Não sabia ao certo, mas de uns tempos para cá não resistia ao choro nestes filmes menores da grande arte. Desconfiava, porém que as lágrimas eram fruto daquilo que havia perdido, daquilo que não mais sentia, e – silenciosamente – desejava reencontrar, mesmo que fosse com outra mulher.
Depois de alguns minutos, Clara achegou-se a ele no sofá e perguntou sobre o filme. Pedro fez uma breve descrição e torceu para que ela se desinteressasse pelo enredo e fosse dormir. Ela ficou. Atenta. Rindo. Cutucando-o quando alguma cena retratava algum fato daqueles anos de convivência. Era inevitável não se identificar com algumas situações.
Pedro manteve-se impassível. Disfarçou os olhos marejados. Ria, mas de forma contida. Como sempre acontecia, encontrou dois momentos que o fizeram pensar e esquecer o que se passava na tela. Uma fala singela retratou algo que havia perdido. O protagonista do filme disse para a mulher que cortejava, que havia guardado o livro por muitos anos pois era a única lembrança que tinha dela, como se fosse um pedaço dela guardado junto a ele.
Um arrepio percorreu-lhe a espinha. Estava incomodado e pressentia que aquele filme, aparentemente cômico, conduziria a uma longa discussão da relação num sábado à noite. A comédia iria se transformar em tragédia. Ensaiou mentalmente o que iria dizer e como tentaria evadir-se da discussão. Seu coração acelerou-se perto do final do filme. As lágrimas silenciosas misturaram-se com uma ansiedade que já conhecia e antecipava as perguntas que conhecia e supunha que seriam feitas.
O filme acabou. Ele se levantou do sofá, mas antes de sair da sala, veio a pergunta de Clara:
- Por que você não se interessa mais por mim?
A profecia se realizava.