sábado, 19 de julho de 2014

Crônicas de uma viagem a Paris - II : Onda Vermelha


Mona Lisa, no Museu do Louvre

Paris foi invadida por chineses. Bem, qual lugar do mundo não foi invadido pelos oriundos do país mais populoso do mundo? Talvez, nenhum. Mas, aqui eles estão por todos os lados, em grupos, em bandos, com guias turísticos, noivas posando diante da Torre Eiffel, de Notre Dame, na Pont des Arts. Nas Galerias Lafayette, compram e consomem com a ferocidade de uma nuvem de gafanhotos a atacar uma plantação verde e saborosa. Havia fila de chineses para aproveitar os descontos das bolsas Chanel, Prada, Bulgari, Louis Vuitton, Longchamp por mais de alguns milhares de euros. Em oferta.

No Louvre – e nos demais museus -, a coisa se torna mais grave e convida a um olhar crítico. Percorrem as salas do museu atrás das obras mais conhecidas. Param um instante para fotografar, filmar, fazer selfies, e seguem adiante. Não há contemplação, apreciação, reflexão, admiração. Tudo é digitalizado, instantâneo, como se a captação da imagem em máquina digital permitisse representar toda a experiência da contemplação de uma Mona Lisa, de uma Vênus de Milo, de uma Coroação de Napoleão.

Correm pelo museu, atropelando as pessoas, dando cotoveladas – e não pedem desculpas. Infelizmente, a falta de educação predomina. Não tem qualquer restrição a tocar na peças, nas esculturas e nos quadros. Furam filas e parecem viver numa estrutura social própria onde as regras parecem valer para os outros e não para eles que estão fora de seu país de origem e fingem não entender o que se passa.

Em um determinado momento, perdi a paciência. Andava pela galeria dos pintores italianos no Louvre, lotada, parecendo shopping no Brasil em época de Natal, e tentava apreciar as telas quando fui arrastado pela onda vermelha. Como a maioria deles eram mais baixos do que eu, interpus-me no meio da fila de uma excursão e passei a caminhar bem devagar, quase parando. Pressenti o pânico atrás de mim. Eram vários chineses tentando me ultrapassar e eu, como piloto numa prova de automobilismo oscilava da esquerda para a direita impedindo a passagem. No fim, eles me ultrapassaram, mas ficou claro que a ida ao museu fazia parte apenas de um passeio onde não se apreciava nada, apenas carimbavam o passaporte e poderiam dizer: “eu estive lá”, “eu vi a Mona Lisa”.

Na Torre Montparnasse, um edifício moderno com um terraço panorâmico no 56o. andar, há monitores com fotos da paisagem para que o visitante possa identificar os edifícios no entorno com um toque na tela. Ali presenciei outra cena bizarra. Um moço jovem fotograva a tela do computador ao invés da paisagem! Se ele queria uma foto do computador, devia ter feito o passeio pelo Google e não precisaria ir até Paris. Qual o sentido de se viajar para um lugar e apenas registrar tudo em fotos, como se o mundo fosse apenas uma realidade virtual?


Sinceramente, não consigo entender o objetivo destes viajantes. Visitam museus, marcos históricos e monumentos apenas para tirar fotos. Creio que as devem postar nas suas redes sociais e ostentar afluência numa ex-sociedade comunista. Será que levam consigo um pouco da sensibilidade humana da cultura ocidental? Será que algum deles compreende a razão da construção de catedrais e igrejas? Será que conseguem penetrar na beleza de uma tela impressionista ou na leveza de um Rembrandt com seu jogo de luz? Tenho minhas dúvidas. Mas, volto com a sensação de que andei no meio de uma nuvem de gafanhotos predadores.


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