TRADUÇÃO
- Você me traduz tão
bem!
- Eu te leio com atenção. Observo-te não com os olhos, mas
com as palavras que brotam da tua alma. Ultrapasso a superfície para mergulhar
na tua imensidão interior.
- Mas esta tradução que desfias, não sou eu. Pões poesia no
banal, no simples. Não sou poética, nem lírica. Não extraio do prosaico
cotidiano o mel das palavras, o sumo das frutas doces que enchem a boca e
explodem no coração, da claridade do sol que aquece a pele e transporta a alma
para lugares divinos.
- É você, sim. Talvez não tenhas percebido ou se dado conta.
Eu te apresento a você mesma. Tento preencher vazios e rejeito tua apressada autocensura de
rasa. Descobrimos o profundo no silêncio do cotidiano, nas viagens por estradas
solitárias, olhar posto no infinito distante e inatingível, donde tocamos a
sensação de eternidade, de transcendência.
- Escrevo em prosa e tu me traduz em versos.
* * * * *
Nota: hoje faleceu Manoel de Barros, grande poeta brasileiro, tradutor do simples, do banal, do bucólico, do lúdico. Este breve texto é dedicado a ele em singela homenagem.
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