MONTJÜIC
Subiu ao alto de Montjüic, sentou-se num banco com vista
para o Mediterrâneo e deixou que a brisa fria daquela tarde lhe acariciasse o
rosto, uma leve lembrança da morte. O céu de outono estava sem nuvens, mas a
temperatura trazia sinais de que o verão partira mais uma vez. O olhar fixo no
horizonte azul, céu e mar fundiam-se no infinito em uma única massa, ar e água
unidos de forma indissociável e imperceptível ao olho nu e a visão embaçada de
Pedro que recorria aos óculos desde a mais terna idade dava-lhe a sensação de
um cenário surrealista, esfumaçado.
- É possível encontrar a felicidade até na dor.
Estas palavras de Carmen Ferret não faziam o menor sentido
para ele. Como aquela mulher tinha sido capaz de superar a dor da morte, da
traição, do abandono, da solidão? Onde encontrara forças para sobreviver e
seguir adiante? Que tipo de ser com forças sobre humanas era ela? Uma santa a
caminhar na terra? Um espírito elevado que alcançara algum grau de nirvana e
que mantivera-se impassível e sereno diante da guerra, da indiferença do
marido, do esquecimento dos filhos, da ingratidão dos colegas de universidade,
da falta de reconhecimento de seu trabalho humilde e perseverante, mas genial?
As perguntas se repetiam e bombardeavam a mente de Pedro.
Estava convencido de que precisava se contentar com a inexistência da
felicidade, de que amor verdadeiro não existia e de que a vida não passava de
uma sucessão de eventos que culminavam com a morte, o último ato de uma longa
peça teatral e cujo final era imprevisto e para qual não havia ensaio, chance
de repetir as cenas. Algumas peças eram de curta duração. Outras alongavam-se
de forma exagerada, de forma tediosa e despidas de sentido. Algumas eram
cômicas, algumas trágicas, mas na sua maioria doloridas e melancólicas. Esta
era a palavra que buscava. A vida era melancólica, como nos inúmeros romances
de Dostoievski. A felicidade era uma criação do marketing para vender livros de
autoajuda, para enganar os pobres mortais, para incentivar o consumismo
desenfreado de drogas, bebidas e aparelhos eletrônicos hipnotizantes e
bestificantes.
Lembrou-se de uma viagem a Atlanta, a trabalho, quando teve
a oportunidade de visitar a sede mundial da Coca-Cola. Aquele slogan repetido à
exaustão em filmes, comerciais e painéis eram um indicativo claríssimo do poder
do marketing e da prevalência da mentira sobre a realidade. Open happiness. Abra a felicidade. Abra
uma garrafa de coca-cola e consuma açúcar, conservantes cancerígenos, produtos
químicos cujas propriedades são desconhecidas, ganhe vários quilos a mais.
Afinal, obesidade é a nova tendência mundial. Uma latinha de coca-cola pode lhe
trazer a felicidade momentânea, mas pode lhe brindar com efeitos colaterais
nefastos. Ou talvez, não. Talvez eles tenham razão. Se o refrigerante lhe faz
mal, então o líquido abrevia sua vida, encurta o sofrimento e se a morte é a
felicidade suprema e derradeira, de fato, consumir a bebida deixa a felicidade
mais próxima.
Balançou a cabeça em repugnância àquelas ideias malévolas e
conspiratórias tão próprias de algum inimigo do capitalismo, de algum defensor
do regime cubano. Mas era verdadeiro que
ficou decepcionado quando se deu conta de que a Coca-cola não passava de uma
empresa de marketing, não uma empresa de bebidas.
Tentou ordenar suas ideias, retornar o foco ao ponto de
partida e deixou seu olhar passear pelo mar em busca de algum barco ou navio.
Um ferry boat aproximava-se do porto
trazendo pessoas vindas de Mallorca. Ao redor, poucos turistas se aventuravam
naquele vento, agora mais gelado, no alto de um dos melhores pontos de
observação da bela Barcelona. Algumas crianças brincavam nos canhões usados na
Guerra Civil e que agora repousavam silenciosos, lembrança de tempos sombrios e
de constante turbulência.
Será que Alice está feliz, onde quer que ela esteja? Será
que ela zela por mim? Será que ela me ouve? Será que eu a encontrarei algum
dia? Ao pensar isto, seus olhos marejaram e ele suspirou profundamente. A
saudade lhe assombrava com força ainda maior. Apoiou os cotovelos nos joelhos,
mergulhou a face por entre as mãos e chorou. Novamente.
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