domingo, 11 de março de 2007

Ouvindo o silêncio

O poeta é o ser humano capaz de congelar no papel a descrição de uma situação universal com precisão única. Definição assaz acadêmica, ou técnica. Mas trazendo para o chão de nós mortais, o poeta capta o sentimento e consegue descrever o que sentimos de forma irretocável.

Nesta tarde de domingo, que seguiu-se a uma linda manhã de sol, vieram as chuvas típicas: fortes e rápidas. Peguei uma obra de Vinicius de Moraes e passei a folheá-la. Procurava algo para o blog. Mas queria algo que me dissesse alguma coisa. E encontrei. Encontrei algo que disse o que jamais conseguiria dizer. Vasculho os poetas e sempre – por incrível que possa parecer – me deparo com um poema que retrata com beleza o sentimento ou o momento que quero comentar. É algo singelamente fascinante descobrir palavras para descrever algo.

Foi assim que cruzei com TARDE, que é muito adequado para uma tarde de domingo. Momento de depressão para alguns, momento de alegria para outros. Os três primeiros versos são simples e belos, mas marcantes. “Meu espírito te sentiu”. Ouvir pelo espírito a emoção silenciosa. Ouvir no silêncio a dor e o chamado, ouvir o pensamento. Com a palavra, Vinicius de Moraes.

TARDE

Na hora dolorosa e roxa das emoções silenciosas
Meu espírito te sentiu.
Ele te sentiu imensamente triste
Imensamente sem Deus
Na tragédia da carne desfeita.

Ele te quis, hora sem tempo
Porque tu eras a sua imagem, sem Deus e sem tempo.
Ele te amou
E te plasmou na visão da manhã e do dia
Na visão de todas as horas
Ó hora dolorosa e roxa das emoções silenciosas.


(As Coisas do Alto. São Paulo : Companhia das Letras, 1993, p. 47)

Meu caro leitor, tenta ouvir no silêncio a inquietação de uma alma a quem se quer bem. Se conseguirdes, saberás que quem fala é teu coração.

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