sexta-feira, 11 de maio de 2007

Crônica: Cores da Manhã


Pouco depois das 6 da manhã Carol estava pronta para sair para uma caminhada no calçadão da praia. Hoje não iria à academia. Algo diferente lhe dizia, naquela manhã, que devia mudar a rotina. Dois quarteirões andando pela Rua Sousa Lima e chegou na Av. Atlântica. De frente para o Leme, abastecida com seu ipod, iniciou mais um dia. O céu avermelhado dava indícios de que o sol brilharia forte num contraste com o céu azul e sem nuvens.

Passos rápidos e ritmo acelerado foi cruzando rostos e pessoas, na maioria idosos que também aproveitavam o clima fresco da manhã. Quantos rostos e quantas pessoas cruzava diariamente? Quantas histórias não contadas? Quantas vidas com seus problemas pessoais e dúvidas? Quantas pessoas com angústias e alegrias? Será que alguém passava pelas mesmas aflições que ela? Quantos eram felizes? Quantos simplesmente passavam pela vida como um barco à deriva, sem rumo, sem direção, apenas existindo? Tudo aquilo embaralhava-se nos seus pensamentos. Carol estava perdida e sabia disto. Por que ele, exatamente ele, num momento e ao acaso havia mexido com ela? Por que agora e não antes? Por quê? As perguntas se repetiam e ela nem reparava na trilha sonora que brotava de seu ipod.

Buscava no ar fresco da manhã, num ímpeto, que todo aquele mistério se desfizesse. Tinha medo de tomar certas decisões e isto a afligia. A incerteza do futuro deixava-a intranqüila. Seria tudo isto apenas uma noite deveras longa ou criações fantasiosas de sua mente criativa? Ela não sabia a resposta.

Ao cruzar a Siqueira Campos, reparou na escultura do Tenente Siqueira Campos. Tantas vezes já havia feito aquele trajeto sem se atentar àquela escultura. Quase uma foto congelada no tempo. O artista havia captado o momento em que o Tenente era alvejado e levado deste mundo. A plasticidade do corpo imóvel, os braços estendidos para trás, os joelhos dobrados projetando o corpo para a frente, a expressão de dor. Num momento, a vida desapareceu daquele homem. Vida breve.

Aqueles segundos de contemplação deram-lhe um senso de brevidade, um senso de que o tempo não é eterno, e não seria eterna sua angústia. Apenas uma travessia e logo o sol voltaria a aparecer, numa nova manhã radiante. Mas tinha pressa, queria voltar a sorrir. Queria voltar a sentir seu coração bater com força e vibração, queria deixar de lado o passado que lhe pesava e arrastava-se.

Seus olhos marejaram. Sentiu saudade de Roberto. Apenas 2 semanas haviam transcorrido desde aquele encontro, mas estava certa de que havia sido o último. Não tinha coragem de ouvir seu coração. Não tinha coragem de enfrentar o passado e criar para si um novo futuro. Deixaria o destino levá-la, por onde o destino quisesse.

Um comentário:

Edna Federico disse...

Mais uma crônica bonita, estou virando sua fã!
Se um dia escrever um livro, me avise que compro.
Enfrentar o passado nem sempre é fácil, ainda mais quando ele deixa marcas profundas.