domingo, 11 de fevereiro de 2007

O Bonde e a Janela




O bonde foi um meio de transporte que hoje tem ares românticos e típico de uma era pré-motorizada. Em Lisboa, os bondinhos circulam por alguns bairros com ruas muito estreitas e sinuosas. Uma das linhas do metrô de Buenos Aires, inaugurada no inícido do século passado, é servida por trens que parecem bondes que circulam no subterrâneo. Em Santos, litoral de São Paulo, uma linha de bonde voltou a funcionar e circular pelo centro histórico, com função turística.

O bonde viajava em velocidade mais lenta que os atuais ônibus ou veículos. Isto permitia que o passageiro interagisse com os transeuntes de forma mais intensa. O contato visual era mais longo. Explico-me.

Contava meu avô que conheceu minha avó pela janela do bonde. Minha avó morava no bairro da Vila Mariana, em São Paulo. Durante toda sua vida morou numa casa, na Rua França Pinto. O bonde passava por aquela rua, vindo de Santo Amaro e subia até o Largo Ana Rosa. Um dia e mais outro e sempre aquela jovem na janela a olhar o bonde. E no bonde, um jovem de bigode fino a olhar aquela jovem de olhos verdes na janela da casa. Imagino – pois isto ninguém me contou – que os olhares se cruzaram, talvez um esboço de sorriso, um leve aceno com o chapéu, e a jovem encabulada, deve ter baixado o queixo e os olhos. Um certo dia, meu avô desceu do bonde e tocou a campanhia. Iniciaram uma conversa no portão, namoraram, casaram-se e tiveram 3 filhos.

Quando meu avô se aposentou, frequentemente ficava no final de tarde, antes do jantar, sentado numa poltrona olhando pela janela. Olhava o movimento, em silêncio. Nas noites em que jantávamos na casa deles, sentava-me do lado dele, numa cadeirinha de vime, própria para as crianças. Conversávamos pouco. Não me lembro de nenhuma conversa relevante, a não ser a explicação do porquê de uma nota de mil réis estar presa no batente da janela. Simplesmente fazia companhia para ele, olhando a rua, as pessoas, os carros, os ônibus...

Em Janelas Fechadas, que já comentei aqui, o bonde era a expectativa do retorno do pai da filha de Benzinho, era o portador de uma nova vida. A janela, por onde Benzinho e D. Binoca olhavam o bonde, a porta para o mundo exterior, como metáfora dos olhos que apreciam o externo. Visitantes se debruçam na janela e conversam com as moradoras sem entrar na casa. A janela, quando aberta, era um convite ao diálogo, era uma mostra da abertura para o convívio e o contato externo. Um limite entre o privado da casa e o público da rua.

Vou transpor as coisas no tempo e numa associação, talvez grosseira, tentar mostrar que hoje continuamos a usar a janela, a olhar pela janela. A janela de hoje chama-se computador. Não seria coincidência que o programa que a maioria de nós usa para trabalhar, brincar, jogar, conversar, comunicar-se no computador seja exatamente o Windows? O nome é muito adequado. O computador é uma janela para o mundo.

Passamos horas na frente do computador. Olhando fixamente para aquela tela, que é a nossa janela, quase hipnotizados pelo que nela acontece...pelas letras que aparecem no fundo branco...pelos números que surgem numa planilha....pelos desenhos e cores que se definem num slide para uma apresentação....pela comunicação que se dá através de email ou de comunicadores instantâneos. Já pensaram que aquela janelinha do MSN que pula na tela poderia ser muito bem uma janela de bonde que passa? Será que ao aparecer uma janelinha com a foto de uma pessoa o coração não bate mais forte como quando passava um bonde?

A tecnologia mudou e revolucionou a forma de comunicação. Alguns achavam que o email e a internet iam desincentivar a escrita, inibir a interação social e criar seres anti-sociais. Nada mais equivocado. A blogosfera mostra como hoje se escreve mais. O email, o msn, o orkut permitem maior interação social, mais contato, mais informação entre amigos e nos relacionamentos sociais. Claro, que o privado se tornou mais público, mas é possível fechar-se a janela quando não se quer a interação com o mundo virtual.

Contardo Calligaris, psicanlista de 58 anos, escreveu a peça “O Homem da Tarja Preta” sobre as angústias do homem moderno. A peça ainda não foi encenada, mas em entrevista ao caderno de fim de semana do Valor Econômico, ele menciona que o personagem passa a noite “a brincar nas salas de chat na internet e começa, então, uma longa e animada reflexão sobre a sua dificuldade em ser homem.” A internet permite esta interação nova. Pode funcionar como uma válvula de escape para as angústias do mundo moderno, do aprisionamento individual, das dúvidas que nos perseguem.

O bonde pode não circular mais, mas continuamos a nos debruçar na janela, a olhar o mundo, a olhar as pessoas, a interagir com os amigos, e a fazer novos amigos. É só abrir as janelas!


Um comentário:

Anônimo disse...

Gostei dessa foto...ela me fez ter 2 pensamentos diferentes, para uma mesma imagem.
Olhando essa janela meio aberta, alguém que está sem esperança, sem ânimo, pode achar que é um grande espaço se abrindo, deixando entrar luz, vida e esperança e vendo um mundo novo...tendo uma visão ao longe!
Por outro lado, tb pode ser um espaço muito pequeno pra quem está querendo escapar...de si mesmo ou dos outros.
Uma janela...duas visões!