quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

Presépio





Os caminhos devem nos levar ao presépio nestes dias de Natal. Ouvi de um sacerdote a recomendação, o bom conselho, de que deveríamos usar o tempo de Natal para meditar diante do presépio, contemplar a cena, refletir, conversar com Deus menino na manjedoura. Na primeira vez, não compreendi o que isto significava, nem a razão de ser da tradição de se montar presépios nas casas e nas igrejas.

A tradição do presépio remonta a 1223, quando São Francisco de Assis criou o primeiro presépio vivo, com personagens reais, na sua igreja de Grecchio, na Itália. Este piedoso costume medieval espalhou-se rapidamente e chegou aos nossos dias. Na casa de minha avó, o presépio com peças de louça italiana ganhava um lugar de destaque ao lado da árvore de natal. Desde pequeno, ajudei a montar um presépio com peças italianas artesanais e de muito bom gosto, que se completavam com uma pequena construção de madeira a lembrar o estábulo na cena da natividade.

O presépio não era uma mera tradição, mas uma lembrança viva, o centro da comemoração da data natalina, a razão de ser daquele dia tão especial. Levado mais pelo embalo da tradição do que pela vivacidade da fé, comprei um presépio em Portugal, simples, apenas 3 peças, mas muito aconchegante. Desde que me casei, o presépio é montado numa mesinha de canto na sala, a Sagrada Família a nos observar.

Era dezembro, o presépio montado em seu lugar habitual. Minha filha havia nascido em maio e tinha pouco mais de 6 meses de vida. Sempre chorava muito antes de dormir. Chorava até ficar exausta e cair no sono, o choro era a sua luta constante contra o descanso. Numa noite, embalava-a na sala, luzes quase todas apagadas, o silêncio era cortado apenas pelo choro ensurdecedor e desesperador da pequena no meu colo. Caminhava de um lado para outro, cantando baixinho alguma cantiga de ninar. O choro não cedia. Ela parecia renovar forças e berrar mais alto, irritando-me cada vez um pouco mais. Tentei ser paciente, mas houve um determinado momento em que a paciência se esvai. Entendi a razão de ser de tantos infanticídios, de crianças abandonadas pelas mães, do estado puerperal tão falado em aulas de direito penal nos tempos de faculdade. Tive vontade de lançar aquela pequena criatura contra a parede tamanho o desespero que me dominava.

Então, avistei o presépio, como se a Sagrada Família estivesse ali a me observar, aguardando o momento exato para me chamar e me convidar a sentar-se com eles, naquele estábulo de Belém, naquela noite fria, onde todos lhe negaram hospedagem. Olhei a cena e fui tomado de uma paz inesgotável meditando sobre como Nossa Senhora, como Maria, como uma mãe se sentiria dando à luz a um filho ao relento, num estábulo, no inverno da região, sem ter o conforto de uma estalagem, sem ter comida e lugar para dormir e se abrigar.

Meditei naquele momento e entendi a importância do presépio. A paz inundou meu coração e pouco depois a pequena Ana parou de chorar e adormeceu. Devo ter ficado com ela no colo mais uma hora, apenas meditando e rezando diante do presépio. Deus me concedeu a alegria de entender um pequeno pedaço da dimensão do nascimento do menino Jesus em Belém.

A partir daquele ano, em que passei a entender melhor a importância de se montar um presépio, levei à risca a recomendação do sacerdote de meditar diante do presépio. E quanto bem me faz! Olhar para a humildade do menino Deus, para o silêncio e a discrição da cena, para o recolhimento e a paz interior de todos que ali passaram.

Que neste Natal, o amor inunde nossos corações e renove a fé e a esperança com a certeza de que Deus nos têm como seus filhos queridos e amados!

FELIZ NATAL A TODOS!!

sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Estradas





A vida é uma estrada. Sabemos o ponto de partida e ponto de chegada. Desconhecemos o trajeto, as curvas, o traçado, as retas, o tempo de viagem, o clima. Porém, todas têm um final, um destino derradeiro. Algumas são curtas e outras longas. Algumas são retilíneas e outras curvilíneas. Algumas planas e outras repletas de montanhas, planaltos, planícies, serras, pradarias, campos, vales. Algumas desérticas e outras arborizadas, floridas, com rios e cachoeiras. Algumas têm pontes e viadutos e outras túneis. Algumas são perigosas e outras seguras. Algumas são rápidas, com muitas pistas, sem desvios, sem bifurcações e outras se apresentam com inúmeras decisões e escolhas de rota ao longo do trajeto. Algumas são asfaltadas e outras de terra, esburacadas, sem acostamento, sem sinalização. Algumas estão sempre ensolaradas e outras mergulhadas em neblina densa.

Partimos e planejamos um roteiro. Olhamos para  a frente até onde o horizonte toca o infinito e o olhar se perde na incerteza do traçado da estrada. Seguimos com passos firmes, por vezes, diminuindo a velocidade, por vezes cansados e necessitados de repouso, de alimento, de forças para avançar. Por vezes, até retrocedemos, como se derrapássemos na pista enlameada e que ameaça nos atolar e impedir o avanço na rota.

O momento em que atingiremos o ponto final da estrada ninguém sabe, ninguém tem esta informação. Temos consciência de que a estrada termina, mas não sabemos o dia, a data, nem como isto se dará. Impossível parar e evitar o final da estrada. Se ficarmos parados, a estrada avança como uma esteira rolante e o tempo não perdoa, conduzindo-nos contra a nossa vontade para o ponto final da estrada.


A vida é uma estrada que vale a pena ser percorrida. Com todos os percalços, obstáculos, barreiras no meio do caminho, pedras, avalanches, inundações, neblina, tempestades. O traçado não é calmo e tranquilo, nem retilíneo. O traçado é de constante aprendizado e a cada etapa percorrida desta longa estrada da vida, como canta o cancioneiro popular, aprendemos e crescemos e amadurecemos. A vida não teria graça se fosse uma estrada sem curvas, sem obstáculos, sem paradas, sem pausas, sem hesitações. O importante é seguir na jornada e percorrer a estrada até seu final.


sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Um flamboyant


Instagram: @rbueloni

No meio da cidade tinha uma árvore florida
No meio do estacionamento um enfeite vivo
No meio do concreto cinza, o escarlate múltiplo
No meio da correria tinha um obstáculo
rubro e vivo.

sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Conto: Plácida



PLÁCIDA

O calor abafado do quarto 961 despertou-o no meio da madrugada. Não havia ligado o ar condicionado, pois ela sentiria frio. Uma parca e esfumaçada claridade adentrava pela cortina mal fechada e esquecida pela intensidade dos momentos que se desenrolaram antes de adormecerem.  Levantou-se com cautela e gestos pausados para não fazer barulho. Olhou-a com ternura e notou a beleza de seus traços e curvas. A luz era escassa, mas permitia vislumbrar o belo corpo e o rosto da companheira.

Dormia plácida, alva, com um ressonar causado pela sinusite. Havia-o alertado de que o barulho o incomodaria e o impediria de dormir. Talvez roncasse. Ele deu de ombros. Serena, as pernas nuas não estavam mais recobertas por um lençol revolto que se amarfanhava na ponta da cama. As mãos por debaixo do travesseiro lembravam a de uma criança repousando sobre uma nuvem. Tudo parecia surreal e a iluminação tímida, a leve bruma, dava um ar fantasmagórico, como um sonho bom. O que sonharia ela? Ele acordado a contemplava. Admirava o belo rosto, os lábios finos, os cabelos desarrumados caídos sobre a orelha e a bochecha, as pálpebras cerradas, como janelas que escondiam segredos.


Dormia tranquila. Ele sentou-se na cadeira ao lado da cama e pôs-se a admirá-la, como se aquele momento não fosse se repetir, como se tudo aquilo compusesse uma fotografia na memória, impressa e indelével para jamais ser esquecida, como se tudo fosse etéreo e irreal. Sorriu. Ela estava ali com ele depois de tantos anos.  A alegria era indizível, indescritível. E então, no silêncio da madrugada, na invisível contemplação, sentiu o desejo novamente aflorar e retornou para a cama ao lado dela.

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Gonçalo Tavares no Sesc Vila Mariana





Em recente bate-papo no Sesc Vila Mariana, o escritor português Gonçalo Tavares trata da importância de se ler os clássicos, entre outros temas como o valor da vida, a importância da leitura e dos livros, do ofício do escritor. 


quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Tradução




TRADUÇÃO

 - Você me traduz tão bem!

- Eu te leio com atenção. Observo-te não com os olhos, mas com as palavras que brotam da tua alma. Ultrapasso a superfície para mergulhar na tua imensidão interior. 

- Mas esta tradução que desfias, não sou eu. Pões poesia no banal, no simples. Não sou poética, nem lírica. Não extraio do prosaico cotidiano o mel das palavras, o sumo das frutas doces que enchem a boca e explodem no coração, da claridade do sol que aquece a pele e transporta a alma para lugares divinos.

- É você, sim. Talvez não tenhas percebido ou se dado conta. Eu te apresento a você mesma. Tento preencher vazios e rejeito tua apressada autocensura de rasa. Descobrimos o profundo no silêncio do cotidiano, nas viagens por estradas solitárias, olhar posto no infinito distante e inatingível, donde tocamos a sensação de eternidade, de transcendência.


- Escrevo em prosa e tu me traduz em versos. 


*  *  *  *  *


Nota: hoje faleceu Manoel de Barros, grande poeta brasileiro, tradutor do simples, do banal, do bucólico, do lúdico. Este breve texto é dedicado a ele em singela homenagem.

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Epígrafe - XXXI




"A saudade é um espinho venenoso que quando fere contamina o coração."

(Renato Bueloni Ferreira, Heliodora, no prelo)

sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Conto: Cadeira na Janela




CADEIRA NA JANELA

Puxo a cadeira para bem perto da janela, onde possa observar o movimento da rua. A sala escura com as luzes apagadas. Sinto-me esmagado pelo mundo, sufocado por uma realidade que me visitou de forma repentina. Estava inebriado, entorpecido por um olhar que me abraçava com um carinho jamais sentido e toda vez me perguntavas a razão de te olhar em silêncio completo. As lágrimas não vêm. Secaram ou hibernam na confusão de pensamentos, aguardando o momento exato da erupção, do desmoronamento, da queda.

Avisto um carro laranja no posto de gasolina. O que isto importa? Nada, mas distrai-me o olhar perdido. O que importa chorar na solidão da noite? Ninguém me verá, ninguém saberá, ninguém se importará. Parece que o mundo moderno afasta, isola-nos em cubículos, em caixas que costumamos chamar de apartamentos.  A dor alfineta meu coração. Ouço tua voz com a entonação delicada e atenciosa a pronunciar meu nome.  O coração aperta mais uma vez. O carro laranja ainda está no posto de gasolina. Um helicóptero sobrevoa a avenida. O vizinho dá um grito de gol e comemora. Nem sei quem joga e também não me importo. Ninguém se importa comigo, porque haveria de importar-me com jogadores de futebol que ganham fortunas para brincar como crianças e correr atrás de uma bola.

Não liguei o rádio. Nem o iPod. Nem o celular. Minha trilha sonora é composta pelos ruídos da cidade que inicia seu recolhimento noturno, cansada, em câmara lenta a cidade se aquieta. Agora há um carro verde no posto de gasolina. Reclino a cabeça apoiando-a no encosto da cadeira. Fecho os olhos e respiro fundo. A pressão sobre meu peito rouba-me o ar. Respiro lenta e profundamente. Se eu tiver um enfarte agora, ninguém se importará. Se eu morrer agora, ninguém se importará. Se hoje fosse meu aniversário, ninguém se importaria. Se a felicidade existisse, ela também não se importaria comigo. Será que Deus se importa? Será que ele existe? Ou será que ele também já desistiu de mim?


O carro verde deixa o posto e uma viatura de polícia para diante da loja de conveniência. Não há mais nenhum carro no posto. A avenida, quase vazia.  Não sinto fome, apesar da hora e de não ter comido nada. Ela sentiria fome.  Mas ela não está aqui. Estou só, como tantas e tantas outras vezes. Os policiais conversam diante da viatura e comem um lanche. Meu estômago ronca e pede alimento. Ignoro-o. Quem se importa em perder tempo com alimentação num momento destes? Nova pontada no peito, agora, um pouco mais forte. Respiro fundo. Tusso forte para aumentar a circulação sanguínea. Disseram-me, uma vez, que isto ajudava. Não tenho a menor ideia se funciona, mas começo a suar frio e percebo que o físico se rende ao psicológico. Curvo-me com a dor. A respiração se torna difícil, a dor aumenta e caio desfalecido no chão. 


quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Pobre debate




O primeiro debate do segundo turno das eleições presidenciais foi realizado pela Band. Mais do mesmo e menos do que importa. 

"No meu governo a educação é prioridade... O Pronatec... A inflação está sob controle... O aeroporto de Claudio..." 

"A inflação está pesando no bolso do brasileiro... O Paulo Roberto Costa não foi demitido da Petrobrás.... A corrupção... A senhora está sendo leviana..."

O debate foi reduzido a uma sequência de frases e slogans elaborados por marketeiros, programas enlatados (Mais Médicos, Minha Casa, minha vida, Pronatec, Belo Monte, Transposição do São Franscisco...) sem qualquer discussão de projeto de Brasil, de conceito de Estado, de visão de longo prazo.

Pergunto ao leitor, quais eram os temas dos debates de 2010? Dilma alardeava que resolveria o problema da violência vigiando as fronteiras com VANTs (veículos aéreos não tripulados), que o Bolsa Família seria ampliado, que não haveria privatizações, que o trem bala Rio-SP estaria pronto antes da Copa e por aí vai. Ninguém lembra da maioria destas coisas e muitas delas se exauriram quando Dilma foi eleita. A função era o efeito eleitoral apenas. Mentiras, ou melhor, "programas" criados para mostrar que o governo agiria e tudo se transformaria num país de mil maravilhas, algo como a propaganda do PT.

Eleição no Brasil é sinônimo de slogan e frases de efeito para enganar o eleitor. O brasileiro não se preocupa em pensar o país, em discutir o futuro, em definir prioridades e planejamento.

Tomemos um exemplo: o BNDES deve financiar projetos fora do país? E se o recebedor dos recursos for empresa brasileira? Para que tipo de projeto - humanitário, de infraestrutura? E se o recebedor de recursos for companhia aberta e com fácil acesso ao mercado de capitais, deve haver financiamento? Deve-se privilegiar as pequenas e médias empresas? 

Pessoalmente, responderia que a política de financiamento do BNDES deveria estar inserida numa política de comércio exterior ampla e deveria se coadunar com a política externa brasileira. Qual o papel do Brasil no mundo? A quem devemos nos alinhar? Quais blocos econômicos? Nossa influência deve ser regional ou global? Qual o futuro dos BRICS?

Qual o papel do Estado no Brasil? A reforma política deve reduzir o número de deputados e senadores? Deve haver reeleição? Os cargos públicos comissionados devem ser extintos? Deve haver limite para aumento de despesas pelo Governo Federal?

E caberia ainda discutir educação, saúde, infraestrutura, segurança, saneamento básico, transporte e mobilidade urbana, previdência, mercado de trabalho e legislação trabalhista, tributação.

Nenhuma destas questões foi respondida ou discutida no debate. Elas não ganham voto e não são compreendidas pelo eleitor comum. Dilma, por exemplo, quer dialogar com Estado Islâmico. A grande maioria das pessoas não têm a menor ideia do que seja o Estado Islâmico.

A crítica vale para os dois candidatos. A culpa é dos partidos que esvaziou o conteúdo do debate ao delegar as campanhas para marketeiros que não se preocupam com o país, mas apenas em ganhar a eleição.

A continuar assim, nosso debate será pobre. Pobre de nós eleitores.

sexta-feira, 3 de outubro de 2014

O poste e as eleições




Eis o molusco e sua criatura, o poste - ou talvez a "posta", declinando o gênero como ela tanto gosta, mas "posta" (feminino de poste) tem um proximidade sonora muito grande uma palavra de baixo calão iniciada com a letra "b". A expressão seria uma afirmação sintética do nível de governo realizado por esta senhora.


Quando Lula lançou Dilma Rousseff como sua candidata à presidência da república, o humilde molusco se vangloriou afirmando que seu governo tinha sido tão bom, que ele era tão idolatrado, que poderia indicar um poste para seu lugar que o poste ganharia. Fez isto com Dilma. Fez isto com Fernando Haddad. Agora, parece que o eleitor que foi iludido começou a pensar e percebeu que a enganação acabou, que poste pode até governar, mas uma hora a exigência por competência aparece.

O Brasil vive hoje uma grave crise econômica, ética e de credibilidade. Nossa política externa é capenga, sem objetivos claros, com alinhamentos retrógrados a países que não respeitam as liberdades e os direitos humanos mais básicos. Recentemente, Dilma Rousseff manifestou sua simpatia pelo Estado Islâmico na ONU, o que indica claramente a trajetória e o rumo de nossa política externa.

Durante o governo Dilma, perdemos a força do crescimento econômico em parte por culpa de um ministro da fazenda incompetente, de um Banco Central refém dos melindres da presidente e do aparalhemanto maciço das empresas estatais, que foram reduzidas a supridoras de caixa do PT. A Petrobras foi saqueada, os Correios roubados.

Assisti a todos os debates e o discurso de Dilma só engana quem não pensa, não observa o país, quem não lê. Ela mente de forma descarada, tenta enganar e iludir. Dilma é um estelionato eleitoral! Seu partido parte da ideia de que uma mentira repetida mil vezes se torna verdade, e quem lapidou esta frase foi Goebbels, o chefe de comunicação de Adolf Hitler, na Alemanha nazista.

Não consigo conceber que uma pessoa de boa-fé e honesta vote em Dilma. Até tentei, mas não consigo. Minha capacidade intelectual não alcança a mesquinhez de pensamento petista. Não consigo ter respeito pela opinião de alguém que manifesta seu voto em Dilma Rousseff. Poste serve para iluminar, mas este poste nem iluminar consegue!

Domingo teremos a chance de varrer esta quadrilha que governa o país para bem longe. Ainda é tempo de salvar o Brasil, mas é preciso votar conscientemente, pensando na importância do voto. Vote consciente! Seu voto tem consequências!


quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Epígrafe - XXX




"Everything about him was old except his eyes and they were the same color as the sea and were cheerful and undefeated."

(The Old Man and the Sea. Scribner : New York, 2003, p. 10)


terça-feira, 23 de setembro de 2014

Pensamentos flutuantes





O silêncio é a traça que consome o papel onde estão dispostas as palavras da memória. Dia após dia, a traça devora a memória e nada resta, nem a saudade.



Por que escrever uma carta que não será lida? Porque sempre há o risco do destinatário mudar de ideia e abraçar o manuscrito, quebrando o jejum e interrompendo o silêncio.

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Poesia: CONTRADIÇÃO




CONTRADIÇÃO

A contradição se desfaz
basta um olhar
basta uma palavra
basta um diferente palpitar do coração.


terça-feira, 2 de setembro de 2014

Mais uma Oficina Literária do Terapia da Palavra




Escrever é um exercício gratuito de imenso prazer.

Escrever é descobrir e explorar mundos interiores, viver vidas possíveis, alçar voos sem ter asas e sem tirar os pés do chão, sonhar acordado no meio do dia, dialogar no nosso silêncio ouvindo nossos pensamentos e personagens que nos visitam de forma inesperada, sem convite, sem cerimônia. Escrever é tentar decifrar o mistério da vida.


O Terapia da Palavra oferece mais uma oficina literária. Faça um investimento em você mesmo e participe! A oficina é coordenada por duas talentosas escritoras que lhe darão retorno com comentários e críticas aos textos produzidos, incentivando-o a explorar seus pontos fortes e aprimorando os pontos fracos com sugestões para melhoria.

Arrisque-se! Inscreva-se: Terapia da Palavra

sábado, 30 de agosto de 2014

Pontuação



Prefiro pontos finais, por mais dolorosos ou vazios que sejam.
Tenho medo é das reticências da vida ...

quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Epígrafe - XXIX

Île de la Cité, Paris - instagram @rbueloni

"Sua imaginação está novamente afinada, excitada, e de repente, outra vez um mundo novo, uma vida nova e encantadora brilha diante dele em sua perspectiva radiante. Um novo sonho é uma nova felicidade! Uma nova dose de veneno delicado e sensual!"

Fiódor Dostoiévski
Noites Brancas
(Trad. Nivaldo dos Santos. 3a. ed. São Paulo : Editora 34, 2009, p. 36-7)


quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Perdi meu candidato à Presidência



"Não vamos desistir do Brasil!"
Eduardo Campos


Não há nada mais surpreendente do que a vida. Do nada, ela interrompe o caminho, inventa um desvio, muda um dia ensolarado com uma tempestade de granizo e raios. Tudo parecia tranquilo na última quarta-feira, quando pouco antes da hora do almoço, um avião caiu em Santos no litoral paulista. Eduardo Campos, candidato à presidência pelo PSB, estava no avião e faleceu tragicamente.

Fiquei triste. Fazia tempo que um candidato não me despertava um interesse maior. Gostei de suas propostas, de suas ideias e também por se revelar como uma liderança nova no cenário nacional. Acho triste analisar o cenário eleitoral e perceber que os candidatos são os mesmos, as velhas lideranças, não importando o partido ou o Estado. Em São Paulo, Geraldo Alckmin vai atrás de seu quarto mandato; no Rio de Janeiro - pobre Rio -, o principal  candidato é Anthony Garotinho; em Minas, Pimenta da Veiga e Fernando Pimentel; no Distrito Federal, José Roberto Arruda e Agnelo Queiroz, o primeiro preso por receber propina que foi flagrada em vídeo.

Há tempos sinto-me órfão politicamente. Para recorrer a um bordão usado recentemente, é difícil achar alguém que me represente. Via em Eduardo Campos alguém que poderia marcar posição nesta campanha, alguém que agitasse a oposição amorfa que apostou suas fichas no neto do Tancredo, mas que deveria ter sido muito mais atuante durante seu mandato de senador. Aécio não me empolga. Marina é uma grande incógnita. Assume o posto de Eduardo Campos, mas tenho sérias dúvidas se ela abraçará os objetivos de Campos, como banco central independente, redução da máquina pública com  diminuição de ministérios, educação em tempo integral, preservação e incentivo do agronegócio. O fato é que aquela bagunçou o coreto da eleição e agora é uma nova corrida presidencial.

Os debates serão fundamentais, no meu caso, para formar minha convicção e decidir meu voto. E se o leitor estranhar por que não falei da Dilma, a resposta é muito simples. Não voto em partido corrupto ou que compactua com a corrupção! Quem pensa e quer um Brasil melhor, não vota no PT, não vota em branco e não vota nulo. Decida seu voto conscientemente.

Perdi meu candidato à Presidência, mas eu não vou desistir do Brasil!



quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Poesia: DOOR

Centro São Paulo / Downtown São Paulo 
instagram @rbueloni

DOOR

You knocked and I let you in.
Passed through the door
step by step, slowly but steady
nobody had gone this far
no one had the courage
to enter the door of my heart
and I let you in to where
no one had ever been
but you were afraid
you left and ran away.



quinta-feira, 31 de julho de 2014

Crônicas de uma viagem a Paris - III : Torre de Babel



Gare de Lyon, Paris (c) visão ao longe


TORRE DE BABEL


Viajar me traz um senso de nossa pequenez, de nossa insignificância no mar de pessoas que habitam este planeta. Línguas diversas, estórias múltiplas a serem contadas - ou descobertas. Uma viagem à Europa é sempre instigante e desafiadora, ao menos para mim. Diferentemente dos Estados Unidos, onde sinto-me em casa com a língua e o estilo do americano, a Europa é um convite a explorar nossa história, nossa formação cultural, nossos ancestrais. A língua - ou línguas dependendo do país a ser visitado - também traz consigo um desafio, tira-me da zona de conforto. Até em Portugal é preciso estar atento às deliciosas variações do nosso idioma.

Resolvi mergulhar aos poucos, como se para evitar um choque com a transição linguística. Optei por viajar pela TAP e começar a jornada por Lisboa, mesmo sendo apenas uma conexão. No voo para Lisboa, pouco mais de 280 passageiros. Russos, belgas, brasileiros, um argelino, alemães. Muitos com ornamentos da Copa e cada um com um histórico particular. Será que existe algo realmente único a todos nós? O que será que define a humanidade? Como um escritor consegue ser universal na pletora de diferenças externas dos seres humanos? Como descobrir o que há de mais profundo no interior de cada um de nós? Comecei a jornada pensativo, ciente de que não tenho a resposta, mas certo de que há algo sim universal, valores universais, sentimentos universais a nos unir, por mais diferente que sejam nossas bagagens culturais.

A primeira fase foi tranquila, mas ao desembarcar em Paris, veio o choque. Até tentei estudar um pouco de francês para me comunicar, mas logo no táxi travei de uma forma que fiquei aliviado ao conseguir informar ao taxista o endereço do hotel. 

Paris é uma verdadeira Torre de Babel no verão, repleta de chineses por todos os lados, americanos - e outros falantes de língua inglesa -, russos, espanhóis, alemães, italianos, holandeses e pessoas oriundas do leste europeu. Não tenho a capacidade de diferenciar idiomas como húngaro, croata, eslovaco, tcheco, romeno ou sérvio. Consigo localizá-los no mapa, mas nada de comunicação. Sem falar nos japoneses, coreanos e outros asiáticos.

Paris é o destino que mais atrai turistas no mundo e esta diversidade é notada nas ruas. Além dos turistas, há muitos árabes, o que facilmente se percebe pelas vestimentas dos muçulmanos e pelo idioma. Um melting pot na expressão tão comum nos EUA, mas que não chega aos pés da verdadeira salada de culturas que Paris apresenta ao visitante. Talvez aí esteja riqueza escondida e discreta da cidade luz, esta multiplicidade de culturas que convivem em aparente estado pacífico. 

Por outro lado, vejo a importância de estarmos abertos a estudar novos idiomas, a descobrir novas palavras, a expandir os horizontes linguísticos. Meu esforço para me comunicar aos poucos foi recompensado. Não dei vexame e não passei apertos. Um francês macarrônico saiu e acabou por ser suficiente. Porém, voltei com uma vontade ainda maior de continuar a estudar o francês. Comprei livros e vou lê-los. Comprei cd's e vou ouvi-los para treinar o ouvido. Ler me parece mais fácil. Utilizando a bagagem que tenho de outros idiomas vou deduzindo o que está escrito sem efetuar a tradução. Percebi depois de alguns dias que não estava traduzindo o que ouvia e lia, mas compreendia  na língua original e aquilo me empolgou. 

Não há dúvida de que quanto mais idiomas se fala ou se conhece, mais fácil fica aprender um novo idioma. É assim com línguas pouco faladas, como o catalão. Consigo ler e compreender  o catalão usando exatamente o mix de línguas que conheço. Falar são outros quinhentos, mas ler é mais fácil.

Comecemos por valorizar a língua pátria, nosso português que anda tão mal tratado.  Depois ampliemos os nossos horizontes, incentivando as crianças a perceber a riqueza de outros idiomas e como isto nos abre portas e nos permite entender novas culturas.  É tão gostoso descobrir conexões entre as palavras de vários idiomas e suas origens, num trabalho prazeroso de genealogia semântica. Num mundo globalizado e de comunicação instantânea, quem se comunica melhor compreende melhor o complexo mundo à nossa volta.

quarta-feira, 23 de julho de 2014

Epígrafe - XXVIII



"O morrer pertence a Deus, o cuidado dos homens é a vida. E o homem afinal sabe que, morto ele, a vida não está morta; fica a árvore, fica o filho e fica o neto, a casa fica. A vida continua igual ao que era mil anos atrás. Porque as obras do homem podem mudar e mudam, mas o homem, que é a obra da vida, esse não muda nunca."

Rachel de Queiroz ( Falso Mar, Falso Mundo. São Paulo : Arx, 2002, p. 187-8)


Fica a obra, o legado, os escritos. Numa semana que levou João Ubaldo Ribeiro e Rubem Alves, e que parecem ter convidado Ariano Suassuna a se juntar a eles, fui buscar em Rachel de Queiroz algumas palavras para refletir, para ultrapassar a superfície do mar e mergulhar nas profundezas da vida.

Afinal um escritor se faz sempre presente nos seus livros, nos seus escritos, nas suas palavras.

sábado, 19 de julho de 2014

Crônicas de uma viagem a Paris - II : Onda Vermelha


Mona Lisa, no Museu do Louvre

Paris foi invadida por chineses. Bem, qual lugar do mundo não foi invadido pelos oriundos do país mais populoso do mundo? Talvez, nenhum. Mas, aqui eles estão por todos os lados, em grupos, em bandos, com guias turísticos, noivas posando diante da Torre Eiffel, de Notre Dame, na Pont des Arts. Nas Galerias Lafayette, compram e consomem com a ferocidade de uma nuvem de gafanhotos a atacar uma plantação verde e saborosa. Havia fila de chineses para aproveitar os descontos das bolsas Chanel, Prada, Bulgari, Louis Vuitton, Longchamp por mais de alguns milhares de euros. Em oferta.

No Louvre – e nos demais museus -, a coisa se torna mais grave e convida a um olhar crítico. Percorrem as salas do museu atrás das obras mais conhecidas. Param um instante para fotografar, filmar, fazer selfies, e seguem adiante. Não há contemplação, apreciação, reflexão, admiração. Tudo é digitalizado, instantâneo, como se a captação da imagem em máquina digital permitisse representar toda a experiência da contemplação de uma Mona Lisa, de uma Vênus de Milo, de uma Coroação de Napoleão.

Correm pelo museu, atropelando as pessoas, dando cotoveladas – e não pedem desculpas. Infelizmente, a falta de educação predomina. Não tem qualquer restrição a tocar na peças, nas esculturas e nos quadros. Furam filas e parecem viver numa estrutura social própria onde as regras parecem valer para os outros e não para eles que estão fora de seu país de origem e fingem não entender o que se passa.

Em um determinado momento, perdi a paciência. Andava pela galeria dos pintores italianos no Louvre, lotada, parecendo shopping no Brasil em época de Natal, e tentava apreciar as telas quando fui arrastado pela onda vermelha. Como a maioria deles eram mais baixos do que eu, interpus-me no meio da fila de uma excursão e passei a caminhar bem devagar, quase parando. Pressenti o pânico atrás de mim. Eram vários chineses tentando me ultrapassar e eu, como piloto numa prova de automobilismo oscilava da esquerda para a direita impedindo a passagem. No fim, eles me ultrapassaram, mas ficou claro que a ida ao museu fazia parte apenas de um passeio onde não se apreciava nada, apenas carimbavam o passaporte e poderiam dizer: “eu estive lá”, “eu vi a Mona Lisa”.

Na Torre Montparnasse, um edifício moderno com um terraço panorâmico no 56o. andar, há monitores com fotos da paisagem para que o visitante possa identificar os edifícios no entorno com um toque na tela. Ali presenciei outra cena bizarra. Um moço jovem fotograva a tela do computador ao invés da paisagem! Se ele queria uma foto do computador, devia ter feito o passeio pelo Google e não precisaria ir até Paris. Qual o sentido de se viajar para um lugar e apenas registrar tudo em fotos, como se o mundo fosse apenas uma realidade virtual?


Sinceramente, não consigo entender o objetivo destes viajantes. Visitam museus, marcos históricos e monumentos apenas para tirar fotos. Creio que as devem postar nas suas redes sociais e ostentar afluência numa ex-sociedade comunista. Será que levam consigo um pouco da sensibilidade humana da cultura ocidental? Será que algum deles compreende a razão da construção de catedrais e igrejas? Será que conseguem penetrar na beleza de uma tela impressionista ou na leveza de um Rembrandt com seu jogo de luz? Tenho minhas dúvidas. Mas, volto com a sensação de que andei no meio de uma nuvem de gafanhotos predadores.


segunda-feira, 14 de julho de 2014

Margens do Tejo

Luar no Tejo
instagram @rbueloni

Caía a tarde, sol adormecido, lua surgindo no oriente, refletida pelas águas crispadas do Tejo. Ah, o Tejo. Reencontro-o depois de quase dezoito anos em cenário inesquecível de começo de noite, lua cheia, céu limpo, calor ameno de verão lisboeta. Paro na margem e contemplo-o com a memória repleta de imagens. A Ponte Vasco da Gama iluminada e na outra margem avisto Montijo. O silêncio quebrado apenas pelas pequenas ondas do rio a baterem na murta de pedra que ladeia a margem. Respiro fundo e sinto o cheiro levemente salgado da maré que avança sobre o rio, o maior de todos os rios, mas não tão grande quanto o rio que passa na minha aldeia.

Os versos de Camões parecem se materializar no vasto rio. Poderia sentar-me num banco e dialogar com Fernando Pessoa e seus heterônimos, ouvindo cada um deles declamar poemas sobre a beleza do Tejo. A presença do poeta é palpável, quase física. E os versos se sucedem em minha mente. Como é belo o Tejo, cantaria! 

O Tejo é o símbolo maior de Portugal, a terrinha mãe, a pátria primeira. Talvez meu sangue português tenha entrado em ebulição ao notar o rio, aguçando o lado emocional e nostálgico, ainda que não tenha mais parentes além mar. 

Ali fiquei a admirar o Tejo transformado em tela impressionista do lindo luar, suas águas salpicadas de um  cinza iluminado, suas pequenas ondas tingidas com a luz da noite, seus ruídos a embalar o início da noite.

Em clima de saudade, despedi-me dele, trazendo na bagagem alguns fados como trilha sonora para acalentar a nostalgia e as boas lembranças do grande Portugal.

sexta-feira, 4 de julho de 2014

Crônicas de uma viagem a Paris - I


Torre Eiffel

Um amigo - que me conhece muito bem - disse que eu iria adorar Paris. Ele tinha razão. Não me precipitaria em dizer que Paris roubou meu coração, este que ainda pertence a Barcelona, mas o charme da cidade me provoca a cada momento. A cidade flerta comigo, como só aquelas cidades com alma podem fazer. A cidade pulsa, provoca, desperta. 

Hoje o tempo mudou. Caminhei sozinho boa parte do dia e ao cruzar o Sena dei-me conta de que aquele momento era só meu, de alegria solitária, tomando chuva sem a menor preocupação numa Paris cinzenta e que me fazia transbordar num encanto silencioso. Afinal, a vida é feita de momentos e alguns deles se tornam memórias exclusivas, secretas. Outras estórias são compartilhadas, divididas, replicadas, multiplicadas e seguem na tradição oral, contadas e recontadas. Todos temos aqueles momentos que vão para os anais da família, que representaram discussões ou brigas e depois se manifestam em largas gargalhadas e gozações.

Gosto de descobrir os meus cantos, os meus lugares. Fujo do lugar comum, dos roteiros sugeridos por guias. Uso-os com parcimônia e cautela. Como diria um viajante americano, I like to wander, and wandering I find myself - or try to find myself.  Gosto de deixar meu olhar viajar sem pressa, como a imagem do homem lendo o jornal no ponto de ônibus, elegante e indo trabalhar, da mulher com sua baguete a caminho de casa, com os meninos sentados num café competindo para ver qual deles conseguia arrancar mais sinais de positivo dos passantes, do pequeno restaurante libanês onde o dono preparou-me um falafel fantástico  - lugar onde só consegui comer porque estava sozinho. 

O olhar do andarilho. Um olhar atento que ajuda a descobrir estórias, a imaginar estórias. Observar e andar. Acho que as pessoas subestimam a importância de andar, sem rumo, sem mapa, apenas andando e divagando. Andar ajuda-me a pensar, ajuda-me a descobrir, ajuda-me a ter inspiração. Por vezes a inspiração é desobediente, provoca o que não deveria, mas aquieto-a. Anoto as ideias para não desperdiçá-las e aos poucos vou deitando-as no papel. Fazia tempo que alguns dias não me despertavam tantas estórias. Paris está cheia delas prontas para serem salpicadas na folha branca de papel.

A vitrine de uma loja de máquinas fotográficas em Montmartre, a simpática portuguesa dona da boulangerie ao lado do hotel, cadeados dependurados nas pontes sobre o Sena, a infinidade de pagãos que fazem fila para visitar Notre Dame e Sacre Coeur, as poses ridículas de turistas ao redor da Torre Eiffel, as pessoas nos cafés e nos restaurantes, nos barcos deslizando pelo Sena, nos labirintos do metrô desta cidade que fala uma infinidade de línguas, uma Babel terrena.

quinta-feira, 19 de junho de 2014

Feriados e a copa do mundo


O poste que governa São Paulo, Fernando Haddad,  tentou aprovar projeto para que a Câmara dos Vereadores aprovasse feriado na cidade de São Paulo no dia 23 de junho, dia em que haverá mais um jogo da seleção brasileira na Copa do Mundo. Na última terça-feira, a cidade travou com recorde de congestionamento.

A Justiça Federal suspendeu o expediente durante todo do dia 23. A Justiça Estadual funcionará até às 12 horas, mesmo horário de funcionamento dos bancos e da maioria do comércio.

Sou contra este número excessivo de dias de folga e da falta de vontade de muitos em trabalhar. A seleção não empolga, mas parece que o brasileiro tem que assistir ao bendito jogo no conforto de seu lar. Sou do contra, sou chato. Acho um absurdo e uma estupidez se engalfinhar no trânsito de forma desesperada para chegar ao lar.

Na última terça, enquanto muitos se estressavam no trânsito e no transporte público, eu trabalhei até depois das 13 horas, fui almoçar com um amigo, assisti ao primeiro tempo do jogo de pé na calçada num bar e fui para casa no intervalo. Trânsito livre. Sem transtornos, sem confusão e com a sensação de que não perdi meu tempo como um bando de cordeirinhos que "têm que assisitir o jogo da seleção" ou então morrerão fulminados pela polícia dos traidores da pátria. Pessoalmente, acho que trabalhar honestamente é muito mais patriótico do que gastar metade do meu dia idolatrando jogadores que ganham milhões e que estão jogando para faturar mais alguns milhões. 

Não me entendam mal, eu gosto de futebol, tenho assistido a quase todos os jogos da Copa, mas não compactuo com a vagabundagem e a falta de vontade das pessoas de trabalhar. Acho um absurdo, um descalabro a quantidade de dias que a Justiça Federal declara como ponto facultativo. Quem mais se beneficia de feriados e pontes de feriados são os funcionários públicos, uma categoria que não hesita em fazer greve e que goza de benefícios não estendidos ao trabalhador comum, e muito menos aos autônomos e profissionais liberais. 

Com o feriado de Corpus Christi, este será o terceiro feriado de 5 dias neste ano! Para estes privilegiados, isto equivale à existência de 3 carnavais em um único ano! 3 carnavais! Que país pode crescer neste ritmo de produtividade? 

É preciso mudar a mentalidade e o prefeito podia dar o exemplo obrigando as repartições municipais a fecharem apenas 30 minutos antes dos jogos. Assim, todos encontrariam um lugar próximo ao trabalho para assistir o jogo. Isto movimentaria a economia da cidade e escalonaria o trânsito. Qualquer boteco tem uma televisão hoje e muitos celulares já tem capacidade de captação de sinal da TV aberta. Falta vontade política de mudar um hábito que precisa ser mudado. O Brasil precisa de gente disposta a trabalhar e não daqueles que só querem aproveitar mais um feriado.


terça-feira, 17 de junho de 2014

Conto: Um dia após o outro


Instagram @vai_literatura

UM DIA APÓS O OUTRO

Foi o primeiro dia que saiu de casa desde o ocorrido. Tomou seu café da manhã, um copo de leite, uma torrada com geleia de damasco, uma fatia de queijo branco e vários remédios. Coloridos e multiformas. Alguns pela manhã, outros no meio do dia e os da manhã se repetiam à noite antes de dormir. O dia estava cinzento, uma garoa fina e constante a cair sobre a pauliceia desvairada. Olhou pela janela do apartamento. Recusou o guarda-chuva e fisgou um boné azul escuro e bem desgastado do armário.

Tinha medo de voltar a caminhar sozinho. Suas mãos tremiam ao segurar as chaves para abrir a porta. Hesitou. Fechou os olhos e a imagem se repetiu mais uma vez, como tantas outras vezes nestes últimos quatro meses. Com a mão esquerda, ajudou sua mão direita a encontrar o buraco da fechadura. Girou a chave e deu um passo para o hall do elevador. A jaqueta que vestia e que deveria lhe proteger da chuva, agora impedia o suor frio de evaporar. Tentou relaxar. Soltou os braços e balançou-os lentamente. Um homem de setenta e dois anos não devia temer a morte, pensou. Mas não era a morte que ele temia, era o rancor, os assuntos mal resolvidos, era o tempo se esgotar antes de que pudesse terminar o que havia começado – ou tantos outros assuntos que haviam terminado mal.

A avenida Paulista, em seu trecho final no Paraíso,  era seu quintal há mais de quarenta anos. Por trás do portão do prédio observou uma infinidade guarda-chuvas coloridos, dançando e girando, formando uma massa disforme se observado do alto, alguns movimentando-se de forma apressada, outros a passos lentos, como se a vida e o tempo pudessem desacelerados. Antes, todos os guarda-chuvas eram pretos e duravam uma vida toda. Agora são chineses, vagabundos, frágeis, descartáveis, como os aparelhos eletrônicos, os móveis, os utensílios domésticos, os relacionamentos, o amor, a vida. Vivemos num mundo descartável. É mais fácil – e barato – trocar do que consertar, do que por dinheiro bom num conserto realizado por alguém incapaz ou despreparado. Sabem vender, mas não sabem remendar.

Um pouco mais sereno, abriu o portão e deu o primeiro passo na calçada lisa da Paulista. Enfiou as mãos no bolso e deixou que seu rosto fosse beijado pelas gotículas geladas da garoa forte. Uma bruma gris, quase uma névoa formara-se cobrindo o cume dos prédios e as antenas de TV da avenida tão paulistana. Os primeiros passos foram temerários, depois, aos poucos, encontrou um ritmo cadenciado, nem apressado, nem lento, mas reflexivo. Observava os rostos anônimos que cruzavam seu caminho nas largas calçadas. Sempre gostou de agir assim, de analisar os outros, os rostos, de tentar adivinhar o que se passava em suas vidas. Perguntava-se o porquê daquelas pessoas não serem seus amigos, seus conhecidos, por que apenas algumas pessoas entram em nossas vidas e por que as deixamos ficar. Talvez a culpa seja das estrelas ou dos dias de um futuro esquecido, pensou reparando em cartazes que anunciavam os filmes no circuito de cinemas. Em exibição em grande circuito, pensou e riu lembrando dos anúncios de filmes de tempos passados. Agora havia TV a cabo, netflix, sites piratas para baixar filmes. Permanecia antiquado e preferia ir ao cinema, ou assistir na televisão. Nada de pirataria. Era um cumpridor da lei.

Uma freada brusca de um carro assustou-o com o barulho, tanto que deu um sobressalto, coração disparado. Olhou ao redor. Avistou dois policiais mais adiante e tranquilizou-se. Deixou que seus devaneios voltassem às pessoas que vinham na direção contrária. Algumas falavam no telefone, outras com os fones de ouvido conectados ao celular e alienadas do mundo e do entorno. Quando deixou de escrever sua coluna quinzenal na Folha por conta do ocorrido, as estórias que encontrava escondidas por aí deixaram de ter importância. A escrita fora silenciada pelo barulho ensurdecedor do tiro. Aquela manhã era a primeira vez que sentira saudade de escrever. Seu editor insistiu que ele continuasse a escrever, iria lhe fazer bem, disse, ocupará sua mente, seria uma forma de terapia, de avançar, de seguir com a vida. Mas ele fora intransigente. Precisava de uma pausa, de uma longa pausa, talvez até de uma pausa definitiva.

O tempo é cruel e repleto de mudanças. A casa que outrora fora o símbolo dos industriais paulistas havia sido demolida. A casa dos Matarazzo agora cedera espaço a um shopping, um hotel e um edifício comercial. A construção subia rapidamente na esquina da Paulista com Pamplona. A caminhada seguia bem e estava surpreso em como estava calmo, aquele território era o seu chão, sua ligação com a cidade, com as pessoas, com a vida.

A garoa apertou e entrou no Conjunto Nacional para se abrigar e tomar um café. Ali o tempo quase congelara. A arquitetura mantida quase que original, o piso de pedra portuguesa em preto e branco, as agências bancárias, os escritórios, o burburinho constante de gente passando. O cine Astor cedera lugar a uma gigantesca livraria, o que muito lhe agradava. As enormes rampas curvas no centro do saguão pareciam se enroscar na coluna dos elevadores como cobras abraçando uma árvore. Os resquícios de seu tempo ainda eram visíveis naquele cenário, algo que lhe trazia um certo conforto e paz interior.

Seguiu a diante, cruzou a Augusta e a garoa havia cedido, quase parado. O boné estava molhado. A jaqueta era impermeável e gotas haviam escorrido sem impregnar o tecido. Parou numa banca de jornal e comprou umas balinhas. Passou os olhos pelas manchetes dos jornais. O assunto era a Copa do Mundo, o discurso ridículo e ufanista da anta que governava o país, da greve dos metroviários que acabara quando os pelegos foram postos na rua – lugar onde todo vagabundo que não quer trabalhar deveria ir -, da previsão do FMI de que o país terá um crescimento pífio e mais algumas desgraças, como de costume.

Entrou na rua Haddock Lobo e desceu duas quadras em direção aos Jardins. Parou diante do número 961. Tocou a campainha e esperou o porteiro perguntar o que ele queria. Com vez fraca e titubeante, respondeu:


- Gostaria de falar com a  Sra. Alice do apartamento 41.

sexta-feira, 6 de junho de 2014

Conto: Montjüic



MONTJÜIC

Subiu ao alto de Montjüic, sentou-se num banco com vista para o Mediterrâneo e deixou que a brisa fria daquela tarde lhe acariciasse o rosto, uma leve lembrança da morte. O céu de outono estava sem nuvens, mas a temperatura trazia sinais de que o verão partira mais uma vez. O olhar fixo no horizonte azul, céu e mar fundiam-se no infinito em uma única massa, ar e água unidos de forma indissociável e imperceptível ao olho nu e a visão embaçada de Pedro que recorria aos óculos desde a mais terna idade dava-lhe a sensação de um cenário surrealista, esfumaçado.

- É possível encontrar a felicidade até na dor.

Estas palavras de Carmen Ferret não faziam o menor sentido para ele. Como aquela mulher tinha sido capaz de superar a dor da morte, da traição, do abandono, da solidão? Onde encontrara forças para sobreviver e seguir adiante? Que tipo de ser com forças sobre humanas era ela? Uma santa a caminhar na terra? Um espírito elevado que alcançara algum grau de nirvana e que mantivera-se impassível e sereno diante da guerra, da indiferença do marido, do esquecimento dos filhos, da ingratidão dos colegas de universidade, da falta de reconhecimento de seu trabalho humilde e perseverante, mas genial?

As perguntas se repetiam e bombardeavam a mente de Pedro. Estava convencido de que precisava se contentar com a inexistência da felicidade, de que amor verdadeiro não existia e de que a vida não passava de uma sucessão de eventos que culminavam com a morte, o último ato de uma longa peça teatral e cujo final era imprevisto e para qual não havia ensaio, chance de repetir as cenas. Algumas peças eram de curta duração. Outras alongavam-se de forma exagerada, de forma tediosa e despidas de sentido. Algumas eram cômicas, algumas trágicas, mas na sua maioria doloridas e melancólicas. Esta era a palavra que buscava. A vida era melancólica, como nos inúmeros romances de Dostoievski. A felicidade era uma criação do marketing para vender livros de autoajuda, para enganar os pobres mortais, para incentivar o consumismo desenfreado de drogas, bebidas e aparelhos eletrônicos hipnotizantes e bestificantes.

Lembrou-se de uma viagem a Atlanta, a trabalho, quando teve a oportunidade de visitar a sede mundial da Coca-Cola. Aquele slogan repetido à exaustão em filmes, comerciais e painéis eram um indicativo claríssimo do poder do marketing e da prevalência da mentira sobre a realidade. Open happiness. Abra a felicidade. Abra uma garrafa de coca-cola e consuma açúcar, conservantes cancerígenos, produtos químicos cujas propriedades são desconhecidas, ganhe vários quilos a mais. Afinal, obesidade é a nova tendência mundial. Uma latinha de coca-cola pode lhe trazer a felicidade momentânea, mas pode lhe brindar com efeitos colaterais nefastos. Ou talvez, não. Talvez eles tenham razão. Se o refrigerante lhe faz mal, então o líquido abrevia sua vida, encurta o sofrimento e se a morte é a felicidade suprema e derradeira, de fato, consumir a bebida deixa a felicidade mais próxima.

Balançou a cabeça em repugnância àquelas ideias malévolas e conspiratórias tão próprias de algum inimigo do capitalismo, de algum defensor do regime cubano.  Mas era verdadeiro que ficou decepcionado quando se deu conta de que a Coca-cola não passava de uma empresa de marketing, não uma empresa de bebidas.

Tentou ordenar suas ideias, retornar o foco ao ponto de partida e deixou seu olhar passear pelo mar em busca de algum barco ou navio. Um ferry boat aproximava-se do porto trazendo pessoas vindas de Mallorca. Ao redor, poucos turistas se aventuravam naquele vento, agora mais gelado, no alto de um dos melhores pontos de observação da bela Barcelona. Algumas crianças brincavam nos canhões usados na Guerra Civil e que agora repousavam silenciosos, lembrança de tempos sombrios e de constante turbulência.


Será que Alice está feliz, onde quer que ela esteja? Será que ela zela por mim? Será que ela me ouve? Será que eu a encontrarei algum dia? Ao pensar isto, seus olhos marejaram e ele suspirou profundamente. A saudade lhe assombrava com força ainda maior. Apoiou os cotovelos nos joelhos, mergulhou a face por entre as mãos e chorou. Novamente. 

quarta-feira, 28 de maio de 2014

Epígrafe - XXVII




"Nós temos a capacidade de pensar como será o futuro daqui a vários séculos. Comece a tarefa mesmo que ela não vá ser terminada durante a sua vida. Esta geração tem a responsabilidade de remodelar o mundo. Se fizermos um esforço, isso poderá ser realizado. Mesmo que tudo pareça sem esperanças agora, nunca desista. Ofereça uma visão positiva, com entusiasmo e alegria, e uma perspectiva otimista." 

Dalai Lama

(citado por Daniel Goleman, Foco. trad. Cássia Zanon. Rio de Janeiro : Objetiva, 2014, p. 247)

sexta-feira, 23 de maio de 2014

Reflexões sobre ser pai



Foi  numa noite recente  quando a observei falar com desenvoltura e segurança, os olhos traziam um brilho contagiante e as mãos gesticulavam com intensidade. Nunca fora tímida. Sempre extrovertida e atirada, muito falante, sorridente, revelando uma segurança tão própria dela, mas que disfarçava um medo interior que era afastado com um pedido para segurar minha mão ou um abraço longo.

Antes das competições de xadrez, não se sentava diante do tabuleiro antes de me pedir um beijo de boa sorte e algumas palavras de incentivo e confiança.  Nos momentos de dúvida, recorria a mim e o diálogo fluía leve e compreensivo, mesmo em temas complexos, mesmo quando era preciso dizer não – e foram vários “nãos” -, mesmo quando se tratava de algum tema mais espinhoso. Surpreendi-me no começo em como era possível conversar com ela com tanta facilidade. 

Era uma noite de sábado, percebi que a menina deixara para trás a infância e adentrara na adolescência. Iria fazer 13 anos em breve e reparei que naquela noite, seu jeito era diferente. Passamos por duas fases e sinto que uma nova fase da paternidade se inicia. Ser pai é um desafio e um constante aprendizado, um observar, um estar presente, um escutar constante, um gesto de afeto e carinho, um beijo noturno para embalar o sono e os sonhos, um ombro amigo quando a fragilidade infantil ainda se manifesta.  Ser pai é antecipar gostos e adivinhar o pensamento dos filhos, sorrir e abraçá-los quando o choro é inevitável, puxar para cima, dar o exemplo. A lista é infindável. Cansativa? Não, reconfortante e cheia de alegrias.

Mais um ano, mais um aniversário. Vejo-me como um trapezista a balançar no trapézio, no alto do picadeiro, segurando a moça, olhando-a nos olhos e preparando-me  para soltá-la para a vida, lançá-la em  piruetas no ar, confiante de que conseguirá atravessar o espaço e voar até o outro trapézio agarrando-o com firmeza e vontade.


Minha filha fez 13 anos. Com ela aprendi a ser pai e com ela aprendi que a paternidade (e a maternidade também) é um ato generoso de  que Deus que permite a nós mortais participar no processo de criação da vida.

sábado, 17 de maio de 2014

Desassossego - II



Desassossego. Palavra adulta que não cabe na boca de uma criança. Passamos a nos questionar e o desassossego nos faz companhia. É própria do mundo adulto, das inquietações que afligem o ser pensante e que nos foi apresentada pelo inigualável poeta lusitano. Retrata com precisão um estado da alma, mais profundo e que não se percebe na superfície, num sorriso disfarçado, numa lágrima escondida, num tom de voz falso.

Desassossego que vem com a aflição por pagar contas, com a falta de trabalho, com o dia de amanhã, com a semana seguinte, com o chefe neurótico, com a resposta que não chega, com o diagnóstico do tumor que se espera, com o resultado do concurso, com o telefone que não toca, com o silêncio que incomoda, com o pecado que macula e condena. Deixamo-nos levar e esquecemos do hoje.


Desassossego que nos acompanha e se faz presente no mundo moderno, na vida corrida, na hiperatividade, mas que nos enfrenta quando nos deparamos com um espelho e então ele lança a pergunta incômoda, aquela que tentamos fugir atulhando a mente com distrações e milhares de afazeres. Desviamos da resposta que cutuca no fundo da consciência, empurramo-la para depois e a vida segue, com o desassossego como companheiro. Sábio poeta que soube enxergar tão bem a alma humana.

sexta-feira, 16 de maio de 2014

Desassossego


imagem: instagram @rbueloni


Sinto o peso das noites insones, em horários variados, na manhã seguinte. É uma ressaca de você, algo que não deveria ocorrer, algo ao qual deveria ser totalmente indiferente, dar de ombros, olvidar sem demasia. Esquecer parece mais difícil do que viver.

Há dias de calmaria e noites estreladas quando navego no mar plácido e nas águas sem ondas, até que algo dispara o inesperado alarme causando um desassossego na alma. Desassossego. Palavra complicada até para escrever com este monte de esses. Letra sinuosa que retrata tão bem as surpresas e as peças que a vida nos prega. Faz-se uma curva e pronto, depara-se com um nome que dispara uma viagem no tempo da memória e tudo se materializa. O sorriso, a voz, o perfume, o jeito.

Partidas nunca são algo corriqueiro, salvo se tivesse um gélido coração, coisa que descobri ser inexistente. A tranquilidade é afastada de forma imprevisível, quando a solidão cala fundo e tua ausência se faz tão presente. Sei que um dia não haverá espaço para isto e lágrimas serão poucas e hão de secar. Basta ler teu nome que os momentos de inquietação me tomam o ser e isto ocorre na quase totalidade das vezes.

Sinto o desassossego daquilo que poderia ter sido e não foi, sinto o desassossego de não ter tido mais tempo, de não poder me despedir. E terei eternamente saudade daquilo que não foi.

terça-feira, 6 de maio de 2014

O penico




Poderia ser um penico, daqueles de ágata branco e com borda preta, igual ao que existia na casa de minha avó e em tantas casas de avós e fazendas pelo interior do Brasil. Um penico que, depois que as crianças cresciam, era usado para brincar na banheira para o desespero de minha avó que achava inconcebível usar o penico como baldinho ou como pequena bacia para derramar água sobre os cabelos.  Penico que perdeu seu uso com o tempo e virou objeto de decoração, com tom nostálgico de um passado onde o tempo parecia ter outro ritmo, onde a interação das pessoas era feita de forma direta, sem o intermédio de aplicativos e pequenos aparelhos eletrônicos.

Poderia ser um penico só para você. Um penico para que você despeje tudo que quiser, jogue todo o lixo, todo desabafo, todo o choro, toda a raiva, todo e qualquer excremento que queira se livrar e lançar fora. Meus ouvidos poderiam ser um penico e quem sabe, de tanto lixo, seria capaz de perder a paciência com você, de me irritar e desencantar. Passaria a te evitar e você descobriria que o amigo não existia.


Mas há um sério risco em ser penico, há o outro lado da moeda. Lixo pode ser transformado em adubo e adubo pode servir para fertilizar jardins e terra estéril. E da terra improdutiva, após fertilizada, podem nascer flores e árvores para acolher pássaros a cantar. E o que era resíduo expurgado por você, posso transformá-lo em flores e sorrisos. Há o risco do penico se tornar belo e indispensável. E há riscos que vale a pena correr! 

*  *  *  *

NOTA: Quando escrevi este texto e fui procurar uma foto para ilustrá-lo, descobri que o google só retorna a busca para "pinico". Bem, fui ao dicionário com minha ortografia posta em xeque e confirmei que "pinico" não existe. A grafia certa é "penico". Então meu caro leitor, se passar por aqui, lembre-se que "pinico" não existe, ou melhor, só existe como uma forma forma popular de referir-se ao verbo "pinicar" (1. picar com o bico; 2. provocar comichão; 3. beliscar, cutucar).



quarta-feira, 30 de abril de 2014

Epígrafe - XXVI


"Se a infelicidade produz literatura, será certo também dizer que a literatura produz felicidade."
Cristóvão Tezza



 

A citação foi tirada da parte final da conferência de Cristóvão Tezza, proferida na Academia Brasileira de Letras, dentro do Ciclo "Vozes contemporâneas : a ficção", que traz grandes autores brasileiros. 

As outras conferências estão disponíveis na íntegra no canal do Youtube da ABL.

sexta-feira, 25 de abril de 2014

Poema VII, de Pablo Neruda


Poema 7



Inclinado en las tardes tiro mis tristes redes 
a tus ojos oceánicos. 

Allí se estira y arde en la más alta hoguera 
mi soledad que da vueltas los brazos como un náufrago. 

Hago rojas señales sobre tus ojos ausentes 
que olean como el mar a la orilla de un faro. 

Sólo guardas tinieblas, hembra distante y mía, 
de tu mirada emerge a veces la costa del espanto. 

Inclinado en las tardes echo mis tristes redes 
a ese mar que sacude tus ojos oceánicos. 

Los pájaros nocturnos picotean las primeras estrellas 
que centellean como mi alma cuando te amo. 

Galopa la noche en su yegua sombría 
desparramando espigas azules sobre el campo.


(Vinte poemas de amor e uma canção desesperada)

quinta-feira, 24 de abril de 2014

Olhos oceânicos




Mergulhei nas profundezas de teus olhos oceânicos, naquela noite, enquanto contavas-me segredos escondidos e vertia lágrimas que enxugava com meus dedos, não deixando que elas percorressem seu rosto sem que lhe afagasse a face. Confortava-lhe, ouvia, condoía-me contigo. Percebi que há mais mistérios no mar além da superfície e que a superfície, aparentemente calma e impassível, escondia correntes, arrecifes, turbulências, tesouros, naufrágios, maremotos.

Seus olhos oceânicos disfarçavam bem o medo de nadar abaixo da superfície, do risco de ficar sem ar e sofrer de descompressão. 

Naquela noite entendi porque preferia o mar à montanha, a praia e o calor ao campo e à vida bucólica. O mar é revolto, inquieto, indomável; o campo é plácido, previsível, cíclico. O mar esconde-se por debaixo de sua superfície, com suas pequenas ondas e repiques que se manifestam com grandeza apenas nas praias e pedras do litoral. Assim era você. Assim é você. Um mar imenso a ser explorado, escondendo perguntas e respostas, muitas que sequer esperou para formular e outras tantas que não respondeu. Deixou-se levar pela corrente, sem tempo para pausas e devaneios e beijos,  sem paciência para esperar. 

Naquela noite percebi que seus olhos oceânicos não precisavam ser azuis para espelhar o mar sem fim. Bastava disfarçar o que guardas lá no fundo, onde a luz não alcança, onde não há oxigênio e a vida é escassa. Ali, naquele recanto de alguma fossa abissal, guardas o tesouro mais precioso que sua alma esconde. Sim, o mar tem alma e vida. Mas teus olhos oceânicos afastam intrusos e aventureiros, deixando apenas os experientes navegarem pelo teu mar, ainda que pereçam em alguma tempestade.

Qual canto da sereia, teus olhos oceânicos hipnotizam, seduzem e deixam os marujos inebriados com tua doçura, apenas para provar da ira e da dor do desterro. Não há desterro, porém, que traga arrependimento ao homem do mar. Aquele que prova dos teus olhos oceânicos, jamais te esquece.



PS: a referência a olhos oceânicos foi extraída de um poema de Pablo Neruda, que será publicado neste blog.

quarta-feira, 23 de abril de 2014

Dia mundial do Livro


Crédito da imagem: instagram @rbueloni



Hoje é o dia mundial do livro. Uma invenção simples, mas que nos conduz por mundos distantes, que provoca a imaginação, que aguça o sentidos, que acende a chama da saudade, que incendeia corações e ilumina mentes. O livro pode ser destrutivo também, mas seus benefícios são inegáveis. A leitura, para alguns, é mais que um hábito, é uma necessidade vital, como o ar que respiramos ou o alimento que ingerimos.

Pergunte-se: qual o livro que mais lhe impressionou? Qual o livro que mais gostou? Qual o primeiro livro que você leu e que lembra até hoje?

Se fosse um livro, qual livro seria?

Eu, diria, que se fosse um livro, não seria um, mas que sou composto por fragmentos dos livros que li.


terça-feira, 8 de abril de 2014

Summertime Sadness, de Lana del Rey





Summertime Sadness

Kiss me hard before you go
Summertime sadness
I just wanted you to know
That, baby, you're the best

I got my red dress on tonight
Dancing in the dark in the pale moonlight
Done my hair up real big beauty queen style
High heels off, I'm feeling alive

Oh, my God, I feel it in the air
Telephone wires above are sizzling like a snare
Honey, I'm on fire, I feel it everywhere
Nothing scares me anymore

(1, 2, 3, 4)

Kiss me hard before you go
Summertime sadness
I just wanted you to know
That, baby, you're the best

I got that summertime, summertime sadness
S-s-summertime, summertime sadness
Got that summertime, summertime sadness
Oh, oh, oh, oh, oh

I'm feelin' electric tonight
Cruising down the coast goin' 'bout 99
Got my bad baby by my heavenly side
I know if I go, I'll die happy tonight

Oh, my God, I feel it in the air
Telephone wires above are sizzling like a snare
Honey, I'm on fire, I feel it everywhere
Nothing scares me anymore

(1, 2, 3, 4)

Kiss me hard before you go
Summertime sadness
I just wanted you to know
That, baby, you're the best

I got that summertime, summertime sadness
S-s-summertime, summertime sadness
Got that summertime, summertime sadness
Oh, oh, oh, oh, oh

Think I'll miss you forever
Like the stars miss the sun in the morning sky
Later's better than never
Even if you're gone I'm gonna drive (drive, drive)

I got that summertime, summertime sadness
S-s-summertime, summertime sadness
Got that summertime, summertime sadness
Oh, oh, oh, oh, oh

Kiss me hard before you go
Summertime sadness
I just wanted you to know
That, baby, you're the best

I got that summertime, summertime sadness
S-s-summertime, summertime sadness
Got that summertime, summertime sadness
Oh, oh, oh, oh, oh