quinta-feira, 31 de julho de 2014

Crônicas de uma viagem a Paris - III : Torre de Babel



Gare de Lyon, Paris (c) visão ao longe


TORRE DE BABEL


Viajar me traz um senso de nossa pequenez, de nossa insignificância no mar de pessoas que habitam este planeta. Línguas diversas, estórias múltiplas a serem contadas - ou descobertas. Uma viagem à Europa é sempre instigante e desafiadora, ao menos para mim. Diferentemente dos Estados Unidos, onde sinto-me em casa com a língua e o estilo do americano, a Europa é um convite a explorar nossa história, nossa formação cultural, nossos ancestrais. A língua - ou línguas dependendo do país a ser visitado - também traz consigo um desafio, tira-me da zona de conforto. Até em Portugal é preciso estar atento às deliciosas variações do nosso idioma.

Resolvi mergulhar aos poucos, como se para evitar um choque com a transição linguística. Optei por viajar pela TAP e começar a jornada por Lisboa, mesmo sendo apenas uma conexão. No voo para Lisboa, pouco mais de 280 passageiros. Russos, belgas, brasileiros, um argelino, alemães. Muitos com ornamentos da Copa e cada um com um histórico particular. Será que existe algo realmente único a todos nós? O que será que define a humanidade? Como um escritor consegue ser universal na pletora de diferenças externas dos seres humanos? Como descobrir o que há de mais profundo no interior de cada um de nós? Comecei a jornada pensativo, ciente de que não tenho a resposta, mas certo de que há algo sim universal, valores universais, sentimentos universais a nos unir, por mais diferente que sejam nossas bagagens culturais.

A primeira fase foi tranquila, mas ao desembarcar em Paris, veio o choque. Até tentei estudar um pouco de francês para me comunicar, mas logo no táxi travei de uma forma que fiquei aliviado ao conseguir informar ao taxista o endereço do hotel. 

Paris é uma verdadeira Torre de Babel no verão, repleta de chineses por todos os lados, americanos - e outros falantes de língua inglesa -, russos, espanhóis, alemães, italianos, holandeses e pessoas oriundas do leste europeu. Não tenho a capacidade de diferenciar idiomas como húngaro, croata, eslovaco, tcheco, romeno ou sérvio. Consigo localizá-los no mapa, mas nada de comunicação. Sem falar nos japoneses, coreanos e outros asiáticos.

Paris é o destino que mais atrai turistas no mundo e esta diversidade é notada nas ruas. Além dos turistas, há muitos árabes, o que facilmente se percebe pelas vestimentas dos muçulmanos e pelo idioma. Um melting pot na expressão tão comum nos EUA, mas que não chega aos pés da verdadeira salada de culturas que Paris apresenta ao visitante. Talvez aí esteja riqueza escondida e discreta da cidade luz, esta multiplicidade de culturas que convivem em aparente estado pacífico. 

Por outro lado, vejo a importância de estarmos abertos a estudar novos idiomas, a descobrir novas palavras, a expandir os horizontes linguísticos. Meu esforço para me comunicar aos poucos foi recompensado. Não dei vexame e não passei apertos. Um francês macarrônico saiu e acabou por ser suficiente. Porém, voltei com uma vontade ainda maior de continuar a estudar o francês. Comprei livros e vou lê-los. Comprei cd's e vou ouvi-los para treinar o ouvido. Ler me parece mais fácil. Utilizando a bagagem que tenho de outros idiomas vou deduzindo o que está escrito sem efetuar a tradução. Percebi depois de alguns dias que não estava traduzindo o que ouvia e lia, mas compreendia  na língua original e aquilo me empolgou. 

Não há dúvida de que quanto mais idiomas se fala ou se conhece, mais fácil fica aprender um novo idioma. É assim com línguas pouco faladas, como o catalão. Consigo ler e compreender  o catalão usando exatamente o mix de línguas que conheço. Falar são outros quinhentos, mas ler é mais fácil.

Comecemos por valorizar a língua pátria, nosso português que anda tão mal tratado.  Depois ampliemos os nossos horizontes, incentivando as crianças a perceber a riqueza de outros idiomas e como isto nos abre portas e nos permite entender novas culturas.  É tão gostoso descobrir conexões entre as palavras de vários idiomas e suas origens, num trabalho prazeroso de genealogia semântica. Num mundo globalizado e de comunicação instantânea, quem se comunica melhor compreende melhor o complexo mundo à nossa volta.

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