quarta-feira, 12 de março de 2008

Crônica: Frágil Coração



FRÁGIL CORAÇÃO


Não ligou o rádio do carro naquela manhã a caminho do trabalho. Deixou o interior do carro em completo silêncio, vidros fechados, que contrastava com o barulho do seu interior. Ela estava isolada numa bolha, alheia ao que acontecia ao seu redor. O trânsito intenso e a fileira de carros foram abstraídos da realidade. Ela entrou em automático e seguia o trajeto de forma robotizada, automática. Estava absorta em pensamentos, na conversa da noite anterior com o marido. Uma conversa que lhe deixara sem chão, perplexa, confusa, culpada.

Lembrou das palavras de sua avó, poucas semanas antes do casamento. Sabedoria de uma longa vida. “O coração é um órgão frágil, minha filha!”, ela lhe dissera. “Ele precisa ser regado, cuidado, nutrido, senão resseca, murcha, definha. Ele precisa ser protegido com uma cerca, sem buracos, sem mourões quebrados ou podres, mantendo a guarda atenta e sempre alerta. Caso contrário, você deixa entrar animais carnívoros que o atacarão, grandes predadores que arrancarão pedaços dele. E tomar cuidado também com aquelas pragas invisíveis, que lentamente, silenciosamente, contaminam tudo, por vezes imperceptível, abrindo uma fenda que pode se transformar num intransponível abismo. Pragas que vão endurecê-lo, torná-lo duro e empedernido. E se ele cair no chão, como um vaso de porcelana, ele se quebrará. E se alguém, por perto passar, e notar os cacos no chão, eles serão colados, um a um, com carinho, atenção e zelo, reconstruindo o belo vaso que se espatifara no chão. Nesse caso, ele terá um novo dono e talvez você perceba quando é tarde demais. Lembre-se, minha filha, o coração é muito frágil, vulnerável. Cuide dele!”

Palavras ditas há mais de 8 anos, mas que permaneciam vivas. Quando a cerca balançava, ela procurava remendá-la prontamente, ainda que exigisse muito esforço. Mas depois da conversa de ontem, percebera que não havia mais sentido em manter a cerca intacta. A rachadura era muito grande. E ela não tinha notado. Culpou-se por tudo isto e deixou as lágrimas escorrerem-lhe pelo rosto sem maquiagem.


2 comentários:

Borboletinha disse...

Obrigada mais uma vez pela visita! Também gosto muito dos seus textos!
bjo

Anônimo disse...

P-E-R-F-E-I-T-O!!!