quinta-feira, 24 de abril de 2014

Olhos oceânicos




Mergulhei nas profundezas de teus olhos oceânicos, naquela noite, enquanto contavas-me segredos escondidos e vertia lágrimas que enxugava com meus dedos, não deixando que elas percorressem seu rosto sem que lhe afagasse a face. Confortava-lhe, ouvia, condoía-me contigo. Percebi que há mais mistérios no mar além da superfície e que a superfície, aparentemente calma e impassível, escondia correntes, arrecifes, turbulências, tesouros, naufrágios, maremotos.

Seus olhos oceânicos disfarçavam bem o medo de nadar abaixo da superfície, do risco de ficar sem ar e sofrer de descompressão. 

Naquela noite entendi porque preferia o mar à montanha, a praia e o calor ao campo e à vida bucólica. O mar é revolto, inquieto, indomável; o campo é plácido, previsível, cíclico. O mar esconde-se por debaixo de sua superfície, com suas pequenas ondas e repiques que se manifestam com grandeza apenas nas praias e pedras do litoral. Assim era você. Assim é você. Um mar imenso a ser explorado, escondendo perguntas e respostas, muitas que sequer esperou para formular e outras tantas que não respondeu. Deixou-se levar pela corrente, sem tempo para pausas e devaneios e beijos,  sem paciência para esperar. 

Naquela noite percebi que seus olhos oceânicos não precisavam ser azuis para espelhar o mar sem fim. Bastava disfarçar o que guardas lá no fundo, onde a luz não alcança, onde não há oxigênio e a vida é escassa. Ali, naquele recanto de alguma fossa abissal, guardas o tesouro mais precioso que sua alma esconde. Sim, o mar tem alma e vida. Mas teus olhos oceânicos afastam intrusos e aventureiros, deixando apenas os experientes navegarem pelo teu mar, ainda que pereçam em alguma tempestade.

Qual canto da sereia, teus olhos oceânicos hipnotizam, seduzem e deixam os marujos inebriados com tua doçura, apenas para provar da ira e da dor do desterro. Não há desterro, porém, que traga arrependimento ao homem do mar. Aquele que prova dos teus olhos oceânicos, jamais te esquece.



PS: a referência a olhos oceânicos foi extraída de um poema de Pablo Neruda, que será publicado neste blog.

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