sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Conto: Cadeira na Janela




CADEIRA NA JANELA

Puxo a cadeira para bem perto da janela, onde possa observar o movimento da rua. A sala escura com as luzes apagadas. Sinto-me esmagado pelo mundo, sufocado por uma realidade que me visitou de forma repentina. Estava inebriado, entorpecido por um olhar que me abraçava com um carinho jamais sentido e toda vez me perguntavas a razão de te olhar em silêncio completo. As lágrimas não vêm. Secaram ou hibernam na confusão de pensamentos, aguardando o momento exato da erupção, do desmoronamento, da queda.

Avisto um carro laranja no posto de gasolina. O que isto importa? Nada, mas distrai-me o olhar perdido. O que importa chorar na solidão da noite? Ninguém me verá, ninguém saberá, ninguém se importará. Parece que o mundo moderno afasta, isola-nos em cubículos, em caixas que costumamos chamar de apartamentos.  A dor alfineta meu coração. Ouço tua voz com a entonação delicada e atenciosa a pronunciar meu nome.  O coração aperta mais uma vez. O carro laranja ainda está no posto de gasolina. Um helicóptero sobrevoa a avenida. O vizinho dá um grito de gol e comemora. Nem sei quem joga e também não me importo. Ninguém se importa comigo, porque haveria de importar-me com jogadores de futebol que ganham fortunas para brincar como crianças e correr atrás de uma bola.

Não liguei o rádio. Nem o iPod. Nem o celular. Minha trilha sonora é composta pelos ruídos da cidade que inicia seu recolhimento noturno, cansada, em câmara lenta a cidade se aquieta. Agora há um carro verde no posto de gasolina. Reclino a cabeça apoiando-a no encosto da cadeira. Fecho os olhos e respiro fundo. A pressão sobre meu peito rouba-me o ar. Respiro lenta e profundamente. Se eu tiver um enfarte agora, ninguém se importará. Se eu morrer agora, ninguém se importará. Se hoje fosse meu aniversário, ninguém se importaria. Se a felicidade existisse, ela também não se importaria comigo. Será que Deus se importa? Será que ele existe? Ou será que ele também já desistiu de mim?


O carro verde deixa o posto e uma viatura de polícia para diante da loja de conveniência. Não há mais nenhum carro no posto. A avenida, quase vazia.  Não sinto fome, apesar da hora e de não ter comido nada. Ela sentiria fome.  Mas ela não está aqui. Estou só, como tantas e tantas outras vezes. Os policiais conversam diante da viatura e comem um lanche. Meu estômago ronca e pede alimento. Ignoro-o. Quem se importa em perder tempo com alimentação num momento destes? Nova pontada no peito, agora, um pouco mais forte. Respiro fundo. Tusso forte para aumentar a circulação sanguínea. Disseram-me, uma vez, que isto ajudava. Não tenho a menor ideia se funciona, mas começo a suar frio e percebo que o físico se rende ao psicológico. Curvo-me com a dor. A respiração se torna difícil, a dor aumenta e caio desfalecido no chão. 


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