sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Campo de Flores - Carlos Drummond de Andrade




CAMPO DE FLORES

Deus me deu um amor no tempo de madureza,
Quando os frutos ou não são colhidos ou sabem a verme.
Deus – ou foi talvez o Diabo – deu-me este amor maduro,
E a um e outro agradeço, pois que tenho um amor.

Pois que tenho um amor, volto aos mitos pretéritos
E outros acrescento aos que amor já criou.
Eis que eu mesmo me torno o mito mais radioso
E talhado em penumbra sou e não sou , mas sou.

Mas sou cada vez mais, eu que não me sabia
E cansado de mim julgava que era o mundo
Um vácuo atormentado, um sistema de erros.
Amanhecem de novo antigas manhãs
Que não vivi jamais, pois jamais me sorriram.

Mas me sorriam sempre atrás da tua sombra
Imensa e contraída como letra no muro
E só hoje presente.
Deus me deu um amor porque mereci.
De tantos que já tive ou tiveram em mim,
O sumo se espremeu para fazer um vinho
Ou foi sangue, talvez, que se armou em coágulo.

E o tempo que levou uma rosa indecisa
A tirar sua cor dessas chamas extintas
Era o tempo mais justo. Era tempo de terra.
Onde não há jardim, as flores nascem de um
Secreto investimento em formas improváveis.

Hoje tenho um amor e me faço espaçoso
Para arrecadar as alfaias de muitos
Amantes desgovernados, no mundo, ou triunfantes
E ao vê-los amorosos e transidos em torno,
O sagrado terror converto em jubilação.

Seu grão de angústia amor já me oferece
Na mão esquerda. Enquanto a outra acaricia
Os cabelos e a voz e o passo e a arquitetura
E o mistério que além fez os seres preciosos
À visão extasiada.

Mas, porque me tocou um amor crepuscular,
Há que amar diferente. De uma grave paciência
Ladrilhar minhas mãos. E talvez a ironia
Tenha dilacerado a melhor doação.
Há que amar e calar.
Para fora do tempo arrasto meus despojos
E estou vivo na luz que baixa e me confunde.

(Antologia Poética. 26a. ed. Rio de Janeiro : Record, 1991)



quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Mentiras que nos contam

A liberdade de imprensa é um pilar de sustentação de qualquer sociedade democrática e livre. Uma imprensa forte e atuante é arma do cidadção contra a mentira, a enganação e o estelionato praticado por certos integrantes do governo. Bem que eles gostariam que ficássemos na ignorância, a grande inimiga da liberdade. Ou será que os cubanos não se revoltariam se a imprensa fosse livre em Cuba?

A arrecadação de tributos anunciada pela Receita Federal esta semana destrói uma destas mentiras. Apenas para reavivar a memória (O fim da CPMF), o Governo alegava que não podia abrir mão da arrecadação da CPMF e que isto abriria um rombo nos cofres do governo de R$ 40 bilhões. Pois bem, a arrecadação de tributos de janeiro de 2008 foi recorde histórico no mês. Aliás, toda vez que a Receita Federal divulga o resultado da arrecadação de tributos, a manchete é sempre a mesma: novo recorde de arrecadação.

Só com o resultado da arrecadação de janeiro, o governo já recuperou R$ 10 bilhões, ou seja, arrecadou este montante acima do previsto. E ainda faltam mais 11 meses de arrecadação, o que comprova que eles mentiram de forma descarada. Mantido o ritmo de recordes de arrecadação, a suposta "perda" será compensada antes do meio do ano. Fomos enganados, só que ninguém diz isto.

O Secretário da Receita disse que "o resultado foge da normalidade" e que foi algo extraordinário. Sem dúvida que foi algo extraordinário, e este milagre chama-se crescimento econômico. Por que milagre? Porque crescer e empreender neste país com uma carga tributária pesadíssima é algo de extraordinário. O Brasil foge da normalidade, nisto o Secretário da Receita tem razão.

E a CPMF não vai fazer falta para o governo, mas alegra nosso bolso.


* * *

Mudando de assunto, agora o governo já começou a dizer que o roubo dos laptops da Petrobrás foi um furto comum e que ninguém no governo havia afirmado que se tratava de espionagem industrial (Cadê meu laptop?) . Acho que Tarso Genro precisa tomar Fosfosol, se é que ainda existe o remédio.

Começo a suspeitar que não tinha nada de importante nestes laptops.

O furto de informações não é privilégio do Brasil. Como nos informa uma leitora direto de Londres. Agora temos correspondente internacional no blog! Transcrevo o comentário dela abaixo:

"Hi!
Just for information this is to say that in the UK, our government lost personal data including bank account numbers for 25 million people in the country.
This was because they sent by post 2 CD's containing this information without encrypting the data and without sending special delivery so that it could be tracked.
A month later two laptops were stolen again with government information from the back of someone's car.
We are still waiting for the investigations to be completed. It has been two months from the last theft.
Abracos
Sharon (UK)"

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Dicas da Dani: Vanessa da Mata

Um pouco de música para animar a semana.

Vanessa da Mata é uma daquelas cantoras brasileiras que vem ganhando espaço e conquistando fãs com passos firmes. Aos poucos, seu estilo swingado e sua voz afinada acrescentam a esta excelente geração de cantoras, tais como Maria Rita, Céu, Mariana Aydar, entre outras.

Seu último CD é Sim. Música para ser ouvida a qualquer hora, mas excelente companhia para relaxar e sonhar. Este vídeo é do hit Boa Sorte / Good Luck, com participação de Ben Harper. Além da perfeita parceria entre os dois, a letra é um convite a refletir.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Crônica: Ampulheta



AMPULHETA


Descalço, o chão ainda quente com o calor do dia, atravessou a sala semi-iluminada, afastou a grande porta de correr, que mais parecia uma enorme janela, e saiu para o deck de madeira que dava acesso ao gramado frontal da casa, que por sua vez esticava-se até a areia da pequena praia privada. Bem, deveria ser pública, mas só se chegava à praia depois de passar pela portaria do condomínio e caminhar por cerca de dois quilômetros de subidas e descidas.

Roberto acendeu um cigarro, enquanto a leve brisa da noite roçava seu rosto e a ondas do mar davam a música de fundo, quebrando o silêncio da solidão. O céu recoberto de pontos brilhantes, numa noite clara, porém sem lua. A maresia trazia consigo um ar indigesto. O aroma lhe incomodou e tossiu, como se estivesse nauseado, uma tosse intensa, longa, alta. Ninguém o ouviu, pois todos já haviam adormecido. Estava sem sono. Talvez fosse o cigarro que lhe causava aquela náusea; talvez a discussão com a mãe; talvez a sensação de que a aparente solidez de sua vida começara a ruir. Grãos de areia escorrendo silenciosamente como se seus dias fossem uma ampulheta.

Tragou novamente o cigarro e soltou a fumaça numa longa baforada para o alto. Gostava de fumar e isto irritava profundamente sua mulher. Estava pouco preocupado com o que a irritava de uns tempos para cá. Sentiu-se egoísta com este pensamento, mas era verdade. Tinha que ser sincero consigo mesmo, recomendara um amigo psicanlista. É preciso perder o medo da verdade e de dar nome às coisas. Chega de devaneios e de juízos parciais, Roberto. O obstáculo a ser vencido porém, não era dar nome às coisas, mas sim externá-las, dizê-las em alto e bom som. A mulher não o ouvia, ou fingia não ouvir. E Roberto tinha medo de falar.

Durante toda sua vida, ouvira dizer que a comunicação é o segredo da longevidade de todo casamento e de todo o relacionamento. O amor vence as barreiras linguísticas e ataca corações, ainda que os seres não falem o mesmo idioma. O amor ataca sem aviso, sorrateiro, invade lentamente o ser, e domina-o, estrangulando-o, anestesiando-o, desnorteando-o. Quando se dá conta, o coração já sequestrou a razão e esta, coitada, se vê perdida num canto da vida, no aguardo de que o coração bobeie e a razão retome as rédeas da montaria.

No início conversavam longamente, sem tempo, sem relógio, sobre tudo. Perdiam-se com as conversas. Temas variados, nunca entediados, sempre com sorrisos, beijos e carícias, longos abraços. Aquelas tardes na rede do sítio, tardes sem pressa, tardes para simplesmente ficar juntos. Dilemas, discussões, entreveros eram superados com bom senso, sorrisos e um sendo convencido pelo outro a mudar de posição. Claro que não concordavam com tudo, mas sempre algum deles cedia e tudo acabava bem, com um longo beijo na boca e um sorriso renovado.

“Jamais durmam sem resolver uma briga!”. Ouvira o conselho no curso de noivos na Igreja de São Gabriel. Não se lembrava de muita coisa daquele curso, apenas deste conselho. E seguiam-no à risca. Até que algo estremeceu e o conselho perdeu seu vigor. Roberto parecia cansado de ceder, de atenuar as coisas, de abrir mão do que pensava e achava. As implicâncias aumentavam, com coisas banais e outras relevantes. Tentara falar. Em vão. Novamente, conversaram. E a resposta, foi desanimadora. Parecia que dialogavam em dois idiomas completamente diferentes, ou melhor, não dialogavam. Eram monólogos, discursos lançados ao vento, sem ouvintes, sem platéia e sem que o teor fosse compreendido. Por vezes, Roberto tinha vontade de rir. Tudo era muito estranho, cômico até, pois não se entendiam. As brigas eram mais frequentes. As discussões constantes e a paz evaporara, assim como a fumaça do cigarro. E voltara a fumar sob o pretexto de que estava estressado no escritório e com bloqueio para escrever. A verdade ele sabia. O cigarro tinha a função de irritá-la. Ou talvez afastá-la, forçá-la a tomar coragem e decidir por ele. Ela encararia a verdade que ele temia e se recusava a trazer à tona.

O plano passou a ser este. Roberto agiria de forma proposital para que ela tomasse a iniciativa, para que ela provocasse uma briga final, para que ela desse um basta ao relacionamento, para que ela ficasse na situação de vencedora diante de um fracassado. O cigarro era um primeiro passo. Roberto pensou em esticar mais as viagens a trabalho, talvez numa viagem de sexta-feira, voltaria somente no sábado. Precisava de uma estratégia e de um plano. Acendeu outro cigarro e com o olhar nas estrelas, iniciou a planejar uma forma de romper com a mulher sem que tivesse que se desgastar. “Doce ilusão”, pensou consigo mesmo.” Já estou desgastado. Já estou drenado, agora só me falta a coragem.”


quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

No Palácio da Alvorada...

Fidel se fue. E a liberdade?

Fidel Castro, o último baluarte de um regime ultrapassado, autoritário e ditatorial, renunciou à presidência de Cuba. Não vou usar meias palavras, nem tampouco dar uma de politicamente correto. O regime imposto pela revolução cubana é uma afronta à liberdade.

Muitos dirão que Cuba tem um excelente sistema de saúde. E o que mais? Belas praias para os estrangeiros, pois os cubanos não podem frequentá-las. Que adianta ter saúde pública decente, mas não ter o que comer, o que vestir, onde morar?

O sistema cubano é um sistema onde o proletariado é oprimido, vigiado, tolhido de seus direitos fundamentais, tudo em face de uma classe dominante opressora. Estou usando os termos que os companheiros tanto gostam. A classe dominante são os heróis da revolução encabeçados por Fidel e seus aceclas.

O vídeo da BBC mostra estudantes cubanos questionando o presidente do parlamento sobre o porquê de não poderem viajar para fora do país. Um cubano não pedir visto para viajar. Ou melhor, pode, mas se o visto for recusado, ele entra numa lista negra e passa a ser um potencial fugitivo da ilha, uma ilha que é uma prisão no Caribe para muitos de seus moradores.



O regime cubano não respeita a liberdade de expressão, impõe a censura e fuzila todo aquele que se manifeste de forma contrária às idéias da revolução. E alguns "intelectuais" brasileiros apóiam tais posições.

Torço - sem muita esperança - que agora haja liberdade em Cuba.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Cadê meu laptop?

Não, não foi meu laptop que sumiu. O meu eu sei onde está e sei onde está o backup de todos os arquivos. Estou falando dos laptops da Petrobrás que desapareceram misteriosamente. Mais uma trapalhada em gestão de empresa estatal.

Fico abismado com esta estória toda. Tem muita coisa que não fecha e muita coisa precipitada. A minsitra Dilma falou em espionagem. O presidente Lula falou em espionagem. A Polícia Federal fala em espionagem. Mas quem quer espionar a Petrobrás, uma empresa que detém o monopólio da exploração de petróleo no Brasil? Seria o companheiro Chávez?

Vamos aguardar para ver.

Agora pergunto: por que alguém envia um laptop com dados sigilosos num container? Por que os dados não estavam apenas num data center ou num HD externo portátil que permitisse que fosse carregado por uma pessoa responsável? Quem é que despacha um laptop junto com a bagagem? Nós, pobres mortais, não o fazemos.

Este episódio mostra bem como são tratados os dados estratégicos deste país.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Um pouco de Cecília Meirelles



"De um lado cantava o sol,

do outro, suspirava a lua.

No meio, brilhava a tua

face de ouro, girassol!


Ó montanha de saudade

a que por acaso vim:

outrora, foste um jardim,

e és, agora, eternidade!


De longe, recordo a cor

de grande manhã perdida.

Morrem nos mares da vida

todos os rios do amor?


Ai! celebro-te meu peito,

em meu coração de sal,

ó flor sobrenatural,

grande girassol perfeito!


Acabou-se-me o jardim!

Só me resta, do passado,

este relógio dourado

que ainda esperava por mim..."

(Canções. Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 2005, p. 18-9)


Tantos sentimentos unidos num breve poema que integra Canções. Fico na saudade. Acho que foi o tema da semana neste blog. Um daqueles temas que ganham o inconsciente e só percebo depois que há uma união nos temas. "Montanha de saudade" que traz lembranças e desperta sentimentos bons, desejos bons, anseios bons. Saudade talvez seja o sentimento mais puro e despido de egoísmo. Um sentimento humano essencialmente inocente, inevitável, mas que enche de alegria a quem é dirigido.


Saudade só é sentida de um ente querido, de quem é importante, de quem é especial. Uma dor que pode levar a lágrimas, mas estas lágrimas semeiam alegria e felicidade. A felicidade de voltar, o júbilo do reencontro, de estar perto. Saudade que preenche o vazio da distância com o pensamento, ainda que silencioso.


Saudade não é uma simples palavra. É emoção rica e profunda, é dizer que moras no coração.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Crônica: Copo d´água


COPO D´ÁGUA

Os lençóis grudavam em seu corpo. Despertou do sono pesado com o calor da madrugada, apenas aliviado pela leve brisa do ventilador ao pé da cama. As gotículas de suor molhavam seu pescoço, as costas e embebiam o travesseiro. Jogou as pernas para fora da cama, desvencilhando-se dos lençóis. Abriu e fechou os olhos algumas vezes, atordoado pela sonolência que ainda pesava.

Pôs-se de pé e rumou para a cozinha, tateando no escuro, em silêncio, os pés descalços saboreando as tábuas do chão que guardavam o calor do dia. Tinha descoberto o prazer de andar descalço, ou melhor, redescoberto. Ao chegar em casa, dispensava chinelo ou qualquer calçado: preferia ficar com os pés a acariciar o solo. Coisa de criança poderia dizer alguém, mas ele não se importava. Rejuvenescia com este simples gesto, despia-se dos trajes talares, deixava de lado a fantasia e o personagem que encenava na vida profissional. Ultimamente vinha se questionando, revendo idéias e preconceitos. Aos 32 anos, reavaliava o sucesso profissional, reavaliava a falsidade e a malícia que o cercavam em seu ambiente de trabalho que mais parecia uma floresta tropical, com feras e índios, com caçadores inescrupulosos e senhores que melhor se situariam em uma corte européia do tempo do imperador.

Abriu a geladeira e buscou a garrafa de água gelada. Tomou no gargalo, afinal estava sozinho em casa. Ninguém ia saber, ninguém iria recriminá-lo. A água gelada desceu por sua garganta aliviando o calor da madrugada abafada. Vários goles. Sua língua percorreu os lábios enxugando-os, num movimento instintivo. Deixou a garrafa de lado e ergueu a mão, encostando-a nos lábios cerrados, frios e úmidos. Um arrepio percorreu-lhe a espinha, um sentimento de saudade tomou-lhe todo o ser.

Imóvel, no escuro completo da noite, foi acometido de algo estranho. Saudade de algo que nunca tivera, que nunca provara, que nunca recebera, que nunca ganhara. Um nó formou-se no peito e os dedos deslizaram pelos lábios, como se fosse ela a tocar seus lábios. Podia sentir o gosto – ainda que imaginário -, podia vê-la diante de si, como naquela foto em que sorria de lado com o rosto virado como que o convidando a ir a ela. Podia sentir o toque da mão dela acariciando a sua mão. A pele sedosa e suave, delicada, sempre mais fria que a dele. O olhar com um brilho todo dela. Era saudade que jorrava e aumentava o desejo de tê-la perto. Era saudade de um beijo que nunca recebera. Incontrolável anseio por um beijo que nunca provara. Ainda.

E se um ministro perder o "PT card"?

Ministro do governo Lula liga preocupado para o presidente:

- Alô, presidente! Perdi meu cartão corporativo. Não tenho idéia onde deixei o bicho.

- Ora, companheiro, não se preocupe. Com certeza, o ladrão vai gastar menos do que você.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Notas cotidianas

Passadas as férias escolares, o carnaval, São Paulo volta a ser a cidade complicada. Tudo volta ao normal. Meus filhos já começaram as aulas e o rodízio de veículos impõe que chegue ao escritório às 7 da manhã e só saia depois das 20 horas.

Acordei no escuro e vim trabalhar com o farol do carro aceso, vendo o dia amanhecer. Não deixa de ser um belo espetáculo, uma compensação por começar a semana madrugando.

Quanto ao rodízio, acho que está na hora de repensar este sistema. Em São Paulo, devido ao excesso de carros na rua - e na falta de transporte público confiável -, a cada dia da semana o final da placa do carro fica impedido trafegar entre 7 e 10 da manhã e das 17 às 20 horas. Na 2a. feira, são os carros com final de placa 1 e 2, na 3a. feira, os finais de placa 3 e 4, e assim sucessivamente.

No começo de janeiro, atingiu-se a marca de 6 milhões de carros emplacados em São Paulo. Além destes veículos, há uma enormidade de carros que circulam em São Paulo com placas de outras cidades, visando principalmente pagar o IPVA mais baixo. São carros com placa de Curitiba, em sua maioria, já que o IPVA no Paraná é muito mais baixo. Este mundaréu de carros circula e atravanca o trânsito.

O rodízio foi criado como um paliativo temporário. Neste país, isto pode ser traduzido como a única solução que nossos governantes conseguiram engendrar. Nunca é temporário. E passados 10 anos ou mais de rodízio, não há uma alternativa, não há uma nova proposta em discussão, enfim, não se caminhou neste assunto.

Só se fala em ampliar o rodízio, em ampliar área de restrição ou em criar pedágios urbanos. Solução ou alternativa que é bom, nada!

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Carnaval e livros

O carnaval já acabou e adentramos a quaresma - que começou ontem. De vez em quando, os comentários propõe uma continuação da conversa. Por vezes "bloggar" é conversar. Alguém começa o assunto e o fio da meada vai sendo puxado.

Então, vamos lá. Tenho 2 assuntos neste post e retomo o tema dos 2 úlitmos posts.

1. Carnaval

A Edna e a Fabiola acrescentaram um pouco mais ao que escrevi em Mutações Carnavalescas. A Fabíola lançou a pergunta: como fazer nossas crianças gostarem de carnaval? Não sei a resposta. Mas sinto que é importante que nossos pequenos possam desfrutar desta tradição cultural sadia que é o carnaval com suas marchinhas, sambas de roda, sambas de escola que tanto marcaram. Hoje - infelizmente - tudo parece muito falso.

Os desfiles são bonitos, mas é uma competição atrás de dinheiro, do título. Mulheres se estapeiam para ver quem aparece mais com menos. Nos camarotes, o que importa é conseguir entrar e contar para os outros. Claro que há muito amor à bandeira da escola - tanto no Rio como em São Paulo -, mas o espetáculo parece ser cada dia mais para "gringo ver". Talvez esteja errado, mas tenho esta sensação. Não me lembro de um único samba enredo dos últimos 3 anos.

Sambas que traziam versos como:
"Sonhar não custa nada"

"Explode coração na maior felicidade /
É lindo meu Salgueiro /
Contagiando, sacudindo esta cidade"

"Viver e não ter a vergonha de ser feliz/
Cantar e cantar e cantar/
A beleza de ser um eterno aprendiz"

Todos temos um. Todos poderíamos cantar vários. Queria apenas exemplificar. Acho que o carnaval tem perdido o apelo popular e sinto falta disto, sinto falta de poder passar a tradição cultural para as crianças.

2. Livros

A disse que sou um ótimo propagandista de livros. Quem sabe as editoras não começam a me mandar uns livros de graça? Não seria nada mal.

Sou chato para escolher os livros que leio, mas confesso que os últimos que comprei terminei todos. Nenhum deles é best-seller, quem sabe por eu teimar em ser diferente e tentar descobrir um livro que vai só mais tarde, sendo que eu já o terei lido antes. Tento fugir do lugar-comum. Ranço de pesquisador e fuçador que gosta de encontrar algo diferente, novo, algo que lance um novo olhar sobre as coisas.
Isto vai gerar um outro post com os livros que li nos últimos tempos, pois percebi que muitos deles - sem querer - têm um fio condutor que os une. A maioria trata de relações humanas, de sentimentos, de conflitos, temas que me interessam e são fonte para as crônicas e textos que tenho escrito.
Quem quiser dar um pitaco, pode comentar, pois o bate-papo é uma das coisas fascinantes na blogosfera.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Uma viagem pelo passado



Tatiana Salem Levy é uma jovem escritora brasileira, considerada uma das revelações na nova literatura contemporânea brasileira. A Chave de Casa é seu romance de estréia e foi lançado pela Editora Record em 2007. O livro foi inicialmente publicado em Portugal pela Editora Cotovia, numa coleção dedicada à nova literatura brasileira contemporânea.


A narrativa não é linear e os capítulos curtos se sobrepõem em diversos planos para contar a história dos antepassados da narradora. Há poucos nomes nos livros e os personagens não são identificados e descritos em detalhes. Há um enevoado sobre os protagonistas que somente se desfaz - e não totalmente - depois de alguns capítulos. O estilo narrativo é denso e exige atenção do leitor, que demora um certo tempo a perceber que a história corre em planos paralelos, planos de tempo diversos, que convergem no final para o tempo atual.


Algumas palavras permeiam toda a história de uma família que emigra da Turquia para o Brasil, foge para Portugal durante a ditadura e retorna ao Brasil. Medo, silêncio e passado. O primeiro sentimento está presente em todos os momentos temporais do livro. O silêncio é correlacionado com o medo, um medo do futuro, um medo de não estar em paz com o passado.


Neste drama humano, há passagens de uma riqueza narrativa belíssima, com poucos detalhes, mas muito emoção e intensidade. Ainda que haja um personagem masculino, a narrativa se dá basicamente do ponto de vista feminino, em conversas entre mãe e filha, onde esta expõe seus medos, aflições, angústias e desejos.


A memória, esfumaçada, imprecisa, é elemento constante na história, o que pode causar um pouco de confusão no leitor, mas que é usada de forma hábil pela escritora. O ponto de vista, a versão da narradora é contraditada pela mãe falecida, com quem conversa em pensamento. Estes diálogoso conduzem o leitor a refletir sobre pontos de vista diversos, sobre a ótica e o olhar, sobre a forma de ver as coisas.


Há uma semelhança entre a narrativa e a vida da autora, nascida em Lisboa, e que se mudou para o Rio de Janeiro com apenas 9 meses de idade. O romance é ficcional, mas há características autobiográficas na obra. Dificilmente o livro será um best-seller, mas é uma obra de grande qualidade literária.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Mutações Carnavelescas

Última noite de um carnaval tranquilo, com clima ameno e cinza. Exceção feita ao sábado, onde o sol brilhou em São Paulo como há muito não brilhava. De resto, tempinho de latitudes temperadas. Mas vamos ao assunto. Vou falar de tempo, mas não de clima.


Fui um carnavalesco fanático. Desde os tempos de criança, gostei de carnaval, dos bailes, das marchinhas, do samba. O carnaval mudou, assim como eu que ganhei uns bons anos a mais. É interessante reparar como o carnaval em São Paulo mudou drasticamente. A cidade ganha um ar de cidade-fantasma, com um carnaval estritamente profissional. Poderiam dizer que é a cara de São Paulo.


Quando era criança, nos anos 80, era comum passarmos o carnaval no sítio, em São Roque, e retornar na 3a. feira pela manhã para aproveitar a matinê do Pinheiros, um tradicional clube paulista. Os pequenos ficavam no mezanino do salão de baile. O sonho era poder descer e pular o carnaval com os maiores, coisa que só possível quando fiz 12 anos. Era uma época em que os clubes realizavam bailes de carnaval muito concorridos, num ambiente relativamente tranquilo e comportado, tanto matinês como bailes noturnos. Estes bailes praticamente acabaram em São Paulo. Descobri, pelos jornais, que só o Juventus realizou bailes de carnaval este ano e não achei matinês para as crianças.


Outra manifestação popular que acabou foram os blocos de rua. O Guéri-guéri era um tradicional bloco dos Jardins e que saía todo ano no sábado anterior ao carnaval. Desapareceu por falta de local para desfilar. Outro evento era o Folia na Faria. Durou uns 5 anos e acabou pelo mesmo motivo. Em 1996, fiz uma maratona carnavalesca: sábado saí no Guéri-guéri, e domingo, no Bloco da Bolsa de Valores no Folia na Faria. Foi divertidíssimo e ainda por cima apareci num flash da TV Globo para o Jornal Nacional - pelo menos, foi o que me contaram.


Os blocos acabaram pelas inúmeras reclamações de moradores da cidade. O barulho, a sujeira, as interdições nas ruas, enfim tudo era problema. O paulistano ficou chato. Quer silêncio e sossego no carnaval, tanto que foge da cidade. Acho triste que os blocos e bailes tenham sumido, blocos que proliferam no Rio de Janeiro.


O carnaval de São Paulo ficou profissional, restrito aos desfiles do sambódromo para turistas e alguns poucos artistas. Chateia-me o fato de que meus filhos não compartilharão das marchinhas, do confete e da serpentina, da bagunça sadia do carnaval.


O carnaval de sampa não é mais o mesmo, coisas do progresso, coisas da modernidade. Mas triste a modernidade que esquece o passado, a tradição e a cultura popular.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

Um torpedo e um sorriso

"Enquanto meus pensamentos reviravam com essas idéias todas, ouvi meu celular apitar: nova mensagem. No cabeçalho, o nome dele, e logo abaixo o texto: acho que tenho toda a ternura e todo o carinho dentro do peito. Obrigado por existires. Beijinhos."

Este trecho está nas últimas páginas de A Chave de Casa, de Tatiana Salem Levy (Rio de Janeiro : Record, 2007, p. 205). Li ontem à noite. Fico contente quando encontro em bons livros, semelhanças com a vida e fatos descritos de forma parecida com alguns que descrevo nas crônicas. Um aprendiz de escritor que se encanta com estas descobertas.

Interessante como a tecnologia muda a forma de sentir, de pensar, de conversar, de reparar nas pessoas ainda que ausentes fisicamente. Certas conversas, por telefone, email ou comunicadores instantâneos (gtalk ou msn), parecem presenciais. Mexem conosco da mesma forma.

E o carinho sempre se faz presente.

Sobre o livro, que é muito bom, escrevo depois.