sexta-feira, 30 de março de 2007

Poesia: INÉRCIA

INÉRCIA

Sua voz é um bálsamo
Que descongela meu coração impenetrável
Recheando-o de vida
Fazendo-o ganhar ritmo
Num pulsar acelerado
Oh, amor intangível!
Oh, lábios intocados!

Solitário te desejo ardentemente
Desejo que consome meu interior
Sem forças, sem coragem, inerte
O amor que dá vida
O anseio que move o desejo
Petrifica com o medo
Temor insuperável
Congela na inércia
Deixa-me sem ação.

Covarde!
Bombardeia a razão
Covarde, sim!
Mas jamais insensível
Jamais gélido
Apenas um pobre homem
Apenas um homem covarde
Apenas um homem inerte!

(RLBF - mar 07)

Poesia: Fernando Pessoa


Fiquemos com o grande poeta português para encaminhar o fim de semana.


Sossega, coração! Não desesperes!

Sossega, coração! Não desesperes!
Talvez um dia, para além dos dias,
Encontres o que queres porque o queres.
Então, livre de falsas nostalgias,
Atingirás a perfeição de seres.
Mas pobre sonho o que só quer não tê-lo!
Pobre esperença a de existir somente!
Como quem passa a mão pelo cabelo
E em si mesmo se sente diferente,
Como faz mal ao sonho o concebê-lo!

Sossega, coração, contudo! Dorme!
O sossego não quer razão nem causa.
Quer só a noite plácida e enorme,
A grande, universal, solente pausa
Antes que tudo em tudo se transforme.

Fernando Pessoa, 2-8-1933.



NOTA: A ilustração deste post é um desenho de Fernando Pessoa por Almada Negreiros.

quinta-feira, 29 de março de 2007

Palavras emprestadas

As palavras são de Josué Montello, como havia prometido e que serão aqui publicadas.
"19 de fevereiro de 1978
Ler bem é ouvir em silêncio" (p. 41)


"3 de abril de 1982

Levantei-me cedo e vim olhar o mar de minha janela, antes das cindo horas. Defronte de mim, vermelho, redondo, imenso, o sol era um anúncio do próprio Sol. O mar gritantemente azul, o céu estriado de tons róseos, uma nuvem sangrenta ao fundo do horizonte, e a luz matinal a inundar tudo, com uma pureza translúcida, enquanto um navio passava em frente à ilha Rasa, tranquilo, imponente.

Fui chamar Yvonne para dividir com ela esta emoção.

Quando voltei, já a paisagem era outra, sem a beleza que Deus só mostra para quem acorda antes que o dia amanheça."

(Diário da Noite Iluminada. Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 1994, p. 311)

Na minha última ida ao Rio, há 15 dias, deixei as cortinas do quarto do hotel abertas, para levantar-me com a claridade do amanhecer. Despertei às 5:30 da manhã e fui caminhar na orla de Copacabana. O céu era róseo e o sol ainda não havia despontado. Caminhei da Siqueira Campos até o Forte de Copacabana e luz estava nas minhas costas. Ao girar no calçadão para retornar, pude contemplar o sol nascendo, esparramando seus raios por detrás do Pão de Açúcar e iluminando a praia.

Um jeito perfeito de começar o dia!

quarta-feira, 28 de março de 2007

Espelho


Miramo-nos no espelho e vemos o externo. Somente o exterior, a capa que recobre nosso interior, nossos sentimentos, nossa alma. Olhar-se é algo rotineiro, que fazemos todos os dias, uns mais outros menos. Notamos um cabelo branco que aparece, uma ruguinha, uma espinha, uma olheira depois de uma noite mal dormida.


É raro, porém, olharmos nos nossos próprios olhos e dizer em voz alta aquilo que está guardado lá no fundo, naquele recanto escondido da alma. Temos medo encarar a nossa própria realidade. Por vezes, assustamo-nos com aquelas palavrinhas que afloram ou com sentimentos que achávamos que não existiam.


Fechamo-nos de uma forma a nos proteger dos outros, como numa brincadeira de esconde-esconde, a disfarçar nossas fraquezas. Sem falar, silenciosamente armazenando tudo no interior. Silenciosamente deixando as coisas fermentarem até que um momento elas transbordam. Em alguns casos com reflexos até físicos. O emocional mexe com o físico, abala nossas estruturas e pilares. Ficamos sem chão.


Outras vezes, olhamos e não vemos os outros. Nestes anos de vida profissional, tentei aprender a ter mais sensibilidade para detectar algum problema que abala um colega de trabalho. É mais fácil com as mulheres do que com os homens, mas acho que consegui apreender o que abala as pessoas que comigo convivem. Um olhar, uma palavra escrita de forma diferente ou até uma simples falta de um ponto de exclamação acionam o meu sistema de alerta. Aquela pessoa precisa de atenção. Basta, na maioria das vezes uma simples pergunta: "Está tudo bem?"


A verdadeira amizade obriga-nos a agir assim, a descermos da nossa torre de marfim e pacientemente escutar ou simplesmente dizer: "Estou aqui se quiser conversar! Conte comigo!" O meu espelho não é só meu, mas permite que veja os outros.

terça-feira, 27 de março de 2007

Rio e São Paulo na Vejinha


A Vejinha desta semana trouxe uma reportagem de capa que merece ser aplaudida. Em São Paulo, a revista falou do Rio e no Rio, escreveu sobre São Paulo. Achei muito interessante e por isto vou comentar.


Aqueles que me acompanham sabem da minha paixão pelo Rio de Janeiro e suas belezas. A reportagem mostrou como o Rio é um excelente destino para um feriado prolongado. O Rio não é só praia e tem excelentes opções culturais e gastronômicas. Precisamos vencer o preconceito e aprender a apreciar o que há de bom.


Para os preconceituosos, vou deixar apenas uma estorinha. Em janeiro de 2005 fui ao Rio de férias. Fiquei 1 semana com a família. Um dia fui almoçar no Photochart, restaurante que fica ao lado da entrada do Hipódromo da Gávea. Enquanto olhávamos o cardápio, minha filha com 4 anos disse ao maitre que queria arroz com feijão. Todos acharam graça da menininha, mas percebi que o maitre cochichou algo com o garçom. Trouxeram-lhe um prato de arroz com feijão que ela devorou. E isto não foi cobrado na conta. Um simples detalhe, mas algo que marcou. Simpatia carioca e hospitalidade que não se encontra necessariamente em outros lugares.


Tive ótimas impressões também do Gula Gula, um restaurante que para mim tem a cara do Rio. Despojado e comida muito boa. Uma ótima dica no centro é o Café Odeon, na Cinelândia. Um café no estilo parisiense, com boa comida e bruschettas de dar água na boca.


Digo o mesmo dos hotéis. Nas últimas viagens a trabalho, sempre tenho sido bem recebido.


Acho também que São Paulo é uma excelente opção para os cariocas. Há agora duas mostras em São Paulo que merecem uma visita: Leonardo da Vinci, na Oca, e as gravuras de Goya, no MASP. Sem falar no recente Museu da Língua Portuguesa que é um sucesso de público. Isto mostra que brasileiro tem interesse por cultura, basta apenas divulgar e incentivar a visitação.


Restaurantes em São Paulo não faltam. Mas aqui também, sempre tem alguma novidade muito boa a ser descoberta. Outro dia fui ao Shimo, um restaurante japonês modernoso. Há diversas opções de pratos quentes para quem não gosta de sushi e sashimi. Ou então, qualquer um dos restaurantes da Rua Amauri para quem gosta de badalação.


Enfim, fica o registro de que as duas maiores cidades do país tem muito a oferecer. É só ir atrás, descobrir e explorar.

NOTA: A foto que ilustra este post é do Parque do Ibirapuera, ótimo local para passeios a pé.

segunda-feira, 26 de março de 2007

Singela lembrança de Josué Montello

No dia 15 de março fez um ano que Josué Montello deixou-nos. Um dos acadêmicos mais antigos na Academia Brasileira de Letras, o escritor maranhense deixou uma das mais vastas obras publicadas em vida. Sua prosa é cativante e seus romances prendem a atenção do leitor.

Meu contato com o escritor se deu recentemente e motivado por uma daquelas coincidências inexplicáveis da vida. Coincidência que se não tivesse acontecido, provavelmente teria perdido o estímulo de conhecer Josué Montello. Li Janelas Fechadas em janeiro e comentei em alguns dos primeiros posts neste blog.

Recentemente, mudei de rumo e parti para uma obra autobiográfica. Mergulhei no seu Diário da Noite Iluminada (Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 1994), que retrata os anos de 1977 a 1985. Nunca fui muito afeito a biografias, mas de uns tempos para cá, tenho lido livros de memórias. Percebo que estes escritores, no momento da vida em que se encontram, lançam luz para os mais jovens com sabedoria. Diria que nos mostram um pouco do caminho da vida e aonde vamos chegar.

A leitura se torna um mapa da vida e uma reflexão sobre o momento presente. Sinto nas palavras de Josué Montello transbordar a delicadeza e a sensibilidade, como se falasse aos mais jovens. No Prefácio da obra, ele justifica a razão de escrever um Diário. Vou pinçar um trecho do Prefácio:

Diligentemente, cuidadosamente, tratei de reter neste longo registro de meu destino o tempo que ia fluindo. Entretanto, por maior que seja nosso cuidado e a nossa vigilância, só em parte conseguimos guardar as horas que se esvaem, como se espetássemos, no painel das lembranças, asas de borboletas. Daquelas que tatalaram diante de nossos olhos, coloridas, leves e nervosas, e que apanhamos no ar, frágeis e belas, para que facilmente nos refluam à memória, na imobilidade do vôo interrompido.”

Ao congelar a borboleta em pleno vôo, Montello nos conduz por anos importantes da vida brasileira. É um livro para ser lido com calma, pois os comentários estão divididos por dias. Vou separar alguns e colocá-los aqui nos próximos dias.

Crônica: A Quaresmeira


O sol já ia alto naquela manhã de domingo de carnaval. Passava das 10 e uma leve brisa seca amenizava o calor dos raios solares. Pedro caminhou pela trilha que riscava o gramado defronte da casa e contornava o morro. A descida era suave e andava a passos lentos, contemplando as flores e o verde ao seu redor.

A Quaresmeira, carregada de flores, sombreava parte do gramado recém-aparado pelo caseiro. Parou e fitou as flores roxas. Sentou-se na relva, esticou as pernas e apoiou-se com os braços estendidos para trás. As memórias da infância e das longas férias passadas naquela chácara vieram-lhe à mente. Brincadeiras com os primos e os irmãos, as casinhas de bambu construídas, as pipas e as arapucas montadas, as fogueiras e suas labaredas, os tombos, as brigas, as gargalhadas, os sustos....tudo se passava em repetidas imagens.

Então, deitou-se na grama, na sombra, mas de modo que pudesse avistar o céu azul com poucas nuvens. Cruzou as mãos por detrás da nuca, apoiando a sua cabeça. Notou que não deitava no chão há anos. Aquele homem afrescalhado em que se transformara, cheio de manias, de ternos bem cortados e sapatos engraxados impecavelmente, via-se agora deitado na grama. Não chegou a tirar os tênis, não ousaria tanto, mas sentiu-se novamente um menino. As nuvens passavam lentamente e Pedro ia imaginando figuras e mais figuras, desenhos, animais, imagens...

Sem se dar conta, adormeceu.

Pedro estava sentado numa grande mesa. Havia muito barulho, como se fosse um jantar ou uma recepção. Não conhecia as pessoas do seu lado, mas rapidamente avistou Luiza na sua diagonal. Olhou para ela e sorriu. Gritou pelo seu nome, mas foi em vão. Sua boca mexia-se, mas a voz era silente. Suas cordas vocais não reverberavam o ar que brotava de seus pulmões. O movimento da boca era inútil.

Reparou que Luiza olhava para baixo e seus olhares não se cruzaram. As belas mãos, de dedos longos e finos, as unhas bem cuidadas atraiam o olhar de Pedro, que se fixou nelas.

Tentou levantar-se da cadeira, erguer os braços, mas estava colado por uma força invisível que o impedia de se mover. Debalde voltou a gritar por Luiza, que o tratava com indiferença. De repente, a mesa começou a se mover e a se esticar. Luiza se distanciava de Pedro que lutava cada vez mais intensamente para se mexer. Não havia meios de conseguir desgrudar daquela força magnética. Seus olhos fitavam Luiza de forma fixa e apaixonada, porém ao vê-la se distanciar, sua feição passou a ser de angústia e desespero.

Uma forte luz vinda do alto repousava sobre os cabelos longos de Luiza. De súbito foi tomada por dois homens que a levaram da mesa, um segurando-lhe o braço esquerdo e outro segurando-lhe o braço direito.

Sentou-se na grama ao sentir a mordida de uma formiga no canto do olho esquerdo. Notou três urubus que sobreavam por cima dele, já em altura mais baixa, esperando a hora para degustar aquele grande ser que ali repousava. Despertou do breve cochilo assustado e desnorteado com o sonho. Tentava fazer sentido de todas aquelas imagens. A rejeição de Luiza o incomodara. A sua impotência deixara-o com um gosto amargo na boca.

Levantou-se, ainda suado, e rumou para a casa que ficava no alto do morro.

Como poderia ter sonhado tão confusamente em apenas 15 minutos? Estava perplexo e com um pressentimento ruim. Pensou em ligar-lhe, mas era domingo de carnaval e não podia fazê-lo. Este era o acordo que haviam definido: sem ligações nos finais de semana e feriados, salvo se houvesse autorização ou alguma emergência.

Será que algo de ruim lhe acontecera? Algum acidente na estrada? Algum assalto, alguma doença, alguma notícia ruim? Pedro pressentia o pior e aqueles urubus sobrevoando sua cabeça não eram bom presságio.
Só restava-lhe esperar a passagem dos dias e dar tempo ao tempo.

domingo, 25 de março de 2007

Poesia: Vinicius de Moraes

Comentários não são necessários. Não sou poeta, mas sinto a dor. Não sou poeta, mas busco algo intangível que ainda não conquistei. Não sou poeta, mas mergulho no infinito, no profundo do eu, incansável à procura de algo.


O POETA

A vida do poeta tem um ritmo diferente
É um contínuo de dor angustiante.
O poeta é o destinado ao sofrimento
Do sofrimento que lhe clareia a visão de beleza
E a sua alma é uma parcela do infinito distante
O infinito que ninguém sonda e ninguém compreende.

Ele é o eterno errante dos caminhos
Que vai, pisando a terra e olhando o céu
Preso pelos extremos intangíveis
Clareando como um raio de sol a paisagem da vida.
O poeta tem o coração claro das aves
E a sensibilidade das crianças.
O poeta chora.
Chora de manso, com lágrimas doces, com lágrimas tristes

Olhando o espaço imenso da sua alma.
O poeta sorri.
Sorri à vida e à beleza e à amizade
Sorri com a sua mocidade a todas as mulheres que passam.

O poeta é bom.
Ele ama as mulheres castas e as mulheres impuras
Sua alma as compreende na luz e na lama
Ele é cheio de amor para as coisas da vida
E é cheio de respeito para as coisas da morte.

O poeta não teme a morte.
Seu espírito penetra a sua visão silenciosa
E a sua alma de artista possui-a cheia de um novo mistério.
A sua poesia é a razão da sua existência
Ela o faz puro e grande e nobre
E o consola da dor e o consola da angústia.

A vida do poeta tem um ritmo diferente
Ela o conduz errante pelos caminhos, pisando a terra e olhando o céu
Preso, eternamente preso pelos extremos intangíveis.


Vinicius de Moraes. (As Coisas do Alto. São Paulo : Companhia das Letras, 1993, p. 63-4.)

sexta-feira, 23 de março de 2007

Teste seus conhecimentos.

É meu caro amigo, primeiro temos um presidente que é mestre em pérolas. Ouvir um discurso do Lula é o melhor programa de humor no Brasil. Com ele aprendemos sobre o ponto "G" na Rodada Doha, que estudar melhora a massa encefálica do cérebro e que os usineiros são os grandes heróis nacionais, os salvadores da pátria. Não tem nem para o Hugo Chávez. Viva os senhores de engenho!

Mas voltando ao assunto, Reinaldo Azevedo publicou um post em seu blog sobre uma prova de vestibular aplicada pela Universidade Federal de Pernambuco para ingresso no curso de Filosofia. É triste, mas cômico!

Vale a pena ler e rir, ou então chorar. Hoje é 6a. feira e eu ri muito do texto. Ia postar o link, mas o blog da Veja não está funcionado direito. Então aqui vai o texto:

"Uma prova da Universidade Federal de Pernambuco e a revolução cultural do ministro Haddad
quarta-feira, 21 de março de 2007, 18:36:33 Reinaldo Azevedo

Vocês sabem que não é apenas o PIB que passa por uma revolução sob o governo do Apedeuta. Também a educação. Uma nova aurora se anuncia. Ao lançar outro dia um pacote para o setor o Lula disse que taí uma área com a qual não se pode brincar. Ou o resultado é analfabetismo na certa. Corajoso!

A Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) tem um programa chamado “Ingresso Extravestibular”. Liguei pra lá. Informam-me que é destinado — a moça não sabia direito, mas é mais ou menos isto — a quem já tenha um curso de graduação e queira fazer outro. Ou quase isso. Ficaram de me enviar um e-mail explicando, mas acho que esqueceram. O que importa é que o estudante ingressa na graduação fazendo uma outra prova, que não o vestibular tradicional. Segundo entendi, é um teste feito pela própria universidade.
Abaixo, reproduzo algumas questões da prova aplicada para o ingresso no curso de filosofia. O conjunto da obra mereceria um tratado. Antes que o candidato comece a responder as 25 questões, há 11 instruções/informações. Entre elas, temos a de nº 4: “Todas as questões desta prova são de múltipla escolha, apresentando como resposta uma alternativa correta.” Fiquei mais tranqüilo. Começarei pela mais interessante: a de nº 23 (colo o texto como está no site da universidade, incluindo a falta de apreço dos valentes pelas maiúsculas). Reparem:

23. Relacione estas obras aos seus autores: Ametamorfose / Auto da compadecida / O conceito deangústia / Grande Sertão Veredas / Verdade e Método:
A) Freud / Gilberto Freire / Sartre / Graciliano Ramos/ Heidegger.
B) Kafka / Ariano Suassuna / Sartre / GracilianoRamos, Descartes.
C) Paulo Coelho / Fernanda Montenegro / Heidegger/ Gilberto Freire / Descartes.
D) Freud / Ariano Suassuna / Heidegger / GracilianoRamos / Gadamer.
E) Kafka / Ariano Suassuna / Kierkegaard /Graciliano Ramos / Gadamer.

Huuummm. Vamos lá, leitor amigo. A Metamorfose é de Kafka. Oba! Vou acertar. Fiquei entre as alternativas B e E. Auto da Compadecida é do “pernambucano” nascido na Paraíba Ariano Suassuana. Xi, ainda a dúvida: B ou E?. O Conceito de Angústia? E agora? Heidegger ou Kierkegaard? (é deste útimo, amigo) “Ah, se tivesse o Google aqui...”, pensava o aluno triste. Mas ele não é bobo. Deixa isso de lado e vai para a obra seguinte: Grande Sertão Veredas. Pô, isso ele lembra. É do Guimarães Rosa, certo? Certíssimo. Mas cadê o Guimarães Rosa nas alternativas? Meu Deus! Segundo a Universidade Federal de Pernambuco, o autor da obra só pode ser GRACILIANO RAMOS!!! Perguntei para a moça que me atendeu, na Assessoria de Comunicação da UFPE, se havia alguma errata sobre a prova. Ela não tinha informação. Como Graciliano entrou no rolo? Ele não escreveu O Conceito de Angústia, mas Angústia. Uma confusão na hora de o examinador fazer pesquisa do Google. Vocês sabem: O Google é analfabeto. Quem não pode ser é o pesquisador.

Estupefatos? Vocês se chocam com pouco. Ainda não viram nada. Antes da questão 23, há a 22!!!

22. Aponte os exemplos de homens éticos com visãofilosófica engajada (para além da hipocrisia):
A) Bush, Olavo de Carvalho, Editora Abril, Inocêncio de Oliveira e Roberto Marinho.
B) Dalai Lama, Gandhi, Marina da Silva, Frei Beto e Dom Helder.
C) FHC, Marco Maciel, ACM, Ratinho e Reginaldo Rossi.
D) Leonardo Boff, Irmã Dulce, Ariano Suassuna, Betinho e Zilda Arns.
E) Dalai Lama, Gandhi, ACM, Frei Beto e Leonardo Boff.

Viram no que gastam o seu dinheiro, leitor amigo? Não sei se entendem. Na questão acima, é preciso falar de ética “além da hipocrisia”, e isso significa que estão fora, claro, Bush, Olavo de Carvalho, Editora Abriil, Inocêncio de Oliveira, Roberto Marinho, FHC, Marco Maciel, ACM, Ratinho e Reginaldo Rossi. Repararam? Todas essas pessoas (e até a Abril, que pessoa não é) devem ser colocadas num mesmo saco de gatos se você quer cursar filosofia na Universidade Federal de Pernambuco. Só resta mesmo, no teste ideológico, as alternativas B e D. Acredito que a resposta certa seja a B. São exemplos de homens éticos “Dalai Lama, Gandhi, Marina da Silva, Frei Beto e Dom Helder.” Por que não a D? Talvez porque Ariano seja escritor e dramaturgo, e artista não costuma ser muito ético no Brasil... Ou será porque irmã Dulce era amiga de ACM? Estou tão confuso!

Mas a escolinha do professor Fernando Haddad ( ministro que está liderando a revolução cultural) não pára por aí. Ah, não. No besteirol abaixo, peço que atentem, de saída, para o rigor com que se emprega a língua portuguesa, inculta, sim, mas jamais bela:

24. Peter Singer diante do Cristianismo, da Ecologia profunda e da Ética ambiental:
A) esqueceu completamente a natureza, e atualmente continua a mesma situação. Ela não é profunda nem sincera, pois apela para o totalitarismo. A ética ambiental é urgente.
B) estimulou o afastamento do homem com a natureza mas pode ajudar na atualidade. Ela é profunda e romântica, mas pode cair na visão genérica do Todo antes do singular. A ética ambiental é urgente.
C) evitou a violência e pode ajudar na ecologia. Ela é romântica mas não é profunda, tem problemas políticos. A ética ambiental deve ser utilitarista e imediata.
D) teve apenas uma teologia da salvação e não da criação. Ela é traduzida como amor biocêntrico à natureza. A ética ambiental deve ser antropocêntrica.
E) estimulou o conflito do homem com a natureza mas pode empactar na atualidade. Ela é profunda e pictórica, mas pode resurgir na visão genérica do Todo antes do plural. A ética ambiental é passageira.
O que mais me encanta? Os verbos “empactar” — tudo aquilo que, suponho, provoca EMPACTO, e “resurgir”, que, sugiro, passe a ser grafado na UFPE com “ç”: “reçurgir”, para evitar que o desavisado atribua àquele “s” único intervocálico o som de “z”. No que concerne à sintaxe, à organização da frase propriamente, e à clareza, vejam a alternativa A: “Esqueceu completamente a natureza, e atualmente continua a mesma situação. Ela não é profunda nem sincera, pois apela para o totalitarismo. A ética ambiental é urgente.” Ai, Jesus! Quem ou quê “continua atualmente a mesma coisa”? “Ela” quem??? Não é profunda nem sincera? O QUE ISSO TUDO QUER DIZER???

Não é uma piada. O que vai acima está no site da Universidade Federal de Pernambuco. Uma revolução cultural está em curso no país. Já dei uma palestra na UFPE uma vez. Ali encontrei alguns dos estudantes mais preparados do Brasil. E eles não se envergonham menos com isso tudo do que me envergonho eu, brasileiro que sou, como os pernambucanos. A questão é nacional, não regional. Nisto torram o seu dinheiro: ignorância, proselitismo ideológico, vulgaridade.

Quando fui fazer a tal palestra, um grupo de estudantes do PT e do PC do B fez panfletagem no campus conclamando os alunos a não comparecer ao evento. Eu era caracterizado no panfleto como um reacionário, perigoso direitista e, mais engraçado, “contra o ensino universitário público, gratuito e de qualidade”. Até brinquei com os presentes: “Sacanagem comigo! Sou contra o ensino universitário gratuito, sim. Público, embora não precise, ele até pode ser. Mas juro que nada tenho contra a qualidade”.

quinta-feira, 22 de março de 2007

Pausa para um café.

Era perto do meio-dia quando fiz uma pausa para um café. Pausa no meio da manhã corrida de trabalho. Fiquei olhando a Av. Paulista da janela, uma visão meio cinza, como o dia de hoje. E então, do nada - como sói acontecer (para dar uma de Dom Casmurro) - uma gostosa inspiração. Momentos em que as palavras brotam e parecem dançar no ar, reunindo-se, agrupando-se, formando sentenças e sentido. São meus momentos de êxtase, sublimes e que me fazem sorrir. São momentos que inundam a alma de uma paz inebriante. Como se alguém, ao longe transmitisse um pensamento ou que Deus soprasse no meu ouvido palavras de conforto.

Não, não estou tendo visões mediúnicas, nem tampouco levitando. Era apenas inspiração. E uso as palavras como blocos de montar para tentar dar algum sentido ao que senti.

"A amizade é poesia escrita em gestos, olhares, abraços e carinho. A amizade é poesia atenta que sente o espírito. A amizade é a poesia da vida."
(RLBF)

Amizade. Amigo. Palavras que representam algo sem o qual não podemos viver.

quarta-feira, 21 de março de 2007

A vida é feita de escolhas


Vou fazer um post em duas partes hoje. Primeiro, o texto integral de um poema de Robert Frost, poeta norte-americano. O poema chama-se The Road Not Taken (A estrada não escolhida). Nascido em San Francisco a 26 de março de 1874 e falecido em 29 de janeiro de 1963. Seus poemas são bucólicos e retratam a vida no campo e nas montanhas, sempre evocando a natureza. São poemas que usam a natureza como metáfora dos sentimentos e da vida.


The Road Not Taken trata de escolhas. Escolhas que fazemos ao longo de toda nossa vida. Mas o comentário vem a seguir, depois do texto.


THE ROAD NOT TAKEN


"Two roads diverged in a yellow wood,

And sorry I could not travel both

And being one traveler, long I stood

And looked down one as far as I could

To where it bent in the undergrowth;

Then took the other, as just as fair,

And having perhaps the better claim,

Because it was grassy and wanted wear;

Though as for that the passing there

Had worn them really about the same,

And both that morning equally lay

In leaves no step had trodden black.

Oh, I kept the first for another day!

Yet knowing how way leads on to way,

I doubted if I should ever come back.

I shall be telling this with a sigh

Somewhere ages and ages hence:

Two roads diverged in a wood, and I

I took the one less traveled by,

And that has made all the difference."


O viajante depara-se com uma bifurcação na estrada e pausa. Contempla os dois caminhos, um menos gasto que o outro. Hesita e escolhe o caminho menos viajado, menos pisado. Com o passar dos anos, olha para trás e afirma: "escolhi o caminho menos viajado e isto fez toda a diferença."


Sempre gostei deste poema. Sei-o decor e repito-o todas as vezes em que me deparo com uma escolha difícil. Foi assim quando larguei meu emprego de advogado em um banco para abrir escritório. A maioria das pessoas me desencorajou. Tentaram me dissuadir. Segui em frente e se passaram 9 anos. Não me arrependo, mas sei que escolhi o caminho menos viajado, o mais difícil.


A vida é feita de escolhas. Elas se apresentam, quando não diariamente, de forma repetida ao longo da vida. Se estamos vivos, temos que escolher. Falar ou não falar, amar ou não amar, chorar ou rir, acovadar-se ou lutar. A resposta só o tempo nos dá. Não conseguimos controlar o destino e isto nos deixa angustiados, inquietos e ansiosos. Entendo cada dia mais esta angústia que nos afeta no mundo moderno. Talvez seja a maturidade.


As escolhas do passado já foram feitas. O passado não pode ser mudado, como Cícero já havia dito em Roma. Não vou fazer citações em latim aqui, mas a frase continua verdadeira. Só podemos mudar o presente, e isto afetará o futuro. Certezas não há. A vida é cheia de riscos.


Outro dia, um grande amigo que pensa em se casar me perguntou, como se eu fosse um sábio tibetano com todas as respostas: "Como é que eu sei que ela é a mulher da minha vida?". Tive que segurar o riso e lhe disse: "Você não sabe! Não há como ter certeza. Você pode achar isto hoje, mas um certo dia pode cruzar uma outra mulher e ela lhe arrebatar o coração. O mesmo pode acontecer com sua namorada ou futura esposa. Não sabemos. Você tem que escolher e decidir. Mas algumas coisas na vida temos que decidir sem pensar muito, senão o medo nos paralisa."


Engraçado como o incerto nos amedronta. Ficamos inseguros e saímos da zona de conforto. É, bons os tempos em que éramos crianças. Ser adulto é complicado. Mas as alegrias desta aventura chamada vida valem a pena!

terça-feira, 20 de março de 2007

A Elegância do Comportamento

O texto do post de hoje é atribuído a Henri Toulouse Lautrec. Digo atribuído porque copiei-o de um site e não posso atestar à credibilidade da autoria. O fato é que o texto não é meu e vamos dar valor a quem é o autor.

Algo leve para se ler neste primeiro dia de outono, que aliás está delicioso em São Paulo. Pelo menos hoje o dia aqui está mais bonito que no Rio.

"Existe uma coisa difícil de ser ensinada e que, talvez por isso, esteja cada vez mais rara: a elegância do comportamento. É um dom que vai muito além do uso correto dos talheres e que abrange bem mais do que dizer um simples obrigado diante de uma gentileza. É a elegância que nos acompanha da primeira hora da manhã até a hora de dormir e que se manifesta nas situações mais prosaicas, quando não há festa alguma nem fotógrafos por perto. É uma elegância desobrigada.

É possível detectá-la nas pessoas que elogiam mais do que criticam. Nas pessoas que escutam mais do que falam. E quando falam, passam longe da fofoca, das pequenas maldades ampliadas no boca a boca. É possível detectá-la nas pessoas que não usam um tom superior de voz ao se dirigir a frentistas, por exemplo. Nas pessoas que evitam assuntos constrangedores porque não sentem prazer em humilhar os outros. É possível detectá-la em pessoas pontuais.

Elegante é quem demonstra interesse por assuntos que desconhece, é quem presenteia fora das datas festivas, é quem cumpre o que promete e, ao receber uma ligação, não recomenda à secretária que pergunte antes quem está falando e só depois manda dizer se está ou não está.

Oferecer flores é sempre elegante. É elegante não ficar espaçoso demais. É elegante você fazer algo por alguém, e este alguém jamais saber o que você teve que se arrebentar para o fazer... porém, é elegante reconhecer o esforço, a amizade e as qualidades dos outros. É elegante não mudar seu estilo apenas para se adaptar ao outro. É muito elegante não falar de dinheiro em bate-papos informais. É elegante retribuir carinho e solidariedade. É elegante o silêncio, diante de uma rejeição.

Sobrenome, jóias e nariz empinado não substituem a elegância do gesto. Não há livro que ensine alguém a ter uma visão generosa do mundo, a estar nele de uma forma não arrogante. É elegante a gentileza. Atitudes gentis falam mais que mil imagens. Abrir a porta para alguém é muito elegante. Dar o lugar para alguém sentar é muito elegante. Sorrir, sempre é muito elegante e faz um bem danado para a alma. Oferecer ajuda é muito elegante. Olhar nos olhos, ao conversar é essencialmente elegante.

Pode-se tentar capturar esta delicadeza natural pela observação, mas tentar imitá-la é improdutivo. A saída é desenvolver em si mesmo a arte de conviver, que independe de status social. Se os amigos não merecem uma certa cordialidade, os desafetos é que não irão desfrutá-la."
Amanhã tem mais!

segunda-feira, 19 de março de 2007

Poesia: SUSSUROS

SUSSURROS

Não sei se escutas meus sussurros
No silêncio da noite
Por vezes em voz alta
Por vezes em pensamentos
Mas não me importa a resposta
Continuo a fazê-los
Incansável
Para que saibas
Que penso em ti!

Sozinha não te deixarei
Desamparada não te sentirás
Ainda que sussuros recaiam em ouvidos moucos
Ainda que se percam na distância
Ainda que o tempo nos afaste
Continuarei a fazê-los
Continuarei a sussurrar-te

O tempo não me calará
E esperarei
E esperarei
Um dia chegar
E assim responderá.

(RLBF)

domingo, 18 de março de 2007

Presente em corpo, ausente em alma.



Mencionei num post recente sobre Dom Casmurro, a cena em que Capitú se apresenta distante, ausente de espírito na conversa com Bentinho. Cena que é citada pelo narrador como um dos exemplos que levaram Bentinho ao convecimento do adultério de Capitú.
Podemos estar presentes em corpo, mas distantes em alma, verdadeiramente ausentes. A distinção entre viver e existir, olhar e ver, ouvir e escutar, não é meramente semântica. É uma diferença de atitude.
Acabei de ler Erec e Enide, de Manuel Vázquez Montalbán, escritor espanhol recentemente desaparecido. A edição brasileira é da Objetiva (2007), sob o selo Alfaguara.
Trago alguns trechos para ilustrar o que quero dizer: "(...)e nem por isso deixou de dormir comigo naquele encontro, mas a senti aérea, rotunda como sempre, mas aérea, como se estivesse e não estivesse comigo(...)" (p. 22).
Em outro trecho, Madrona, mulher de Julio Matasanz, o protagonista do romance, reflete: "Custo a admitir que penso em Julio porque estou mal, e se ao menos bastasse voltar para casa e recuperá-lo, sentiria alguma segurança de ânimo e não me forçaria a ir fazer as compras para compensar uma angústia tão incômoda que nem sequer se concretizava, uma sútil angústia feita de pressentimentos, de intuição feminina, como eu mesma diria anos atrás, quando ainda acreditava na intuição feminina, antes de suspeitar que não passava de uma questão de desconfiança incontrolável na alma de todos os escravos."(p. 38).
A intuição feminina que tanto aflige os homens, pode falhar e quando falha, ou melhor quando não percebe a distância, a ausência do homem e do companheiro, pode trazer uma profunda sensação de solidão ao homem. "Ela não me dá atenção mais! Ela não me percebe a ponto de notrar minha ausência!". Hoje, o cenário se inverteu. As mulheres têm a intuição feminina, que os homens não têm. Mas se a intuição feminina falha, se aquela pulguinha atrás da orelha não acusar algo de errado, o homem sente-se desamparado.
Este desamparo emocional - infelizmente tão comum nos dias modernos nos casamentos e relacionamentos - causa profunda angústia e desespero. Um sentimento de caminhar sem rumo, de estar à deriva, ou no "mundo da lua". Passamos a existir apenas, sem viver. Passamos a olhar apenas, sem ver com o coração. Deixamos de ouvir o que os outros nos dizem, mas apenas escutamos.
Quando notamos que alguém nos ouviu, e retruca, uma luz clareia o redor. A vida se modifica. A amizade pode fazer isto. Não precisa ser uma paixão arrebatadora correspondida. Basta ser amigo de verdade, sincero, compreensivo. Ouvir e ver. Estar do lado nos momentos de silêncio em que precisamos de silêncio ou precisamos chorar.
Mas é triste ter alguém do lado e não notarmos que está ausente. Erec e Enide é um romance que trata do sentido da vida, de questionamentos acerca do casamento e dos relacionamentos no mundo moderno. Não concordo totalmente com a visão pessimista de Montalbán, mas concordo que muitos nos sentimos como ele tão bem descreve.
NOTA: A foto que ilustra este post foi reproduzida com autorização da autora.

sexta-feira, 16 de março de 2007

Crônica: Borboleta Azul


Aninha corria pelo gramado assustando os grilos que saltavam. Tentava pegá-los com suas pequenas mãos, mas eles eram mais rápidos. Incansável, a pequena menina de 5 anos insistia. Queria aprisionar um deles em suas mãozinhas. Ficou nesta caçada por vários minutos, sem perceber o tempo passar e sem notar o pai que a acompanhava de longe na varanda, degustando aquele momento pueril e relembrando seu tempo de criança. “Bons tempos. Como é bom ser criança” – pensou.

Entre as flores do canteiro, numa hortênsia florida, Aninha encontrou uma borboleta. Aproximou-se lentamente, colocou as mãozinhas sobre os joelhos, curvou-se e, hipnotizada, congelou seu olhar no pequeno inseto. Uma borboleta com asas azuis. Um azul forte, intenso, vivo, mais escuro que céu, mais escuro que o azul do mar. Suas asas tinham uma borda preta que emoldurava o azul das asas.

O pai achegou-se por trás de Aninha, sem fazer barulho, silenciosamente e postou-se ao lado dela. Os dois olhavam a borboleta. Aninha olhou para o pai, sem dizer uma palavra, mas pedindo que ele pegasse a borboleta para ela.

“Filha, vc achou uma linda borboleta!” – exclamou o pai. “Não precisamos pegá-la. Deixe ela livre. Olha que linda.”

A feição da menina entristeceu-se. O pai sentou-se na grama e colocou Aninha em seu colo.

“Não fique triste. Se prendermos a borboleta ela morrerá. Não vamos machucá-la. Deixe-a voar.”

A borboleta azul continuava parada sobre a flor. Aninha ainda queria pegá-la, senti-la em suas mãos.

“Pai, de onde vêm as borboletas?”

“Elas nascem num casulo. São a fase final da vida de uma lagarta, que se transforma.”

“A lagarta vira borboleta?” – espantou-se. “Mas a lagarta é tão feia, tão nojenta e vira este bichinho lindo?”

“Sim, minha filha.” – respondeu o pai carinhosamente. “A lagarta pode ser feia, mas depois vira uma linda borboleta, que voa e deixa a natureza mais bonita. É um pouco como a gente. A gente cresce, muda, se transforma e vira uma pessoa mais bonita.”

“Mas eu não sou feia como a lagarta!” – retrucou.

“Não, minha filha, você é linda. Mas todos nós precisamos saber que temos defeitos, coisas feias, que precisamos nos esforçar para mudar. E a mudança a gente só consegue com esforço e com o tempo. Você já é linda, mas vai ficar mais linda ainda se souber achar os seus defeitos e transformá-los em coisas boas, em borboletas azuis!”

Aninha ficou pensativa. Havia entendido o que o pai queria dizer. A borboleta voou e pousou sobre o braço de Aninha. Ela sorriu, permanecendo imóvel.

“Ela gostou de você! Quando crescer vai ser uma linda mulher, e será mais bela se transformar suas lagartas em borboletas azuis.”

Aninha nunca se esqueceu daquele dia, do conselho de seu pai. Nunca se esqueceu da borboleta azul que hoje repousa em uma tatuagem na nuca escondida sobre seus longos cabelos.

A bagunça continua na aviação

Vou ser repetitivo sim: a bagunça continua nos aeroportos brasileiros. E desta vez, a cena foi inédita.

Embarquei ontem para o Rio, na hora do almoço. Todos embarcados com 30 minutos de atraso. Até aí, já estou acostumado. Mas não gostei da atitude da TAM de liberar assentos no vôo. Para que se marca assento então?

Todos acomodados, o comandante avisa: "Devido ao espaçamento do tráfego aéreo, teremos que aguardar em torno de 40 minutos em solo, com portas abertas antes de iniciarmos o vôo." Houve uma vaia geral.

Passam-se os 4o minutos e avião deixa o portão (ou "finger" para os entendidos). Quase na cabeceira da pista, o segundo avião da fila para decolar, vem o comandante de novo. "Devido a uma necessidade prioritária de um passageiro, teremos que retornar ao portão de embarque e isto atrasará nossa decolagem em pelo menos mais 1 hora!" Um passageiro levanta-se irado e parte em direção à cabine de comando. Vaia generalizada e gritos, xingamentos, berros. Ocorre um bate-boca na cabine entre comissárias, passageiro e comandante - e lembrem-se estamos na fila para decolar.

O problema se resolve, soam aplausos e os passageiros revelam-se indignados. O motivo "prioritário" era que uma passageira já tinha perdido o compromisso dela no Rio e, portanto, pediu para descer do avião! Acreditem se quiser! Se não fosse o nosso colega irado partir para cima do comandante, teríamos ficado mais 1 hora em solo. Coisas de um Brasil que tenta crescer.

Hoje, no retorno, o vôo chegou com 10 minutos de antecedência. Um milagre de 6a feira!

Mas o mais grave desta história é que o Governo não percebe que as pessoas estão deixando de viajar, ou viajam com um dia de antecedência, pois o sistema de transporte aéreo deixou de ser confiável no Brasil. E isto quer dizer que o país deixa de produzir e gerar riqueza. Nâo adianta PAC, tem que consertar primeiro os gargalos, senão o apagão não vai ser só aéreo.

quarta-feira, 14 de março de 2007

Dia da Poesia: Cecília Meireles

Hoje é dia da Poesia. No Brasil, há dia para tudo, menos para não pagar imposto. Não vamos estragar a festa. Escolhi um poema especial. Um poema que retrata o suspiro, a delícia de ouvir um nome, de sonhar com um nome, de se arrepiar com um nome. Um nome que é de uma pessoa viva, de uma pessoa querida.

Deixo-os com um poema de Cecília Meireles, de sua obra Canções:

RESPIRO TEU NOME

Respiro teu nome
Que brisa tão pura
súbito circula
no meu coração!

Respiro teu nome.
Repentinamente,
de mim se desprende
a voz da canção.

Respiro teu nome
Que nome? Procuro...
- Ah! teu nome é tudo.
E é tudo ilusão.

Respiro teu nome.
Sorte. Vida. Tempo.
Meu contetamento
é límpido e vão.

Respiro teu nome.
Mas teu nome passa.
Alto é o sonho. Rasa,
minha breve mão.

(Canções. Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 2005, p. 10-11)


O tempo pode ser curto e breve, o encontro efêmero demais, mas teu nome permanece comigo e nunca passa.

Bentinho e o irracional


Li Dom Casmurro duas vezes. Só tive contato com a obra de Machado de Assis depois dos 30 anos. Foi uma falha na minha formação humanística. Lê-lo, porém, na maturidade deu-me enorme prazer. A dúvida que remanesce na cabeça do leitor acerca da paternidade de Ezequiel não é respondida. Talvez, se o romance tivesse sido escrito nos dias de hoje, Bentinho pediria um exame de DNA, ajuizaria uma ação de investigação de paternidade e tudo se resolveria. E tiraria a graça do romance.

O que mais me chamou a atenção em Dom Casmurro é a racionalidade de Bentinho. Creio que me identifiquei um pouco. O conflito racional versus emocional permeia uma série de obras clássicas. Desde a Grécia antiga, encontramos este dilema. Antígona se sacrifica pelo irmão conduzida estritamente pela racionalidade, pelo certo. Romeu e Julieta morrem abraçados e levados apenas pelo amor, pelo emocional. São apenas alguns exemplos para ilustrar meu argumento.

Bentinho é um sujeito racional, um ciumento doentio. A cena do Capítulo CVI parece-me o ponto de partida da suspeita. Transcrevo um trecho:

Foi justamente por ocasião de uma lição de astronomia, à praia da Gloria. Sabes que alguma vez a fiz cochilar um pouco. Uma noite perdeu-se em fitar o mar, com tal força e concentração, que me deu ciúmes.” (p. 327)

A cena do olhar distante revela que Capitu havia conversado com Escobar e este lhe ajudara a economizar dez libras esterlinas. Em palavras de hoje, Capitu usou Escobar para aplicar o dinheiro que rendeu juros.

Esta cena tem 2 aspectos que merecem reflexão: o ciúme e o olhar distante. Fiquemos com a mais óbvia primeiro e tornarei a falar do olhar distante em outro post, trazendo trechos de autores modernos.

Quando estava no seminário, Bentinho já sofrera de ciúmes quando fora comunicado que Capitu vivia alegre e contente. Achou que ela tinha arrumado outro namorado, que estava feliz pela distância. Depois no enterro de Escobar, Bentinho interpreta o olhar como a prova final. O trecho é do Capítulo CXXIII:

No meio della, Capitu olhou alguns instantes para o cadáver tão fixa, tão apaixonadamente fixa, que não admira lhe saltassem algumas lágrimas, poucas e caladas...” (p. 374).

Aquele gesto foi para Bentinho a confissão. Sua racionalidade havia produzido uma realidade – talvez – diversa da verdadeira. Uma realidade imaginária, fruto de seus pensamentos. Algo meio Kantiano, onde a única realidade que existe é a do pensamento. O bom senso levaria Bentinho a confrontar Capitu com suas dúvidas. Mas ele não o faz. E o fim trágico do romance se dá por causa do silêncio de Bentinho.

Há um certo delírio nas conclusões de Bentinho, mas acho que qualquer psicólogo poderia explicar que o ciúme doentio é uma patologia que carece de tratamento. O ciúme é algo irracional, mas do qual não podemos fugir. Todos sentimos ciúme. O grau é que varia. O ciúme pode ser bom e lembrar-nos de quão verdadeiro e sincero é o sentimento pela pessoa querida, mas não pode – e não deve – levar-nos a envenenar o relacionamento. É preciso sangue frio ou contar até dez para deixar a poeira baixar e então confrontarmos a situação. Normalmente o passar do tempo revela que aquele ciúme é uma grande besteira. O que não podemos é deixar o ciúme minar e corroer nossas entranhas a ponto de não falarmos, a ponto de distanciarmos da pessoa, a ponto de desistirmos da pessoa querida.



Uma observação final: os trechos foram transcritos de uma edição de 1938, razão pela qual há aparentes erros ortográficos. A edição é da W.M. Jackson Inc. Editores, Rio de Janeiro. No português antes da reforma ortográfica, Céu era escrito como Céo. Curioso não?

segunda-feira, 12 de março de 2007

Poesia: AO CAIR DA TARDE

AO CAIR DA TARDE

A penumbra avança
E escrevo-te estas linhas
Lançadas no papel branco
Palavras que brotam do coração
Coração apertado
Que busca tua alma
Tocá-la de forma indelével
Levantar-te do sono profundo
Arrastar-te da deriva
Despertar-te para o sol
Alçar-te para vôos altos
Guiar-te pela vida
Com passos largos
Com rumo certo
Dou-te a mão forte
E mesmo cegada pelo amargor
Anseio conduzi-la numa jornada única
Até a planície florida
Ao campo sem sombras
Onde não há prantos nem lágrimas
Onde o céu é sempre anil
Onde o sorriso nunca fugirá do teu lindo rosto
Onde o amor frutificará
E a felicidade será tua companhia
Por todos os dias
E por todas as noites
De lua cheia ou lua nova.

(RLBF - mar 07)

domingo, 11 de março de 2007

Ouvindo o silêncio

O poeta é o ser humano capaz de congelar no papel a descrição de uma situação universal com precisão única. Definição assaz acadêmica, ou técnica. Mas trazendo para o chão de nós mortais, o poeta capta o sentimento e consegue descrever o que sentimos de forma irretocável.

Nesta tarde de domingo, que seguiu-se a uma linda manhã de sol, vieram as chuvas típicas: fortes e rápidas. Peguei uma obra de Vinicius de Moraes e passei a folheá-la. Procurava algo para o blog. Mas queria algo que me dissesse alguma coisa. E encontrei. Encontrei algo que disse o que jamais conseguiria dizer. Vasculho os poetas e sempre – por incrível que possa parecer – me deparo com um poema que retrata com beleza o sentimento ou o momento que quero comentar. É algo singelamente fascinante descobrir palavras para descrever algo.

Foi assim que cruzei com TARDE, que é muito adequado para uma tarde de domingo. Momento de depressão para alguns, momento de alegria para outros. Os três primeiros versos são simples e belos, mas marcantes. “Meu espírito te sentiu”. Ouvir pelo espírito a emoção silenciosa. Ouvir no silêncio a dor e o chamado, ouvir o pensamento. Com a palavra, Vinicius de Moraes.

TARDE

Na hora dolorosa e roxa das emoções silenciosas
Meu espírito te sentiu.
Ele te sentiu imensamente triste
Imensamente sem Deus
Na tragédia da carne desfeita.

Ele te quis, hora sem tempo
Porque tu eras a sua imagem, sem Deus e sem tempo.
Ele te amou
E te plasmou na visão da manhã e do dia
Na visão de todas as horas
Ó hora dolorosa e roxa das emoções silenciosas.


(As Coisas do Alto. São Paulo : Companhia das Letras, 1993, p. 47)

Meu caro leitor, tenta ouvir no silêncio a inquietação de uma alma a quem se quer bem. Se conseguirdes, saberás que quem fala é teu coração.

sexta-feira, 9 de março de 2007

Se eles podem, eu também posso.

Ontem, minha tranquila tarde de trabalho foi invadida por uma manifestação na Av. Paulista. Acabou em pancadaria, como geralmente acaba. E não venham me dizer que a culpa é da polícia. A culpa é de quem provocou e de quem quer parar a cidade para gritar palavras de ordem. Não questiono o direito de livre manifestação, nem a liberdade de expressão. Questiono sim a baderna e a lógica destas manifestações. Vamos lá.

O primeiro carro de som incentivava os manifestantes a gritarem: "Hei, Bush, vai tomar no c...!". Diria que tal grito é tão eficiente quanto xingar um juiz em um estádio de futebol. Mas que atrapalhou a vida da cidade atrapalhou.

No segundo carro, tinha uma mulher que reclamava do imperialismo americano, que o McDonald´s servia comida para engordar as mulheres e que por isto elas eram abandonadas pelos maridos. Hã!?? Típica lógica esquerdista, ou seja, lógica sem nexo. Se ela acha o McDonald´s um braço do império americano, então que não vá no McDonald´s, mas me deixe trabalhar em paz.

Aí veio uma integrante da UBES (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas), também sobre um carro de som. Em alguma língua, que se aproximava do português, dizia que o machismo impedia as manifestações e que o machismo era o grande mal do Brasil. Quem adivinhar a conclusão ganha um doce. Exatamente: quem implementou o machismo no Brasil foi o imperialismo americano.

Fiquei irritado. Fui até minha janela e gritei em alto e bom som palavras de ordem contra os manifestantes. Não usei palavras de baixo calão e acho que eles não me ouviram, mas fiquei aliviado. Desde os tempos de faculdade, provocar petistas é uma das minhas maiores diversões. Dá-me um enorme prazer ver este pessoal visualizar você como o demônio encarnado, um fantoche do império do mal. Eu me divirto muito com isto.

Quando era calouro na São Francisco, numa aula de Teoria Geral do Estado, fiz uma pergunta ao Prof. Dalmo de Abreu Dallari. Sabia que ele era vermelhinho. O que não sabia era que a resposta que ele me deu veio com um agressão pessoal. Até hoje não sei como ele sabia que meu pai trabalhava numa multinacional americana, mas ele sabia. Sabia quem eu era e argumentou com uma lógica típica de quem não tem argumentos. Um professor titular argumentar com um relés calouro deste jeito marcou minha vida. Nunca esqueci deste episódio e nunca vou esquecer.

Aguentei patrulhamento ideológico na faculdade e pude sentir como os petistas são "democráticos". Se eles gostam tanto de Cuba, da Venezuela e da Bolívia, por que não se mudam para lá e deixam a gente trabalhar em paz?

Se eles podem gritar, eu também posso. E fiz isto ontem. E fiquei com alma lavada. Vai mudar o mundo? Não vai, mas não fico quieto.´

quinta-feira, 8 de março de 2007

Viva a diferença!


Hoje é o Dia Internacional da Mulher. Parabéns a todas as mulheres! E como todo mundo vai falar sobre isto hoje, eu também vou.

Comecemos pela explicação da foto. Não se trata de vislumbrar a mulher como ser frágil ou delicada que só gosta de ganhar flores e deve ser tratada como um bibelot precioso. O campo florido é uma imagem agradável, que retrata boas lembranças, ou brincadeiras particulares, que já inspirou grandes pintores e obras de arte. Enfim, alguém vai entender o porquê desta foto.

Depois o título que parece paradoxal. Mas não é! Somos todos a favor de igualdade de direitos, de tratamento equânime entre homens e mulheres no ambiente de trabalho, contra o preconceito e a discriminação. Mas pergunto-me: e as nossas diferenças?

Acho maravilhoso que homens e mulheres sejam diferentes. É um fato. Hoje, na área jurídica, creio que haja mais mulheres do que homens trabalhando e sempre me dei muito bem ao trabalhar com mulheres. Elas são mais detalhistas, mais atenciosas. Elas são mais intuitivas que nós homens, mais perceptivas. Tentamos copiar as coisas boas, mas muitas vezes não temos êxito. Recentemente, falaram-me que tinha muita sensibilidade. Recebi isto como um grande elogio, principalmente vindo de uma mulher.

Mas no ambiente de trabalho, estas diferenças precisam respeitadas e aproveitadas. Explico-me. Uma mulher que tem dupla jornada - e muitas têm - não pode ficar até altas horas no escritório. Isto é compreensível e deve ser compreensível. As empresas devem analisar estes pontos e respeitar esta necessidade feminina de ter mais tempo em casa. Muitas empresas se adaptaram a isto. Não é o caso de achar que a mulher tem menos capacidade de trabalho, nem de que é menos ambiciosa. A capacidade de trabalho da mulher, penso, é maior que a do homem. Os homens raramente têm jornada dupla e a ambição feminina é diferente.

As diferenças não devem ser motivo de discriminação ou tratamento desigual. As diferenças devem motivo de compreensão e complementação no ambiente de trabalho. Por isso, volto a dizer: Viva a diferença! Não devemos procurar que mulheres se pareçam com homens e vice-versa.

quarta-feira, 7 de março de 2007

Crônica: Uma certa madrugada


Acordou de madrugada naquela noite de início de dezembro. A negritude preenchia todo o espaço do quarto. Não havia som ou sinal de luz. Silêncio pleno. Antonio revirou-se na cama, ainda meio sonado e olhou para o relógio que marcava 5:37 da manhã. Estava sereno e sentia-se desperto. De olhos fechados, o pensamento viajou para longe, como costumava fazer nas madrugadas. As noites pareciam um refúgio seguro para uma alma angustiada. Pensava na noite como o purgatório, algo temporário, efêmero, mas necessário para se chegar a contemplar a luz do sol que nasceria em breve.

As imagens formaram-se e a imaginação tomou corpo e forma, quase real. Parecia senti-la ao seu lado e não distante. Um sentimento de paz e tranquilidade tomou-lhe o ser. Algo sublime invadiu sua alma. Pensava nela. Parecia que ela sussurrava ao seu ouvido que de longa distância estava bem, sonhando com ele no sono profundo. Será que ela está acordada? Seria um beijo que me acordou? Seria um suspiro? Seria uma transmissão de ondas telepáticas que me despertaram dos braços de Morfeu? Enfim, com um leve suspiro, deu-se conta de que ela provavelmente dormia a quilômetros de distância, talvez tocada por uma leve brisa vinda do mar em Copacabana, sem perceber meus pensamentos.

Foram alguns minutos, 10 ou 15, mas sorria internamente com aquele senso de paz interior que o pensamento nela lhe trazia. Antonio ajeitou-se na cama, virou para o lado, colocou as mãos por debaixo do rosto e voltou a dormir. Desejava sonhar com ela, desejava tê-la ao seu lado, mas aqueles momentos sublimes, de alegria silenciosa, permitiram que afastasse a angústia dos últimos dias e caísse no sono como um bebê recém-nascido nos braços da mãe.


(RLBF)

segunda-feira, 5 de março de 2007

Escrever: uma forma de terapia.

Desde que comecei a escrever este blog, tenho visitado vários blogs. Geralmente blogs de poesia e literatura, mas tenho parado e lido muitos blogs pessoais. Lugares onde as pessoas abrem sua intimidade e falam de problemas pessoais, dúvidas, questionamentos, reflexões. Percebi algo: os problemas e angústias das pessoas são muito semelhantes!

Marcelo Rubens Paiva, em sua crônica no Estadão de sábado, que trata de separações, conduz o personagem a escrever como auto-terapia. O personagem tenta escrever poesia, mas não sai da primeira linha de seu poema.

Interessante que os blogueiros fazem exatamente isto. Escrevem para fazer auto-terapia. Incluo-me entre estes blogueiros. Sempre escrevi como forma de auto-conhecimento, como forma de terapia. Às vezes, o que vou escrever é antes falado em voz alta. Num final de tarde, como agora, quando o silêncio é meu único companheiro e ouvinte. Sinto que falar sozinho, em voz alta, ajuda a dar forma ao texto. E a escrita, ajuda a dar razão – ou não – às idéias e às coisas que se passam na minha cabeça.

No último post, citei um texto de Drummond em que ele fala da literatura como uma das grandes consolações da vida. Escrever acaba sendo uma forma de consolar a alma, de ouvir o íntimo. E as pessoas têm feito isto através de blogs.

Confesso que não tenho coragem de abrir a alma como muitos fazem em blogs. Coloco no blog um pouco do que penso, mas sem expor muito da intimidade. Isto fica reservado. Acho que é uma forma de se preservar.

O interessante disto tudo é que quando surgiu o email, falavam que o ser humano ia deixar de escrever. Ocorreu o inverso. O ser humano, hoje, escreve muito mais. E divulga o que escreve e pensa. A privacidade e a intimidade ficam mais expostas. Talvez possamos, lendo o que se passa com os outros, entendermos que não somos loucos, nem diferentes. Somos todos humanos, com preocupações iguais, com sentimentos semelhantes, com angústias e aflições.

Continuo escrevendo e continuarei a escrever. Algumas coisas divido com os mais próximos. Outras deixo guardadas. Talvez se percam quando um vírus atacar meu computador, mas me ajudaram a entender melhor a vida.

sábado, 3 de março de 2007

Pedra no meio do caminho

Carlos Drummond de Andrade escreveu no final do prefácio de uma antologia poética editada pela Ed. Record em 1991 (26a. edição organizada pelo autor):

"Acho que a literatura, tal como as artes plásticas e a música, é uma das grandes consolações da vida, e um dos modos de elevação do ser humano sobre a precariedade da sua condição."

Curto e grosso o poeta de Itabira sintetiza com precisão o que acredito. Música e literatura têm sido uma constante companhia. Um mergulho no interior para conhecer melhor o ser humano, para um auto-conhecimento, para consolar-me das agruras e angústias que se apresentam.

A vida coloca-nos pedras, pedriscos, pedregulhos e verdadeiras montanhas no meio do caminho. Quando achamos que tudo corre bem, tropeçamos. Quando parecemos escorregar ladeira abaixo, um galho de árvore nos serve de apoio. Estas metáforas da vida são ricas e permitem dar valor àquele empurrãozinho de um amigo. Ao amigo que escuta, que ajuda que estende a mão. Ao amigo que pressente a tristeza e divide e contagia com sua alegria, dividindo e fazendo mágica.
A pedra no meio do caminho não deve ser motivo de tropeço e queda. A pedra no meio do caminho deve ser motivo de novo impulso e vida. Um novo ânimo para a grande aventura que é a vida.
NO MEIO DO CAMINHO
No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.
Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.
(Carlos Drummond de Andrade. Antologia Poética. 26a. ed. Rio de Janeiro : Record, 1991, p. 196)

quinta-feira, 1 de março de 2007

Parabéns ao Rio de Janeiro!


Não poderia deixar passar batido o aniversário de fundação do Rio de Janeiro. E vou provocar um pouco com esta linda imagem do Pão de Açúcar ao por do sol. Agora entendo porque horário de verão é tão apreciado pelos cariocas. Porque escurece mais tarde e dá para sair do trabalho e contemplar a beleza dessa cidade. Vou ficando mais velho e revendo conceitos. Este ano, pela primeira vez, senti falta do horário de verão. Fim de tarde e vem a penumbra.


Em 1º de março de 1565, Estácio de Sá fundava a cidade que chegou a ser a capital do Brasil e é um centro de cultura e de negócios. Lá se vão 442 anos de vida de uma cidade realmente maravilhosa. Como saiu no Migalhas de hoje, com tamanha beleza, deveríamos falar na descoberta do Rio de Janeiro e não em sua fundação. Concordo em gênero, número e grau.


Tenho que fazer uma confissão, e já disse isto aqui antes. Era implicante com o Rio, com os cariocas e com tudo que tinha a ver com a Cidade Maravilhosa. Isto começou a mudar numa viagem de férias em janeiro de 2005. Mas a minha "conversão" de paulista bobo para um paulista apaixonado pelo Rio deu-se ao longo do ano passado. E isto inclui o jeito de falar, com todas as gírias! Mérito de uma carioca. Aliás, preciso ir ao Rio matar as saudades.

Outono

OUTONO

Galhos mortos
Árvore retorcida
Descolorida
A vida apenas a passar
Nos passos arrastados
Pesados, lentos.

Coração paralisado
Congelado e vazio
Quase moribundo
Despido de sentimento
Embalagem oca
Recheado de vácuo

O ponteiro do relógio corre
Sem dó
Sem pausa
Sem piedade.
A vida escapa
E o amor também.
(RLBF)

Poesias num excelente blog

Navegar por blogs pode trazer gratas surpresas. Recentemente deparei-me com o blog Palavras dos Outros (para o link é só clicar no título do post). É editado em Portugal por Isabel Gonçalves. No link Outras Palavras, uma lista de blogs sobre poesia e reflexões.

É um blog de poesias. Algumas de poetas conhecidos e outros nem tanto, mas todas com susas mensagens. Uma para cada momento. Ou para momentos em que precisamos refletir. Boa leitura e companhia são garantidas neste blog.

Vale a visita!