas eram cômicas, algumas trágicas, mas na sua maioria doloridas e melancólicas. Esta era a palavra que buscava. A vida era melancólica, como nos inúmeros romances de Dostoievski. A felicidade era uma criação do marketing para vender livros de autoajuda, para enganar os pobres mortais, para incentivar o consumismo desenfreado de drogas, bebidas e aparelhos eletrônicos hipnotizantes e bestificantes.

Lembrou-se de uma viagem a Atlanta, a trabalho, quando teve a oportunidade de visitar a sede mundial da Coca-Cola. Aquele slogan repetido à exaustão em filmes, comerciais e painéis eram um indicativo claríssimo do poder do marketing e da prevalência da mentira sobre a realidade. Open happiness. Abra a felicidade. Abra uma garrafa de coca-cola e consuma açúcar, conservantes cancerígenos, produtos químicos cujas propriedades são desconhecidas, ganhe vários quilos a mais. Afinal, obesidade é a nova tendência mundial. Uma latinha de coca-cola pode lhe trazer a felicidade momentânea, mas pode lhe brindar com efeitos colaterais nefastos. Ou talvez, não. Talvez eles tenham razão. Se o refrigerante lhe faz mal, então o líquido abrevia sua vida, encurta o sofrimento e se a morte é a felicidade suprema e derradeira, de fato, consumir a bebida deixa a felicidade mais próxima.

Balançou a cabeça em repugnância àquelas ideias malévolas e conspiratórias tão próprias de algum inimigo do capitalismo, de algum defensor do regime cubano.  Mas era verdadeiro que ficou decepcionado quando se deu conta de que a Coca-cola não passava de uma empresa de marketing, não uma empresa de bebidas.

Tentou ordenar suas ideias, retornar o foco ao ponto de partida e deixou seu olhar passear pelo mar em busca de algum barco ou navio. Um ferry boat aproximava-se do porto trazendo pessoas vindas de Mallorca. Ao redor, poucos turistas se aventuravam naquele vento, agora mais gelado, no alto de um dos melhores pontos de observação da bela Barcelona. Algumas crianças brincavam nos canhões usados na Guerra Civil e que agora repousavam silenciosos, lembrança de tempos sombrios e de constante turbulência.


Será que Alice está feliz, onde quer que ela esteja? Será que ela zela por mim? Será que ela me ouve? Será que eu a encontrarei algum dia? Ao pensar isto, seus olhos marejaram e ele suspirou profundamente. A saudade lhe assombrava com força ainda maior. Apoiou os cotovelos nos joelhos, mergulhou a face por entre as mãos e chorou. Novamente.