domingo, 30 de março de 2008

O olhar e palavras na visão de Milton Hatoum

Trechos de Órfãos do Eldorado, de Milton Hatoum (Cia. das Letras, 2008):

"Não lembrava com nitidez do rosto; dos olhos, sim, do olhar. Rever o que foi apagado pela memória é uma felicidade. Tudo voltou: o sorriso, o olhar vivo no rosto anguloso, olhos mais puxados que os meus." (p. 31)

"O olhar de Dinaura era o que mais me atraía. Às vezes um olhar tem a força do desejo." (p. 31)


"Olhei desconfiado para Florita, e esperei outras palavras sobre o sonho, mas ela saiu em silêncio. Os sonhos e o acaso me levavam para um caminho em que Dinaura sempre aparecia." (p. 33)


"Ela escapava sem dizer palavra. Não sei se escapava: era o silêncio que dava impressão de fuga." (p. 37)


Separei estes trechos após escrever o post anterior sobre as palavras e o silêncio. O acaso sempre tem um papel importante no encadeamento das idéias, na inspiração, na forma de decifrar os mistérios da vida. Parece que o acaso se torna algo incrivelmente presente, bastando que nos atentemos para os fatos.


No post anterior, procurava mostrar o silêncio decorrente da alegria, da felicidade que nos deixa sem palavras. A falta de palavras é uma manifestação tão doce, tão sincera quando nos deparamos com um fato que simplesmente não conseguimos traduzir em palavras. Realidade cantada em prosa e verso. Quantas músicas descrevem o estado de transe, o estado sublime pelo qual somos tomados diante de uma surpresa ou de um simples gesto que nos toca profundamente? E quantas vezes nos faltam palavras?


Milton Hatoum, em seu mais novo livro, cria uma ilusão com a palavra, o olhar e o silêncio. Isto é notável depois de um terço do livro. Dinaura, a mulher amada por Arminto, comunica-se com o olhar e raras palavras. Quase não há diálogo. Há gestos, olhares, toques. É perceptível como o escritor utiliza estes três aspectos para instigar o leitor. E como falava eu de palavras - ou a falta delas -, dou mais um passo com o olhar e as palavras, socorrendo-me da obra de Milton Hatoum.


Ele fala do silêncio também e acho que o próximo tema já está dado. Tenho mais 2 posts prontos, mas não vou fugir da linha de raciocínio. Os comentários ao último post instigaram-me a continuar nesta linha. Sobre o silêncio, falemos amanhã.

sexta-feira, 28 de março de 2008

Paradoxo

A falta de palavras, às vezes, diz muito mais do que muitas palavras. É um silêncio que fala com o coração, com o olhar, com um sorriso. É um ficar atônito, espantado, surpreso. Onde a ambiguidade se desfaz com uma comunicação única entre interlocutores. Um silêncio mais prolixo do que um longo discurso.

quarta-feira, 26 de março de 2008

Comentando os comentários


Sempre fico meio em dúvida na melhor maneira de responder aos comentários. Alguns respondo nos respectivos blogs. Já respondi direto na seção de comentários, mas acho que fica meio confuso. Então vou fazer um post para responder e assim todo mundo pode dar palpites.
A foto é para dar um pouco de cor e vida ao blog. Pode parecer desconexa, pode parecer fora de lugar, mas cada chocolate da caixa traz uma nova experiência, um novo sabor, um novo sorriso, assim como cada texto que escrevo. Ainda vou escrever sobre isto, mas vamos voltar ao assunto.


1. Queijo - ou seria um pseudônimo em fase de mudanças sopradas pelos ventos? -, eu leio muito mesmo. Além da leitura no trabalho, a literatura é um vício saudável. Confesso que pensava como você: não consigo ler porque não tenho tempo. Eu lia pouco, ou melhor, só lia livros jurídicos. Com a mudança repentina de rumo na vida acadêmica, resolvi arejar a cabeça e mergulhar na ficção. Ler, em primeiro lugar, ajuda a escrever melhor. E depois, mostra que há algo inerente e universal no ser humano. Somos todos iguais, com preocupações semelhantes, com sentimentos parecidos, com angústias e alegrias. Identificar isto num livro, perceber num personagem características que são tão pessoais e próprias, acho que permite encarar a vida de uma forma diferente. Há toda uma inspiração que vem junto com um personagem, com um bom livro.


O tempo? Troquei a televisão pelos livros. Hoje assisto pouca TV e leio muito. É um refúgio, um momento pessoal de reflexão e intensa satisfação. Acho que se não lesse tanto, não conseguiria escrever tanto e trazer uma visão pessoal - nas crônicas e textos- daquilo que somos e daquilo que enfrentamos diariamente. Uso muito trechos de livros para comentar e discutir aqui no blog. Enfim, acho que dos livros vem a parte fundamental do conteúdo deste blog.


2. Tamara, Fabiola, Edna, Humana e Bia - A idéia era esta mesma. Recomeçar. Páscoa não é só chocolate e coelhinho. Para mim, é um momento de reflexão. Pessoalmente, ano passado foi um momento de algumas guinadas na vida, de mudanças relevantes e tomar novos rumos. Uma sequência de fatos - fora do meu controle - obrigaram-me a tomar o leme de um barco que seguia o fluxo normal da vida e redirecionar a rota. Passados 6 meses, vejo como boas as mudanças e como é importante seguir um dia por vez, passo a passo. Abrir mão de certas coisas do passado não é fácil, é doloroso por vezes, mas importante para seguir no caminho mais leves e renovados.


Ah, Humana, concordo com você. Palavras devem ser usadas para despertar um sorriso, para aquecer um coração, para alegrar um amigo ou amiga, para puxar para cima, para espalhar coisas boas.


3. Para terminar, aproveitem e visitem os blogs das comentaristas. Excelentes e com textos que provocam discussão e reflexão.

TRILHA SONORA: SHERYL CROW - GOOD IS GOOD.

domingo, 23 de março de 2008

Uma reflexão pascal

"No entanto, apesar de sua natureza caduca, o tempo oferece a oportunidade de eternizar-me. Cada minuto que passo sobre a terra tem também sentido eterno. Cada segundo que tenho de vida é uma conjuntura que posso aproveitar ou perder para sempre. A vida terrena é episódica, mas também, de alguma forma, definitiva. Não cabem os ensaios. É irrepetível. A representação nunca tem 'reprise' ou 'videotape'. O que se viveu eternizou-se, para o bem ou para o mal, irreversivelmente. Como as águas do rio, a vida não volta atrás."
(Rafael Llano Cifuentes. Juventude para todas as idades. São Paulo : Quadrante, 2008, p. 4-5).


Um breve trecho deste pequeno livro que chegou às minhas mãos um pouco antes da Páscoa. A vida não volta atrás mas permite-nos um constante recomeçar, um constante rejuvenescer, um constante ressurgir. O ser humano tem esta capacidade única de começar de novo, com espírito jovem, deixando os erros para o passado e corrigindo o rumo e as metas.

Ressurgir, renovar a esperança e o entusiasmo nesta caminhada da vida. Um dia após o outro, mas sempre caminhando!

Boa Páscoa a todos!

quinta-feira, 20 de março de 2008

Livros na bagagem




Um feriado de três dias e o começo do outono. Combinação perfeita para comprar livros e levá-los na bagagem para uma viagem ou para ficar em casa lendo e viajando de uma confortável poltrona. No final de semana passada, chuvoso e frio em São Paulo, aproveitei para comprar alguns livros que pretendo devorar até domingo. Um deles já está quase no final.



Comecei com A cada um o seu, de Leonardo Sciascia. Romance lançado pela Alfaguara (2007) de um excelente escritor italiano falecido em 1989. Sciascia (pronuncia-se Xaxa) é um escritor engajado, destaque da literatura italiana do século XX. Suas obras são marcadas por uma crítica à corrupção política e ao poder arbitrário. Talvez uma boa dica para algumas pessoas em Brasília, mas acho que alguns deles não se interessam por livros.


A sinopse é da Livraria Cultura:



"Numa pacata cidadezinha na Sicília, o farmacêutico Manno recebe uma carta anônima que anuncia que ele vai morrer pelo que fez. Homem bem casado, discreto e pacato, não pode acreditar que a ameaça seja verdadeira. Mas está enganado. No dia seguinte, sai para caçar com um amigo e ambos são brutalmente assassinados. O crime choca o vilarejo e confunde a polícia. Será que o farmacêutico era mesmo tão correto quanto se acreditava? Entre os moradores atraídos pela história está o professor Laurana, solteirão tímido e recluso que, a partir de uma pista inicial, se envolve acidentalmente com uma intriga que se mostrará muito maior do que ele poderia suspeitar. Neste livro, o que parece ser apenas um irônico relato policial se transforma em algo muito mais profundo - uma história que questiona até onde podem chegar a violência e a falsidade humanas."



Mais 2 na bagagem: Cartas a D. - História de um Amor, de André Gorz (Cosac Naif, 2008) e Órfãos do Eldorado, de Milton Hatoum (Cia. das Letras, 2008).

O primeiro é o último livro do filósofo francês discípulo de Sartre. Foi escrito para a mulher, pouco antes do casal cometer suicídio em 22 de setembro de 2007.


O segundo é o mais recente livro do aclamado Milton Hatoum, e tido por muitos como o maior expoente da literatura brasileira atual. O livro já figura na lista dos mais vendidos na semana de lançamento. Hatoum continua a explorar o universo do Norte do país e suponho que seu regionalismo o levará a integrar a Academia Brasileira de Letras em alguns anos. Ouvi excelentes comentários sobre suas obras anteriores, então é hora de beber água da fonte.

Comentários e impressões das obras virão depois. Fiquem ligados e bom feriado a todos!


quarta-feira, 19 de março de 2008

Crônica: Tons de Cinza



TONS DE CINZA




Tarde chuvosa e fria. A metrópole tinha um som diferente naquela segunda-feira outonal. A chuva era constante, porém parecia cair levemente abafando os ruídos normais da cidade. O ronco do motor soava mais sussurrado, buzinas silenciaram e o asfalto abraçava os pingos com um barulho oco, sem eco, sem estridência. O ritmo da cidade passava-se numa aparente câmara lenta em branco e preto, em tons de cinza. Ele notou aquela diferença. A cidade estava mais quieta, mais tétrica, mais molhada.

Pedro deixou o carro no estacionamento da Avenida Paulista, ao lado do Masp. Guarda-chuva e pasta em punho preparava-se para uma caminhada de dois blocos, no meio das obras das calçadas até o Tribunal Federal. Um mar de guarda-chuvas, quase todos pretos, dançavam pela calçada, numa onda constante e apressada. Um olhar do alto daria a impressão de formigas em seus caminhos. Poucos eram os guarda-chuvas coloridos ou floridos. A cidade tinha tons de cinza, menos ele.

Passos firmes, mas calmos, calculados, quase uma marcha em ritmo próprio. Não tinha pressa naquela tarde. Divagava. E quando divagava, seu tempo era outro, seu universo era outro, seu mundo era outro. Ao passar diante de um prédio espelhado, viu seu reflexo de corpo inteiro. Não parou, mas olhou sua silhueta refletida. Quase 40, pensou, mas os anos foram generosos comigo! O sorriso contrastava com o tom melancólico daquela tarde.

Bastava uma ou duas palavras dela para que a bateria da escola de samba adentrasse sua avenida interior e reverberasse em seu face. Cores vibrantes, alegorias, sonhos, tudo harmonizado, tudo deslumbrante. Estava contente. Muito contente! Ele sabia o motivo. Ela também sabia. Ele tinha certeza.

segunda-feira, 17 de março de 2008

Dicas da Dani: Keane

Sabe quando de repente alguém te envia uma música de uma banda que você nunca ouviu falar e você descobre um mundo novo e vira um fã incondicional? Bem, para isto é preciso ter bom gosto musical e saber do que vou gostar. Foi assim com esta banda. Enquanto escrevia uma crônica agora no final do dia, ouvia Hamburg Song. Não é uma música famosa deles, mas serviu de trilha sonora para a crônica que postarei amanhã. Tudo se encaixando perfeitamente: a música, as palavras, os sorrisos, os sentimentos. Mas chega de divagação e vamos ao que interessa. Achei que a música ia cair bem neste final de tarde.

Keane é uma banda inglesa, oriunda da cidade de Battle, East Sussex. Entre as influências da banda está U2 (o que é fácil de perceber), REM, Radiohead e Pet Shop Boys.

A música é do álbum Under the Iron Sea, de 2006.

HAMBURG SONG

I don't wanna be adored
Don't wanna be first in line
Or make myself heard
I'd like to bring a little light
To shine a light on your life
To make you feel loved

No, don't wanna be the only one you know
I wanna be the place you call home

I lay myself down
To make it so, but you don't want to know
I give much more
Than I'd ever ask for

Will you see me in the end
Or is it just a waste of time
Trying to be your friend
Just shine, shine, shine
Shine a little light
Shine a light on my life
Warm me up again

Fool, I wonder if you know yourself at all
You know that it could be so simple

I lay myself down
To make it so, but you don't want to know
You take much more
Than I'd ever ask for

Say a word or two to brighten my day
Do you think that you could see your way

To lay yourself down
And make it so, but you don't want to know
You take much more
Than I'd ever ask for


Edições caprichadas

Semana passada, num almoço com colegas de escritório, falávamos de literatura, de leitura, de bons livros. Detivemo-nos sobre literatura brasileira e comentei sobre a dificuldade - algumas vezes - de encontrar boas edições de escritores brasileiros. A obra de Jorge Amado acaba de ser relançada pela Companhia das Letras. João Ubaldo Ribeiro ganhou nova edição da Alfaguara, da Editora Objetiva. Ambos em edições caprichadas e bem formatadas.

Não se trata de querer apenas aparência, mas como leitor e comprador compulsivo de livros - sou muito ciumento com meus livros -, gosto de folhear edições com bom acabamento, com uma capa bonita, com tipografia precisa. Claro que há espaço para as edições de bolso, que tem a finalidade de tornar o livro mais acessível a todos, mas há o problema da disponibilidade.

Certas obras de bons escritores brasileiros são difíceis de encontrar. Parece até que os editores esperam alguma data festiva (centenário de nascimento, dez anos de falecimento etc.) para usar o marketing natural para vender. Foi assim com Érico Veríssimo, Guimarães Rosa, Clarice Lispector e outros. Exceção feita aos livros obrigatórios como leitura para o vestibular, há escritores que caem no esquecimento.

Tente fazer uma experiência e vasculhar a seção de literatura brasileira de uma boa livraria. Paulo Coelho com certeza estará lá. Luis Fernando Veríssimo também. Mas procure uma obra de Machado de Assis, Contos Fluminenses por exemplo, que foi escrita no começo da carreira. Ou então, Rui Barbosa, Joaquim Nabuco e tantos outros.

Outro exemplo é José Guilherme Merquior. Embaixador e intelectual de quilate raro, Merquior deixou uma obra de crítica literária e filosofia muito prolífica. Era um liberal e talvez, por este motivo, tenha sido relegado a um segundo plano. Em sua tese de doutorado defendida na Sorbonne, Merquior analisou a obra de Drummond. A tese ganhou edição da Editora José Olympio. Porém, este livro é quase impossível de ser encontrado, mesmo em sebos.

Louvável as novas reedições lançadas pelas editoras, os leitores agradecem. Mas não se esqueçam que há bons escritores brasileiros que também merecem novas edições, mesmo depois de terem deixado a nossa convivência nesta terra.

sexta-feira, 14 de março de 2008

Lembrando Josué Montello

(c) visão ao longe


São poucos os escritores brasileiros contemporâneos que deixaram sua marca na literatura brasileira. Josué Montello foi um destes expoentes. Amanhã completará 2 anos que ele nos deixou para alegrar os céus com suas narrativas cativantes.

A memória de um escritor vive pelos seus leitores e Josué Montello vive por seus livros, por seus conselhos, pelas palavras lançadas nas inúmeras folhas brancas. São dele os trechos abaixo, que separei do seu Diário da Noite Iluminada (Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 1994).

"Nosso equívoco quando buscamos a felicidade, é pretender conquistá-la por atacado, quando a verdade é que ela só se rende a varejo. Nunca nos vem para a entrega total. Sempre para os pequenos favores.
Essa é a regra. O que não exclui as exceções." (p. 404)

"Uma das características da obra de arte literária é que ela é naturalmente confessional, mesmo quando o escritor dá a impressão de que está a criar seres que se contrapõem a seu próprio ser. Nos anjos e demônios de seus livros, há sempre algo do criador, ainda quando condena, ou sobretudo quando condena." (p. 419)

"Todos nós temos um diálogo secreto com o nosso passado. Mesmo quando não o interrogamos, ele interfere, e impõe nossa norma de conduta. São os atos, as atitudes, as decisões que nos individualizam, e a que temos de obedecer para sermos coerentes, com o sentimento de nossa autenticidade.
Quem não faz assim, apenas representa um papel que não confere com o original. E o original é Deus que assina." (p. 254-5)

Poderia comentar, mas deixo para a reflexão individual dos leitores.

quarta-feira, 12 de março de 2008

Crônica: Frágil Coração



FRÁGIL CORAÇÃO


Não ligou o rádio do carro naquela manhã a caminho do trabalho. Deixou o interior do carro em completo silêncio, vidros fechados, que contrastava com o barulho do seu interior. Ela estava isolada numa bolha, alheia ao que acontecia ao seu redor. O trânsito intenso e a fileira de carros foram abstraídos da realidade. Ela entrou em automático e seguia o trajeto de forma robotizada, automática. Estava absorta em pensamentos, na conversa da noite anterior com o marido. Uma conversa que lhe deixara sem chão, perplexa, confusa, culpada.

Lembrou das palavras de sua avó, poucas semanas antes do casamento. Sabedoria de uma longa vida. “O coração é um órgão frágil, minha filha!”, ela lhe dissera. “Ele precisa ser regado, cuidado, nutrido, senão resseca, murcha, definha. Ele precisa ser protegido com uma cerca, sem buracos, sem mourões quebrados ou podres, mantendo a guarda atenta e sempre alerta. Caso contrário, você deixa entrar animais carnívoros que o atacarão, grandes predadores que arrancarão pedaços dele. E tomar cuidado também com aquelas pragas invisíveis, que lentamente, silenciosamente, contaminam tudo, por vezes imperceptível, abrindo uma fenda que pode se transformar num intransponível abismo. Pragas que vão endurecê-lo, torná-lo duro e empedernido. E se ele cair no chão, como um vaso de porcelana, ele se quebrará. E se alguém, por perto passar, e notar os cacos no chão, eles serão colados, um a um, com carinho, atenção e zelo, reconstruindo o belo vaso que se espatifara no chão. Nesse caso, ele terá um novo dono e talvez você perceba quando é tarde demais. Lembre-se, minha filha, o coração é muito frágil, vulnerável. Cuide dele!”

Palavras ditas há mais de 8 anos, mas que permaneciam vivas. Quando a cerca balançava, ela procurava remendá-la prontamente, ainda que exigisse muito esforço. Mas depois da conversa de ontem, percebera que não havia mais sentido em manter a cerca intacta. A rachadura era muito grande. E ela não tinha notado. Culpou-se por tudo isto e deixou as lágrimas escorrerem-lhe pelo rosto sem maquiagem.


sexta-feira, 7 de março de 2008

Selo - Uma Mente Iluminada




Recebi, com grande alegria, da Anfitriã, do blog Sala de Visitas, o selo Uma Mente Iluminada. A blogosfera mostra que há um universo de leitores, críticos, comentaristas e pessoas espalhadas pelo mundo que se aproximam por este fantástico universo de comunicação que é a internet.


Tentei achar o criador (ou criadora) do selo, mas não tive sucesso. Fui seguido a cadeia de posts, mas parece que ela se perde no infinito. Enfim, é sempre uma honra receber um selo como este.


Gosto da palavra "iluminado (a)". Uma daquelas palavras positivas, que relembram coisas boas, memórias agradáveis, ternas. Um elogio que ultrapassa o simples "estar" e toca na alma da pessoa que sabe espalhar, dividir, compartilhar o que tem de bom. Não resisti a fazer um comentário sobre o selo, já que não sei sua origem.
Faço as minhas indicações.














Agora a tarefa é dos indicados!

Colagem de textos

Na véspera do Dia da Mulher, resolvi fazer uma colagem de textos escritos por mulheres em seus blogs. Não que me falte inspiração para escrever - esta semana tive muita inspiração - ou elogiar as qualidades do sexo feminino, mas vou tentar sair do lugar comum e apresentar algo diferente. Vasculhei alguns blogs que leio com frequência e deixo algumas sugestões de boa leitura para o fim de semana.

Eu quero a sorte de um amor tranquilo. Uma deliciosa crônica do blog Uma estrela no céu. O nome do personagem é mera coincidência.

O Grande dia. O medo masculino retratado por um olhar feminino do blog Sentimento Infinito.

Carta para a filha que ainda não nasceu do blog Solta no Mundo, da escritora carioca Márcia do Valle.

Florescer do blog Bicho Solto. Não fiquem só no primeiro post, os textos são sempre um convite a refletir.

Manta de Retalhos em Gotas Diárias de Sentimento. Um poema com toda a sutileza feminina, mas que capta a essência do momento.

Parabéns a todas as mulheres!

segunda-feira, 3 de março de 2008

As flores e Drummond

Foi numa reportagem de jornal, que trazia cenários paulistanos que serviram de local para filmagem de filmes brasileiros, que me deparei com um poema do passado. O cenário era a Livraria Francesa e o protagonista do filme - não me recordo o nome - lia o poema Campo de Flores, de Carlos Drummond de Andrade. Na Livraria Francesa, encontraria apenas a versão francesa: Champs du Fleurs.

Vasculhei a estante atrás de minha antologia de Drummond e encontrei o poema, transcrito no post anterior. "Deus me deu um amor no tempo de madureza". As palavras soaram-me familiares, mas no tempo de juventude aquele início de verso não me dizia nada. Como poderia o amor no tempo de madureza ser diferente do amor no tempo de juventude? Seria tão belo e forte, seria tão intenso e mágico?

No "tempo de madureza", ao reler o belo poema, comecei a compreender melhor onde o poeta queria chegar.

"Amanhecem de novo as antigas manhãs
que não vivi jamais, pois jamais me sorriram."

As manhãs sorriem para o poeta, a vida sorri para o poeta. O poeta descobre a poesia na vida, nas coisas simples, na beleza da manhã, na claridade que míngua numa bela tarde, no silêncio da noite enluarada e no céu acarpetado por estrelas. O barco à deriva, sem rumo, "a rosa indecisa", ganha novo impulso e ânimo, o coração a bater em ritmo acelerado, o sorriso a brotar de forma espontânea.

"Onde não há jardim, as flores nascem de um
secreto investimento em formas improváveis."

Como foi comentado pelo R Lima no post anterior, onde não há jardim, a semeadura é feita de forma surpreendente. Nâo há necessidade de terra. A semente dormente aguarda a chuva para germinar, e germina de forma inesperada, quase fruto do acaso, fruto do destino. O improvável acontece e a vida é tingida de cor, como numa tela, onde o pintor revela o campo florido aos poucos. Ainda que tardia, ainda que na madureza, a descoberta revigora a alma.

Ma fleur! Onde não há jardim, as flores são cuidadas nos vasos e agradam a todos os sentidos. E sempre surpreendem.