segunda-feira, 30 de abril de 2007

Homens invisíveis


No post "Olhar na cidade grande", comentei de algo acerca da cegueira psicossocial que ouvi num comentário da Barbara Gancia.


Agora preciso complementar a informação. Odeio dar a informação pela metade e principalmente ser injusto com autores. Então aqui vai a correção. O termo é utilizado por Fernando Braga da Costa em seu livro "Homens Invisíveis: Relatos de uma Humilhação Social" (Ed. Globo, 2004).


Há um interessante comentário do livro neste link: http://www.bonde.com.br/canais/canaisd.php?oper=livros&materia_id=15


A obra trata da situação dos garis de São Paulo e foi produzida como um estudo na disciplina de Psicologia Social na USP. Um tema que merece reflexão, ainda mais no dia do trabalho.


Pessoalmente, tenho a seguinte opinião: todo trabalho é digno, desde que realizado honestamente. Por mais de uma vez já brincaram - tentando me provocar - comigo dizendo que minha filha não vai ser advogada. Sinceramente quero que ela escoha a profissão que quiser, que faça o que goste e a faça da melhor maneira possível. Se ela for advogada, vou ficar muito feliz. Mas se ela escolher qualquer outra profissão, vou ficar orgulhoso e contente do mesmo jeito.


Quero apenas - e para isto serve a educação - que ela exerça sua profissão com dignidade e ética, que saiba dar valor às pessoas que a rodeiam, que trate todos de forma humana e educada. E o dinheiro? O dinheiro é consequência. Não adianta ganhar muito dinheiro e ser infeliz no trabalho.

sábado, 28 de abril de 2007

Garota da Vitrine

Assisti o filme Garota da Vitrine (Shopgirl), com Steve Martin, no Telecine ontem. Era o filme da sessão das 10 e não tinha a menor idéia do que se tratava. Achei que ia dormir no meio, pois na 6a. feira chego tão cansado que geralmente caio no sono. Por mais interessante que seja o programa, sempre acabo dormindo. Ontem não dormi.

É um filme que consegue provocar reflexões interessantes. A estória é simples. Uma moça de Vermont - leia-se de cidade pequena - muda-se para Los Angeles tentando alavancar sua carreira de artista plástica. Ela trabalha na loja de departamento Saks 5th Avenue, vendendo luvas. O setor dela tem pouco movimento. Vive uma vida de rotina monótona. Conhece então Jeremy, um sujeito estranho, sem grana e sem rumo na vida. Quase simultaneamente aparece em sua vida Ray Porter, cinquentão, rico, separado e charmoso. Um sujeito elegante que sabe conquistar Maribelle.

Ray Porter vive um dilema: entregar-se ou não a Maribelle. Ele nega o seu próprio sentimento e recusa a aceitar que se apaixonou por ela. O medo de comprometer-se novamente e não dar certo, o medo de ser rejeitado por uma moça mais jovem. Tudo isto conduz ao final do filme. Ray diz a Maribelle que não futuro para eles. Em outras palavras, ele externaliza a Maribelle que não a ama. Nesta cena, Maribelle diz: "Então posso sofrer agora ou depois." E ela vai embora.

Mas há uma cena, em seguida, que trata do mesmo tema da última crônica que escrevi. Ray Porter está na varanda de sua casa, numa noite estrelada, e o narrador conta que Ray pensava em Maribelle e Maribelle pensava em Ray, ainda que nenhum dos dois soubesse destes pensamentos. O pensar no outro não era notado porque a comunicação se acabara. Mas a falta de comunicação não significa que um não pensava no outro.

No final do filme, Ray vai a uma exposição de desenhos de Maribelle. É o primeiro encontro depois da despedida. Olhos marejados, Ray diz a Maribelle que ele a amou. Um abraço demorado e cada um segue seu caminho.

Gostei do filme. Algo leve mas divertido. Vale a pena ver e vale a pena pensar nestas simples questões. Estou provocando sim. Depois dos comentários à última crônica, vou insistir no tema: fazer ou não fazer. Tal como aquela carta, ou melhor email nos dias de hoje, que foi escrito e não enviado, o telefonema que não foi feito, as palavras que não foram ditas são produto da dúvida que muita vezes nos paralisa.

A idéia da crônica partiu da leitura de blogs escritos por mulheres. Por que leio blogs escritos por mulheres? Porque elas são mais abertas e expõe sentimentos de forma mais clara que nós homens. Dúvidas como ligar ou não ligar, falar ou não falar são expressadas por mulheres. Homens a calam internamente. Se não agem, a dúvida é digerida e destruída internamente. O bem que se poderia fazer, o elogio que não foi feito, o agradecimento pelo carinho dado. Tudo isto deixa de transbordar para o exterior e deixa de alegrar e fazer bem.

sexta-feira, 27 de abril de 2007

Poesia: Cecília Meireles

Tarde de 6a feira, com chuva e friozinho. Tempo que convida à leitura, a ficar em casa com um bom livro, solitário nos pensamentos e devaneios, descansando dos dias de labuta. Termino o dia com Cecília Meireles que tanto sucesso tem feito neste blog.

14

"Oh, quanto me pesa
este coração, que é de pedra.
Este coração que era de asas,
de música e tempo de lágrimas.

Mas agora é sílex e quebra
qualquer dura ponta de seta.

Oh, como não me alegra
ter este coração de pedra.

Dizei por que assim me fizestes,
vós todos a quem amaria,
mas não amarei, pois sois estes
que assim me deixastes amarga,
sem asas, sem música e lágrimas,

assombrada, triste e severa
e com o meu coração de pedra.

Oh, quanto me pesa
ver meu puro amor que se quebra!
O amor que era tão forte e voava
mais que qualquer seta!"

(Canções. Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 2005, p. 158-9)

Coração de pedra ou de gelo. Basta um olhar, um momento, um encontro para ele se descongelar e a pedra arder em brasa e novamente voar com asas.

quinta-feira, 26 de abril de 2007

Crônica: Devaneio de final de tarde


Eduardo fumava preguiçosamente debruçado na janela aberta. A sala escura, com as luzes apagadas, trazia-lhe o conforto após a longa jornada de trabalho. Observava a fumaça que saía do cigarro e dava piruetas no ar. O chão molhado da rua, as sirenes das ambulâncias, as buzinas dos carros que inundavam o ar no final de tarde não lhe incomodavam. Estava absorto no seu devaneio.

Recostou-se na parede, meio de lado e sorriu. Sua alma transbordava de alegria. Uma alegria interior misturada com saudade, relembrando palavras que ela havia lhe dito. Sentia como se a abraçasse, sentia-a junto dele, envolta por seus braços que a consolavam e lhe davam segurança. Um simples abraço que a distância impedia. A certeza de que os pensamentos se cruzavam no espaço etéreo inundou-o com uma profunda tranqüilidade.

“Saudade Edu!” ela havia escrito. Pensou em ligar. Pegar o telefone e simplesmente perguntar como havia sido seu dia, ouvir sua voz por alguns minutos, ouvir seu riso ou quem sabe fazê-la rir um pouco, mesmo cansada no final de dia. “Mas o que vou dizer? O que vou falar? O que vou perguntar? Será que ela está ocupada? Será que ela vai gostar? Será que não vou ser chato?”.

Aquelas idéias metralharam sua cabeça rapidamente, num instante.

- Ah, deixa pra lá! – disse em voz alta. – Ela sabe que estou pensando nela. Quem sabe amanhã eu ligo.

Naquele instante tocou o telefone. “Será?”, disse a si mesmo. Do outro lado da linha era um cliente, e rapidamente o mundo dos sonhos evaporou e Eduardo voltou à realidade.

Poesia: NOSTALGIA

NOSTALGIA

Caminho pela rua serena
Tomado por um ímpeto
Levado ao passado
Deparo-me com o local imutável.
As memórias ressurgem
Ressoam no meu âmago
Debaixo de uma velha árvore
Que presenciou o abraço
Os corpos entrelaçados
Os seres unidos
As almas comungando silenciosamente
Os beijos na face
Os sussurros no ouvido.
Ponto simples e singelo no caminho
No meio do caminho da vida
Cheio de relevo e sentimento
Inundado de cor, vibrante
Sentimento nostálgico
Sentimento apaixonado
De despedida
De amor.

(RLBF - 4/07/97)

quarta-feira, 25 de abril de 2007

Governo Lula: um governo de piada pronta.

Não preciso acrescentar nada ao que escreveu o Reinaldo Azevedo em seu blog sobre a nomeação de Mangabeira Unger para um ministério.

Leiam por si: http://veja.abril.com.br/blogs/reinaldo/2007/04/ministro-da-alopra-se-tornou-o-que.html

O pior não é o convite. O pior é o Mangabeira ter aceitado.

Este governo é a maior piada que o país já produziu!

By the way: e o Fome Zero? Acabou o programa ou acabou a fome no Brasil?

E mais: Será que o Governo Lula tem lançado tanto Programa para preencher a grade de programação da TV Lula?

Lua a me acompanhar.


Invariavelmente saio do escritório tarde, quando a noite já caiu, pelo menos quando não há horário de verão. Enquanto caminho até o estacionamento para pegar o carro, geralmente percebo a lua no céu escuro. Ela se torna minha companheira no trajeto até a minha casa. Fica no horizonte a me olhar, silenciosa, ouvindo meus pensamentos ou palavras que murmuro em voz alta no carro.


Sinto falta da lua no céu quando estamos na fase da lua nova. Esta semana ela voltou e me acompanhou. Sempre gostei de ficar olhando a lua, principalmente no interior, nas noites claras e estreladas, sem as luzes da cidade grande para ofuscar seu brilho. Quando era criança, costumávamos sair para caminhar a noite e ver a sombra projetada pela lua cheia. Boas recordações.


Certa vez, num destes finais de dia, no final do ano passado, a lua estava lá, cheia a iluminar o céu do começo da noite. Um rosto parecia se desenhar naquele círculo lunar. O sorriso, o olhar...mas faltava algo. Faltavam as estrelas. Somente percebi isto no dia seguinte e aquele rosto que se desenhava se completou com estrelas ao seu redor, que brilhavam como brincos a enfeitar o belo rosto na abóbada celeste. Um simples dia que me marcou. Olho para a lua e lembro do rosto com os brincos, a sorrir e a brilhar. Um rosto que me acompanha no final da jornada.

segunda-feira, 23 de abril de 2007

Olhar na cidade grande


Volto com um trecho de A Trégua:


"A única coisa que não engana (assim, como traço isolado) é o olhar. Em nenhum lugar encontrei seus olhos. No entanto (só agora isto me ocorre), não sei como são, de que cor. Retornei cansado, aturdido, chateado, aborrecido. Embora exista outra palavra mais certeira: retornei solitário." (p. 64)


Li recentemente um artigo que aborda a questão da comunicação virtual. Ainda que a comunicação nos dias de hoje esteja mais fácil, mais rápida, mais instantânea, nada substitui um olhar direto nos olhos.


O olhar é revelador. Para um bom observador, o olhar pode revelar uma dor na alma, que fica escondida pelo interlocutor esperando que um amigo faça a pergunta: está tudo bem mesmo? O olhar sincero não esconde o que se passa na nossa alma. O olhar é um reflexo do nosso interior.


A vida moderna faz com que nos prendamos demasiado em nós mesmos e esqueçamos de quem está do nosso lado. E isto não se refere apenas às pessoas queridas, mas também às pessoas que cruzam conosco no nosso dia: o porteiro do prédio, a moça do café, o dono da banca de jornal, o manobrista do estacionamento. Não estou propondo que numa cidade grande cumprimentemos todo mundo, mas estou sim dizendo que um sorriso e gesto de gentileza e educação podem mudar o dia de uma pessoa.


Barbara Gancia comentou na semana passada sobre algo chamado de cegueira psicossocial. Nós só vemos as pessoas e as coisas que nos interessam. Um estudo realizado com garis na cidade de São Paulo revelou que a maior reclamação dos garis era o fato de não serem vistos. Eram tratados como coisas, ou como funcionários que preferimos não ver.


De fato, um olhar, um sorriso pode tornar a vida das pessoas que nos cercam mais alegre e tornará nosso dia mais alegre também. Não custa nada prestar mais atenção.


Antes que me esqueça, diferentemente do protagonista de A Trégua, eu sei que seus olhos são castanhos.

domingo, 22 de abril de 2007

Agora temos comentários!

Fico contente com os comentários que têm sido feitos. A idéia era exatamente esta quando criei este blog: debate e interação. Convido a todos os leitores, ou talvez deva dizer leitoras, a lerem os comentários. E assim as idéias se difundem e as opiniões enriquecem o debate.

Vou utilizar os comentários para futuros posts, consolidando-os e organizando-os. Assim poderei responder a todos. Não que minha opinião seja mais importante, mas sinto-me na obrigação de dar resposta e atenção aos leitores.

sábado, 21 de abril de 2007

Poesia: Pablo Neruda


Pablo Neruda é um dos maiores poetas latino-americanos. Nascido em 12 de julho de 1904, em Parral, soube cantar poeticamente o Chile e as Américas. Em 1945 esteve no Brasil e foi recepcionado na Academia Brasileira de Letras por Manuel Bandeira. Entre seus poemas há uma Ode ao Rio de Janeiro. Faleceu em 23 de setembro de 1973.


Em abril de 2000, quando fui ao Chile, visitei a casa de Neruda em Santiago. Toda decorada com motivos marítimos para manter viva na memória o clima de Isla Negra, outra casa de Neruda às margens do Pacífico.


Publicou Los Veinte Poemas de Amor y Una Canción Deseperada em 1924. O poema que aqui trago é o de número 20.


"Posso escrever os versos mais tristes esta noite.

Escrever, por exemplo: 'A noite está estrelada,
e tiritam, azuis, os astros, ao longe'.

O vento da noite gira no céu e canta.

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Eu a amei, e às vezes ela também me amou.

Em noites como esta eu a tive entre os meus braços.
Beijei-a tantas vezes sob o céu infinito.

Ela me amou, às vezes eu também a amava.

Como não ter amado os seus grandes olhos fixos.

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Pensar que não a tenho. Sentir que a perdi.

Ouvir a noite imensa, mais imensa sem ela.
E o verso cai na alma como no pasto o orvalho.

Que importa que o meu amor não pudesse guardá-la.
A noite está estrelada e ela não está comigo.

Isso é tudo. Ao longe alguém canta. Ao longe.
Minha alma não se contenta com tê-la perdido.



Como para aproximá-la o meu olhar a procura.
Meu coração a procura, e ela não está comigo.


A mesma noite que faz branquear as mesmas árvores.
Nós, os de então, já não somos os mesmos.

Já não a amo, é verdade, mas quanto a amei.
Minha voz procurava o vento para tocar seu ouvido.

De outro. Será de outro. Como antes dos meus beijos.
Sua voz, seu corpo claro. Seus olhos infinitos.

Já não a amo, é verdade, mas talvez a ame.
É tão curto o amor, e é tão longo o esquecimento.

Porque em noites como esta eu a tive em meus braços,
a minha alma não se contenta com tê-la perdido.

Ainda que esta seja a última dor que ela me causa,
e estes sejam os últimos versos que lhe escrevo."




(Antologia Poética. Trad. Eliane Zagury. 14a. ed.
Rio de Janeiro : José Olympio, 1996, p. 45-7)

Este curto poema me fascina. Sei-o praticamente de cor. Quantas vezes, contemplando as estrelas, estes versos não me afloraram. "Minha alma não se contenta em tê-la perdido" e "é tão curto o amor, e é tão longo o esquecimento.". Companhia para momentos de desilusão ou de simples reflexão numa noite estrelada.

Palpiteiro de fim de semana.

Depois de uma semana frenética e de muito trabalho, aproveitei este começo de sábado para ler o Estadão com calma e ver a temática das revistas semanais. Esta semana foi rica em fatos importantes, mas parece-me que ficamos alheios aos acontecimentos que nos afetam de forma indireta, provavelmente por estarmos muito centrados no nosso mundinho.

Destaco 3 acontecimentos e neles vou palpitar, ainda que brevemente.

1. Microsoft anuncia que venderá Office a preços camaradas.
Finalmente a empresa de Bill Gates fica com medo de alguém. Por isso é que sou fã do Google! Acho um absurdo o valor cobrado pelo Office. Acho um absurdo o valor cobrado pelo Windows. Não defendo a pirataria e não tenho softwared pirata nas minhas máquinas, mas tenho certeza de que a pirataria diminuiria se a Microsoft reduzisse o preço que cobra dos seus softwares.

Já disse isto aqui antes e vou repetir: a Apple e seu Mac avançam no mercado e isto assusta a Microsoft e o domínio dos PCs que rodam Windows. Agora a Microsoft se preocupa com os concorrentes do Office. Não se surpreendam se começar um novo ciclo na informática, com a descendência do domínio da Microsoft.

2. Nova operação da Polícia Federal e o Judiciário.
Ontem a PF realizou a Operação Themis em São Paulo e "visitou" alguns magistrados federais e desembargadores federais em seus gabinetes para dar uma olhadinha em documentos e computadores. Na semana passada, 3 haviam sido presos no Rio de Janeiro.

Estou achando lindo a prisão de juízes E advogados corruptos. Sim, incluo os advogados nesta lista. Na vida diária profissional, é comum aparecer algum cliente e perguntar se o outro advogado não tem influência no Tribunal ou se eu conheço alguém que tem acesso ao juiz ou desembargador. Parece corriqueiro e usual que todo juiz seja venal. Isto não é verdade, mas o sentimento comum da população. Já perdi clientes porque me recusei a lidar com pessoas que supostamente teriam formas de facilitar uma decisão judicial. Recuso-me a fazer isto. Não troco minha coerência e ética por dinheiro algum no mundo.

Uma vez me perguntaram se não defenderia o PT ou se prestaria serviços ao PT. Disse que jamais. Nem por 1 milhão de reais de honorários. Nem por 100 milhões respondi. Advogar para o PT ou a alguém ligado ao PT seria negar todo meu passado, e isto, eu não faço.

Esperemos que estas operações não terminem em pizza e que isto sirva para moralizar a conduta de advogados que vivem vendendo facilidades para pessoas que também não tem escrúpulos. Chegou a hora de começar a mudar isto.

3. Atirador de Virginia Tech
Aqui a coisa fica mais complicada. O acontecimento foi trágico. Provavelmente livros serão escritos sobre os problemas psicológicos do atirador, da forma como a sociedade americana discrimina e separa as pessoas, da atitude da NBC de divulgar as imagens, da negligência da universidade em responder de forma mais rápida ao caso. Enfim, há muito o que falar.

Então, vou dar o meu palpite. É preciso entender que nas escolas americanas há uma separação muito clara entre aqueles que são "cool" e "popular" e aqueles que são "geeks" ou "nerds" para usar uma expressão mais antiga. Os grupos não se misturam e isto gera um exclusão social muita clara e aberta. Estrangeiros são discriminados sim.

Morei 4 anos nos EUA e fiz grande parte do colegial (hoje Ensino Médio) no Estado de Michigan. Eu sentia na pele a discriminação. Gozações, piadinhas racistas e outras coisas mais. É duro, muito duro para um moleque de 15 anos enfrentar isto. Para mim, foi motivo de amadurecimento. Mas para outras pessoas, o resultado pode ser devastador e nefasto. Isto aconteceu com o atirador.

A maioria destes frenesis e ataques armados feitos por alunos nos EUA é consequência desta exclusão que ocorre nas escolas americanas. É a luta de classes entre os geeks e os jocks, ou seja, os tachados de bobos e os gostosões dos atletas. Não me entendam mal, não estou dizendo que se implantou a dialética marxista na sociedade americana, mas o que se nota é quase uma reação armada daqueles que se sentem desprezados e são tratados como invisíveis por um outro grupo que se acha superior.

Não esqueçamos que isto não é privilégio dos EUA. Por aqui, também tratamos algumas pessoas como invisíveis, mas isto é tema para outro post.

sexta-feira, 20 de abril de 2007

Falamos antes!

Quando comecei este blog e pensei no título, a idéia era antecipar tendências ou mostrar - ainda que erre no exercício da futurologia - a realidade com uma outra visão, uma visão de futuro e de perspectiva. Em outras palavras, este blog deve ser antenado, para usar uma expressão bem internética.

No post do dia 2 de abril (Andanças em livrarias) , falei do livro A Trégua, de Mario Benedetti.
O livro já foi comentado em dois posts posteriores - nos dias 9(A Trégua) e 10 de abril (Rotina no Trabalho). Uma leitora do blog até aceitou o desafio de ler o livro e discutir alguns aspectos da obra.

Bom, mas o que isto tem a ver com o "falamos antes"?

Algumas livrarias têm dado destaque à obra. O caderno de Fim de Semana do jornal Valor Econômico também mencionou a obra. Nós recomendamos antes! Com alguns feriados se aproximando - 2 fins de semana longos para os cariocas - a sugestão de leitura permanece. Quem sabe um dia, com muitos leitores no blog, não consigo ganhar uma comissão da editora pela divulgação? Poderiam me pagar em livros que aceitaria de bom grado.

Boa leitura!

quarta-feira, 18 de abril de 2007

Inspiração e criação



De onde vem a inspiração dos grandes escritores?

Tenho feito esta pergunta nos últimos meses a mim mesmo. Poetas e romancistas têm visões diferentes da inspiração e explicam de forma pessoal o processo criativo. Conclui que a inspiração para escrever é algo individual e distinto, um processo ou fonte de criação que não pode ser transposto ou ensinado. Talvez seja um dom. Talvez seja fruto de esforço pessoal. Não sei a resposta e continuo a buscá-la. Mas independente disto, continuo a escrever, geralmente inspirado.


Decidi que após terminar minha tese de doutorado, à qual dedicar-me-ei durante todo o segundo semestre, vou tentar escrever um livro. Cedi ao incentivo e aos elogios e vou tentar. O enredo tenho-o formado na cabeça. Primeiro e último capítulos já ganharam forma abstrata, sem ainda ganharem a tela do computador. Falta o recheio, o que me parece a parte mais árdua.


Nesta busca por tentar achar um método de criação ou inspiração, deparei-me com uma passagem de Josué Montello sobre o tema. Aliás, no Diário da Noite Iluminada, o imortal semeia idéias para muitos posts e para muitas reflexões. Neste trecho, do dia 24 de dezembro de 1978, ele comenta sobre a inspiração de um romance.


Quando me perguntam como surge em mim a idéia de um romance, não sei responder. Sei apenas que ela surge de repente, e logo se delineia, com seu universo privativo, e eu vejo as figuras, o ambiente, os movimentos, como se toda a ação narrativa, em vez de obedecer a uma formação gradual, constituísse uma iluminação instantânea. Por vezes tenho a mesma impressão de que toda a urdidura romanesca, no seu conjunto, seria mais uma lembrança que uma invenção.


Sempre tive grande dificuldade em transferir figuras reais para meus textos. Só estou à vontade quando sei que elas não correspondem a tipos ou pessoas que eu conheço ou de que me recordo. A sensação de lembrança, no caso, é diferente. Falta-me poder para identificar. O que sei é que toda a trama está comigo, e passa a viver como se se tratasse de uma gestação.” (Diário da Noite Iluminada. Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 1994, p. 92)

NOTA: A tela que ilustra este post é de Alfredo Volpi.

terça-feira, 17 de abril de 2007

Crônica: Desencontros

Mariana notou que já se passara das 9 da noite. Saulo estava atrasado novamente, como sempre. Estavam separados há 4 meses e ele havia lhe pedido uma nova chance para conversarem. Ela foi reticente, mas cedeu diante da insistência de que seriam apenas 30 minutos. Não era um jantar, nem um encontro, apenas uma conversa. Uma tentativa de reconstruir a ponte do diálogo.

Os atrasos de Saulo, o descaso com os horários, a falta de consideração eram motivos que irritavam Mariana. Uma pedra a mais que fora retirada do edifício do relacionamento deles e que ruiu aos poucos. Ficaram casados 6 anos, sem filhos. Quando Mariana começava a se enervar, o interfone tocou. Era ele.

- Desculpe, Mari! – foi se justificando. O trânsito estava péssimo e meu chefe me ligou na hora em que estava saindo.

Não houve beijos trocados. Cumprimentaram-se de longe. Ela conhecia bem a ladainha. Ele nunca chegava no horário. O trabalho era primordial na vida dele e isto sim tinha sido um motivo grave para as brigas infindáveis que tiveram nos últimos 8 meses antes de decidirem partir por caminhos diferentes.

- Estou aqui te esperando. Sente-se. Sou toda ouvidos. – disse enquanto sentava numa poltrona que ficava na diagonal de onde Saulo já tinha se acomodado.

- Queria saber como você está, como tem passado. Sinto sua falta.

- Estou bem. Descobrindo meu novo momento, refletindo, repensando a vida e descobrindo quantas coisas deixei de fazer por sua causa. Quantas noites fiquei te esperando e nem um telefonema, nem um sinal de vida. Quantas vezes senti-me desprezada, sem carinho, sem atenção, sem uma palavra amiga. Quantas vezes chorei e não te tinha ao meu lado para me abraçar. Descobri tudo isto, claro que com muita conversa com minhas amigas. Amigas de verdade que estiveram do meu lado nestas horas duras. Sim, foram duras. Mas estou bem e tenho estado bem no último mês. Confesso que não sinto saudades de você, Saulo. E vc sente minha falta? Falta é algo frio. Falta eu supro com amigos que me fazem companhia, algo que você não fazia.

- Não foi bem isto que quis dizer.

- Foi sim. Você nunca soube usar as palavras de forma adequada. Você nunca soube me entender, você nunca conseguiu ler meus pensamentos ou adivinhar o que se passava na minha cabeça. Você não reparava nem quando eu ficava gripada e minha voz saía toda fanha. Você pensou em quantas vezes jantamos em silêncio, sem uma palavra, sem um olhar trocado, sem sequer perguntarmos sobre o dia do outro?

Mariana sabia que ele não se recordaria. O silêncio tinha sido o companheiro de Mariana nos meses finais do relacionamento. Saulo ficou mudo, congelado, sem dizer palavra alguma. Ela continuou.

- Eu sei que você não se lembra. Sempre foi um egoísta que só pensa em você mesmo. Deixou de pensar em mim há muito tempo. Eu sei bem disto. Não adianta vir dar uma de coitado pra cima de mim. Precisava de seu apoio, de seu companheirismo, de seu ombro. Você me perdeu. Você estava mais interessado na carreira, nas estagiárias, nas secretárias...- suspirou profundamente, abortando a continuação, pois estes pontos eram por demais dolorosos. Mariana sabia das aventuras de Saulo e de suas fãs no trabalho.

E continuou:

- Agora vou tocar minha vida. Agora vou seguir adiante. Estou bem sim e não preciso e não quero nem pensar em tentar de novo. Acabou. Não perca seu tempo comigo. Não vou ser um capacho para você. Cansei de ser tratada com desprezo. Cansei de ser um estepe para você. Agora não tem mais hora para chegar em casa e pode ficar com suas coleguinhas de trabalho no happy hour.

Saulo não esperava este longo sermão que o rejeitava e destruia toda sua linha de argumentação. Estava perplexo, indefeso. Seu olhar perdeu-se nos olhos de Mariana. Olhava-a fixamente tentando ler seus pensamentos, tentando perceber o que se passava naquela cabecinha. Queria descobrir alguma luz ou trilha a seguir para mudar o rumo da conversa. Mas ele nunca tinha sido um bom leitor de pensamentos, ele nunca conseguira perceber o que se passava na cabeça da ex-mulher apenas com um olhar. Ela notou e sua intuição foi mais ágil,

- Você nunca foi capaz de entender meu silêncio! Você nunca foi capaz de pensar em mim como eu sou, como alguém que te amou e te amava. Repito: amava!

Abaixou a cabeça, olhou-a nos olhos e saiu sem dizer uma palavra.

sábado, 14 de abril de 2007

Trabalhando na caverna

A falta de comentários pessoais neste blog nos últimos dias tem uma explicação e uma justificativa: muito trabalho fora do escritório. Tenho o hábito de escrever os posts no final do dia, quando todos já se foram e fico solitário com meus pensamentos - muitas vezes malucos - no escritório. Ou então, escrevo no trânsito, no retorno para casa. Escrevo mentalmente, anoto a idéia principal e transcrevo-a para o papel na manhã seguinte.

Porém, nestes últimos dias estou com um projeto grande de um cliente fora do escritório. Sinto falta dos meus finais de tarde quando posso me dedicar à escrever, ler e algumas vezes até falar sozinho. Tenho esta mania de conversar comigo mesmo em voz alta, ou simplesmente exteriorizar em voz alta o que carrego no interior, aqueles pensamentos íntimos que ficam só conosco.

Mas chega de digressões, este post é para falar da caverna. Que caverna? Para realizar este projeto ocupo uma salinha de uns 4 metros quadrados, às vezes com mais 1 pessoa, com um notebook e SEM JANELAS! Um verdadeiro claustro, ou melhor, uma cela solitária. Minha janela é a tela do computador.

O trabalho é monotóno e repetitivo, algo como a rotina de Martín Santomé, como comentado num post anterior. Isto não me incomoda, pois muitas vezes o trabalho de advogado é repetitivo e rotineiro, por vezes braçal. O que me incomoda é a falta de janelas, a falta de luz do dia. De tempos em tempos vou ao banheiro só para ver o que acontece no mundo exterior. Nunca dei muita importância para a janela, pois minha sala sempre teve janelas por todos os lados, ou seja, não conseguia entender quando uma amiga reclamava de trabalhar numa sala sem janela. Agora te entendo muito bem e entendo porque gostas tanto do horário de verão!

Assemelha-se a uma viagem. Você entra na máquina do tempo de manhã e é transportado no tempo quando o sol já se pôs. O retorno à realidade se dá com a escuridão, com a noite jovem que recobre a cidade.

Sinto-me privilegiado de poder desfrutar de algo tão corriqueiro como a luz do dia. Mais uma daquelas coisas banais que só damos importância quando ela nos é tirada ou nos faz falta.

Bom final de semana a todos!

sexta-feira, 13 de abril de 2007

Poesia: Carlos Drummond de Andrade

VIDA MENOR

"A fuga do real,
ainda mais longe a fuga do feérico,
mais longe de tudo, a fuga de si mesmo,
a fuga da fuga, o exílio
sem água e palavra, a perda
voluntária de amor e memória,
o eco
já não correspondo ao apelo, e este fundindo-se,
a mão tornando-se enorme e desaparecendo
desfigurada, todos os gestos afinal impossíveis,
senão inúteis,
a desnecessidade do canto, a limpeza
da cor, nem braço a mover-se nem unha crescendo.
Não a morte, contudo.
Mas a vida: captada em sua forma irredutível,
já sem ornaio ou comentário melódico,
vida a que aspiramos como paz no cansaço
(não a morte),
vida mínima, essencial; um início; um sono;
menos que terra, sem calor; sem ciência nem ironia;
o se possa desejar de menos cruel: a vida
em que o ar, não respirado, mas me envolva;
nenhum gasto de tecidos; ausência deles;
confusão entre manhã e tarde, já sem dor,
porque o tempo não mais se divide em seções; o tempo
elidido, domado.
Não o morto nem o eterno ou o divino,
apenas o vivo, o pequenino calado, indiferente
e solitário vivo.
Isso eu procuro."

(A Rosa do Povo. 7a. ed. Rio de Janeiro : Record, 1991, p.63-4)

quinta-feira, 12 de abril de 2007

Poesia: Cecília Meirelles

"O rosto em que me encontro
e que a nuvem contempla
vai-se mudando noutro
só pelo que relembra.

De caminhos andados,
se levanta e suspira,
contando sonhos gastos
e palavras perdidas.

Tudo o que parecia,
tudo quanto não era,
tirou-lhe o gosto à vida
e a ternura da terra.

Guardei para o silêncio
os tempos de renúncia:
quando meus sonhos penso,
vejo que sempre é nunca.

E é tão bela a tristeza,
que nem o amor alado
deixará dentro dela
mais que um desenho vago.

(Areia que aparece
dentro de águas que fogem,
sinto que te disperses
pela memória, longe...)

(Canções. Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 2005, p. 31-2)

Na tristeza o rosto se modifica, o olhar se torna ausente, e diante da impotência de estampar no teu rosto um sorriso, fico na memória, nas boas boas memórias do riso solto, do olhar brilhante, da vivacidade juvenil. Não te disperses, não fuja para longe, volte com os pés no chão.

quarta-feira, 11 de abril de 2007

Claro Enigma e a profundidade de um título.



O título de um livro é sempre um chamariz, um atrativo que fisga o leitor em potencial. Alguns títulos são mais significativos que outros e somente se revelam em sua inteireza após o final da obra. Percebi um destes significados ocultos, por assim dizer, somente ontem.

Faz pouco tempo comprei um livro para dar de presente. Era um livro de Carlos Drummond de Andrade, mas qual escolher? São tantas as suas obras de poesia que a escolha seria difícil. Gastei algum tempo olhando, lendo, folheando e, de repente, como um cochicho, como uma inspiração vinda do acaso, ou quem sabe um sopro de quem iria receber o presente, decidi-me pelo livro. Tratava-se de Claro Enigma. Pois bem, o que o título revelou-me naquele momento? Nada, absolutamente nada.

Dois dias atrás, porém, no caminho de casa, dei-me conta da beleza do título do livro. Claro Enigma é uma perfeita metáfora para a vida, para o ser humano, para o amor. Como a poesia que pode não dizer nada, ou apenas revelar um emaranhado de palavras arranjadas pelo escritor no papel, a mesma poesia pode também nos levar a sonhar, a ir de encontro aos nossos mais profundos sonhos e sentimentos. A poesia tem este poder.

A vida é um Claro Enigma. Clara e iluminada nos momentos de felicidade e alegria. Um enigma, por vezes indecifrável, nos momentos de angústia, solidão, depressão, perplexidade e quando estamos à deriva. Um enigma que quando o deciframos, já se apresenta novamente diante de nós com novas perguntas, novas dúvidas, novas incertezas e novos desafios.

Venho, nesta semana, repetindo este título em meus pensamentos, ressoando-o. Confesso que fiquei encantado como aquele sussurro na livraria que me levou a escolher o livro certo e como a beleza do título me mostrou, de forma poética e como só Drummond é capaz de fazer, como a vida é um enigma fascinante.

terça-feira, 10 de abril de 2007

A rotina no trabalho


Logo no início de A Trégua, Santomé descreve seu trabalho no seu diário:


"O que eu menos odeio é a parte mecânica, rotineira, do meu trabalho: repassar um lançamento que já redigi milhares de vezes, efetuar um balanço de saldos e constatar que tudo está em ordem, que não há diferenças a buscar. Esse tipo de tarefa não me cansa, porque me permite pensar em outras coisas e até (por que não dizer a mim mesmo?) também sonhar. É como se eu me dividisse em dois entes díspares, contraditórios, independentes, um que sabe de cor seu trabalho, que domina ao máximo as variantes e os meandros dele, que está sempre seguro de onde pisa, e outro sonhador e febril, frustradamente apaixonado, um sujeito triste que, no entanto, teve, tem e terá vocação para a alegria, um distraído a quem não importa por onde corre a pena nem que coisas escreve a tinta azul que em oito meses ficará negra.


Em meu trabalho, o insuportável não é a rotina; é o problema novo, o pedido repentino dessa Diretoria fantasmal que se esconde por trás de atas, disposições e gratificações de final de ano, a urgência com que se reclama um informe ou um balancete analítico ou uma previsão de recursos. Então, sim, como se trata de algo mais do que rotina, minhas duas metades devem trabalhar para a mesma coisa, eu já não posso pensar no que quiser, e a fadiga se instala nas minhas costas e na nuca, como um emplastro poroso. Que me importa o lucro provável do item Pernos de Pistão no segundo semestre do penúltimo exercício? Que me importa o modo mais prático de conseguir a redução das Despesas Gerais?


Hoje foi um dia feliz; só rotina." (p. 8-9)


Santomé é contador de uma firma. A rotina lhe alegra pois permite "fugir" do trabalho, permite que ele se encontre em devaneios no meio do dia. O trabalho rotineiro é feito de forma automática, quase como robôs.


A visão do trabalho abraçada por Santomé parece-nos um tanto rasteira, sem sentido, rasa. Não creio que o trabalho humano, braçal ou intelectual, seja um jugo pesado sem sentido. Acredito que o trabalho permite ao ser humano criar, transformar e contribuir para um mundo melhor. Há rotina no trabalho? Claro que há. Mas a rotina ensina-nos a ser perseverantes, a enfrentar aqueles momentos chatos e maçantes, superando-se a sim mesmo.


Já diziam nossos avós: o trabalho enobrece o homem. O trabalho deve ser um momento de crescimento, e digo isto do ponto de vista interior, espiritual. Muitas vezes chegar ao final do dia e sorrir depois de uma longa jornada, é um exercício custoso de esquecimento próprio. Muitas vezes não se irritar quando invadem nossa sala de trabalho para reclamar ou discutir algum problema é um exercício de auto-controle. As mudanças repentinas de planos e agendas forçam-nos a ser mais flexíveis e maleáveis, novamente esquecendo-nos de nós mesmos.


Realizar o trabalho diário com alegria e paixão é difícil, mas nos torna pessoas melhores. Santomé não percebeu isto e para ele a jornada de trabalho era rasa, escura, sem cor.

segunda-feira, 9 de abril de 2007

A Trégua

Terminei de ler A Trégua, de Mario Benedetti, no sábado. Gostei muito do livro e pretendo trazer alguns trechos para discussão nos próximos posts.





Primeiro, vamos situar-nos na história. A obra foi escrita entre janeiro e maio de 1959, em Montevidéu. O livro foi lançado em 1960, mas a sua atualidade impressiona. Não é um livro datado, ainda que situado dentro de um contexto histórico e político peculiar da vida uruguaia. Seria muito adequado aos dias de hoje.




Na contra-capa do livro, pode-se ler um resumo do enredo, que transcrevo:





"Publicado em 1960, A trégua é o mais famoso romance de Mario Benedetti e uma das obras mais importantes da literatura latino-americana contemporânea. Escrito em formato de diário, com um texto incisivo, muitas vezes irônico, o livro conta a história de Martín Santomé, um 'homem maduro, de muita bondade, meio apagado mas inteligente'.





Prestes a completar 50 anos, viúvo há mais de vinte, Santomé mora com os três filhos. Não se relaciona bem com nenhum deles, tem poucos amigos e mantém uma rotina cinzenta, sem sobressaltos. No diário, conta os dias que faltam para a aposentadoria; mas não tem idéia do que fará assim que se livrar do trabalho maçante.




Seu destino, no entanto, mudará quando conhecer Laura Avellaneda, uma jovem discreta e tímida contratada para ser sua subalterna. Com ela, Martín Santomé voltará a conhecer o amor, numa luminosa trégua para uma vida até então taciturna e opaca."



Poderia resumir a história da seguinte forma: a vida é amarga, mas há momentos de trégua, quando ela ganha cor e brilho. A vida para Santomé é amarga. Um grande amor é o momento de trégua em sua vida.




Esta afirmação pode ser compreendida de outra forma. A vida tem seus momentos amargos, mas as tréguas são mais valiosas e importantes do que os momentos de amargor. A realidade é única, mas há duas formas de vê-la. O observador poderá contemplá-la dos dois jeitos. O que fará da sua interpretação depende do observador. Em outras palavras, pode-se ter uma visão pessimista e fatalista, ou uma visão otimista e esperançosa.




Pode parecer chavão, mas sempre há um lado bom nas coisas, ainda que nos pareçam negativas. Muitas vezes custa-nos entendê-las, mas com o passar do tempo, as peças se encaixam. Não é esta a visão da vida que Santomé tem. Acha-se um desgraçado, um homem sem energias, mas ao descobrir Laura, sua vida muda.




O pessimismo de Santomé, antes de conhecer Laura, é em parte ditado pelo contexto histórico dos anos 60. Lembremos que era um período de ditaduras na América do Sul e de poucas perspectivas. Parece-nos que a viuvez de Santomé marcou-lhe de forma a revoltar-se e de deixar de ver sentido em sua vida. Isto muda. O final da história surpreende e reforça a tese do pessimismo de Santomé.




Não vou contar o final do livro. Vou esperar alguns dias e deixá-los na expectativa.

domingo, 8 de abril de 2007

Recomeçar na Páscoa

Depois de alguns dias ausente por motivos profissionais e de uma viagem a Ribeirão Preto por motivos familiares, retorno ao blog. Já estava com síndrome de abstinência.

Fiquei impressionado no mar verde de cana-de-açúcar que se estende de Campinas (a 100km de São Paulo) até o interior paulista. Chega-se a Ribeirão Preto (a 300 km de São Pualo) passando por uma estrada cercada de cana e mais cana. O novo ouro verde do Brasil.

Minha última viagem a Ribeirão Preto havia sido em novembro de 2003, quando fui ao casamento de minha ex-sócia. Naquela época era uma amiga em quem confiava cegamente e com quem dividia a labuta diária no escritório. Um ano depois levei uma puxada de tapete e pude sentir na pele como uma mulher pode facilmente iludir um homem. Fui iludido e enganado. Reconheço que nunca suspeitaria que o que aconteceu, pudesse ter acontecido. Recomecei com uma nova sócia e a vida seguiu em frente.

Agora, na Páscoa, mais uma vez é preciso encontrar forças para recomeçar, com esperança renovada e muita fé. As festas religiosas são um excelente momento para refletir e reconhecer nossa fraqueza, nossa necessidade de pedir ajuda divina e de confiar na sua Providência.

Nesta tarde fresca e chuvosa, em que um arco-íris brindou o final do dia, pude descansar da correria destes últimos dias e renovar as forças para recomeçar a luta diária no escritório. A Páscoa é sempre um ótimo momento para recomeçar.

Acabei de ler A Trégua nestes dias e tenho muitos posts rascunhados. Gostei muito do livro e nos próximos dias quero incentivar o debate. Digo isto com um aspecto especial. O livro parece refletir a ótica masculina de um relacionamento. Identifiquei-me com o personagem principal em vários momentos. Por outro lado, noto que a maioria dos comentários vêm de leitoras. Gostaria realmente que alguma de vocês lesse o livro para que pudéssemos fazer uma comparação dos pontos de vista. Não quero tomar partido com Mario Benedetti, pois discordo de algumas de suas posições, mas creio que poderíamos ter um interessante debate neste blog sobre o relacionamento partindo de óticas diversas.

Alguém se aventura?

quarta-feira, 4 de abril de 2007

Poesia: TELEPATIA

TELEPATIA

Meu espírito te sentiu
Através da lua altaneira
Lua cheia no céu claro de abril
Rodeada de estrelas a cintilar
Brilho que sempre tiveste
Rosto iluminado que esconde
No silêncio da alma
No recanto de tuas entranhas
A dor da solidão
A angústia da busca
A ferida do desprezo
A cicatriz do amor.

Assim meu espírito te sentiu
Assim teu espírito me contaminou
Com carisma e beleza
Com alegria e ternura
Com encanto e leveza
Com afeto e candura.

Assim meu espírito te sentiu
E te sente todas as horas
E te sente todos os dias
E te sente todas as noites,
de lua cheia ou de lua nova.

(RLBF - abr/07)

terça-feira, 3 de abril de 2007

Eu não sabia de nada!

Parece incrível, mas o nosso querido presidente Lula nunca sabe de nada!

Este país é realmente uma piada. Que o nosso presidente é incompetente, isto está claro, claríssimo, como diria o agregado José Dias em Dom Casmurro, sempre no superlativo. Mesmo assim, ele foi reeleito e agora temos que aguentar.

Fico indignado, abismado, como o presidente da república (estou usando minúsculas de propósito) nunca sabe de nada. Em que país será que o Lula vive? Bem, ele vive viajando, no sentido literal e no sentido figurado. Viaja nos discursos soltando uma abobrinha atrás da outra. Viaja pelo mundo no Aerolula e esquece de cuidar do país. Talvez seja o caso de tirar umas férias de 3 anos e ir descansar em Cuba. O país ia ser melhor governado sem presidente.

O caos aéreo é um sinal dos inúmeros gargalos que impedem o crescimento do país. Não é só rico que viaja de avião, sr. presidente. E o turismo? E os negócios que são feitos por viajantes a trabalho? Crescimento se dá com geração de riqueza e riqueza se gera com trabalho. Desculpe, sr. presidente, esqueci-me que o sr. nunca trabalhou na vida.

Estou revoltado sim. Faz 6 meses que a confusão começou e agora o presidente diz que foi pego de surpresa! Bem, meus caros, só a Páscoa e muita fé para renovar as nossas esperanças.

Amanhão prometo voltar mais calmo e retomar o foco do blog.

segunda-feira, 2 de abril de 2007

Andanças em livrarias


Ontem à tarde fui à Livraria Saraiva do Shopping Morumbi em busca de um livro novo. Acabei por comprar 2. Um livro de poesias de Drummond para dar de presente e uma obra relançada do escritor uruguaio Mario Benedetti (sem acento mesmo).


O livro de Benedetti, A Trégua, é um romance escrito nos anos 60, em forma de diário e virou filme. O romance é o mais famoso do escritor e já foi traduzido para diversos idiomas. Gostei do que li até agora, apesar de que - e vou ser chato - a tradução parece-me que escorrega em alguns trechos. Erros menores que não tiram a beleza do romance. A edição é da Editora Objetiva com o prestigioso selo Alfaguara. (http://www.objetiva.com.br/objetiva/cs/node/1353)


Vou deixar para contar e comentar a história depois que estiver mais adiantado no livro. Já tirei algumas boas idéias para posts.


Mantendo o velho hábito, depois de comprar os livros, aproveitei para tomar um café no Starbucks. Sinceramente, acho que o café servido no Suplicy, na Ofner e na Cristallo melhor do que o café do Starbucks. Caro e não tão bom. Além do que, vou ser fresco de novo, gosto de tomar café em xícara. Esse negócio de copo de papel para tomar café como se você estivesse num filme americano não tem muito a ver comigo.


Para quem quiser saber mais sobre o livro, aqui vai um link de uma crítica publicada no Estadão:



domingo, 1 de abril de 2007

Encontrar Tempo para Ler

Invejava as pessoas que estavam sempre lendo e que encontravam tempo para ler. Eu não conseguia achar o tempo. Vivia cercado de razões para não ler: o trabalho, o cansaço, os filhos, o tempo em casa para relaxar. Lia apenas livros jurídicos e ligados à vida acadêmica. Minha leitura limitou-se a este espectro nos últimos 7 anos.

Resolvi mudar. Nas férias de verão de 2006, levei comigo um livro de Érico Veríssimo. Viciei. Confesso, com vergonha, que no último ano li mais livros de qualidade que nos 10 anos anteriores. Foram 2 obras de Machado de Assis, 2 de Josué Montello, 1 de Veríssimo, outra de Tolstoi, uma de Shakespeare, outra de Manuel Vázquez Montalbán e não vejo a hora de encontrar algo novo para ler.

A mudança deu-se com uma simples atitude: vou ler. Vou achar o tempo para ler. Um pouco por dia. No final do dia ou às vezes de manhã, quando chego ao trabalho e paro para tomar um café expresso no Fran’s Café. Apenas 20 minutos de leitura, porém constante. Poderia até dizer que ler de manhã tomando um café na Av. Paulista dá um ar parisiense ao meu dia, mas isto seria um grande exagero. Os livros são devorados e as idéias povoam meu imaginário. Sorte dos meus alunos que se beneficiam de exemplos mais eruditos e enriquecedores. Dos livros, brotam as citações, os casos, os exemplos que recheiam as minhas aulas de segunda-feira.

O fato é que os livros me viciaram. Cansei dos enredos superficiais e róseos das séries de televisão. Uma fantasia embriagante que leva o espectador a passivamente ingerir uma proposta de conduta. Talvez porque vida retratada nestas séries e programas de televisão não seja condizente com o que experimentamos na vida real. Ninguém troca um olhar, duas palavrinhas e arrasta o parceiro para uma noite de luxúria. A conquista, o amor, a sedução, o relacionamento, as angústias, os conflitos não me parecem bem retratados. Os livros fazem isto de forma muito mais adequada, muito mais profunda. Por isto substitui a televisão pelos livros e acabei por encontrar o tempo que não tinha para ler.

Os livros têm sido minha companhia constante. Momentos de reflexão e rápida fuga da realidade, mas indispensáveis para melhor compreender a realidade da qual nos ausentamos durante a leitura. Parece paradoxal? Pois é. A vida é repleta de paradoxos e aparentes contradições.