Um escritor, ao deitar as palavras sobre a folha branca, perde o controle de sua obra. As palavras ganham vida própria, desde que lidas. Os efeitos e consequências daquelas letrinhas agrupadas de forma ordenada são imprevisíveis. Podem destruir, podem provocar ódio e rebeliões, podem incitar a intolerância. Mas podem também aproximar as pessoas, unir, apaziguar e fazer sorrir. A palavra é uma arma poderosa e mágica.
Na semana passada, na 3a feira de carnaval, estava eu olhando algumas livrarias virtuais sem grandes pretensões. Queria ver o que havia disponível de Machado de Assis. Passei por outros escritores brasileiros, alguns estrangeiros. Escolhi 1 livro jurídico que estava em promoção. Escolhi 1 outro de um autor espanhol e para aproveitar o embalo, continuei nos autores brasileiros. Chamou-me a atenção uma determinada obra que acrescentei ao "carrinho de comopras". Uma série de atos banais, rotineiros. Mal sabia eu que havia comprado um livro mágico.
Na 5a feira, dia útil, e para alguns o primeiro dia do ano, tive algumas notícias desagradáveis no âmbito profissional. Estava chateado. Em casa à noite, deparei-me com uma caixa de papelão. Os livros haviam chegado. Abri primeiro o último livro que havia comprado. É um diário. Livro grosso, mas com passagens curtas que contavam os dias ao longo de 7 anos da vida do escritor. Passei de página em página, lendo alguns trechos, pulando outros. Alguns trechos começaram a chamar minha atenção. Até que um, em especial, fisgou meu olhar. Linhas ingênuas sobre um almoço de final de ano em 1984.
Comentei este trecho no dia seguinte e ouvi um dos "causos" mais hilários que já tinha ouvido. Gargalhei sozinho em voz alta. Acharam que estava ficando louco aqui no escritório. Mas a mágica estava feita! Aquelas linhas e aquele "causo" mudaram meu humor, meu ânimo, meu dia.
Talvez tenha sido coincidência. Talvez obra do acaso. Talvez uma ajuda providencial.
Confesso que fiquei abismado. Pode parecer pura besteira, mas aquelas linhas escritas há 23 anos atrás, narrando um simples almoço, trouxeram-me momentos de sonoro riso. De riso profundo e alegre. Algo me guiou até aquele livro, até aquela página, até aquelas linhas. E fez-se a magia da palavra que sutilmente transformou um dia.
Não mencionei o livro, ainda, pois acho a magia da palavra é muito pessoal. Depende do momento, do leitor, do ânimo. Um livro sempre poderá ser mágico. Basta prestarmos atenção.
A obra é "Diário da Noite Iluminada", de Josué Montello.