Faz pouco mais de três, ou algo assim, ele ganhou um presente. Dentro de uma bela caixa de cor azul-marinho, um diário com capa de couro escuro, levemente avermelhado, e páginas em branco de papel de boa qualidade. Não deu muita atenção ao diário, demorando-se apenas no cartão singelo e com poucas palavras de lembrança de seu aniversário. Deixou-o num canto da mesa. O tempo passou e a caixa foi se perdendo entre papéis, bilhetes, pastas, relatórios. A mesa de trabalho parecia engolir aquela lembrança que descansava silenciosa e que de tempos em tempos atraía seu olhar.
Ganhara de uma pessoa ainda pouco conhecida. Agradeceu o presente com um email, pois vinha de longe, e afinal era um gesto gentil de uma conhecida. Porém, a cada dia as conversas entre os dois tornavam-se mais frequentes. Brotava, daquele relacionamento nascido de um encontro casual, algo mais tangível, mais palpável. Pensou em abrir aquele diário e anotar alguns diálogos, algumas coincidências, algumas estórias e deixar registrados os bons momentos. A preguiça o impedia de fazê-lo, ainda que mergulhasse em devaneios sorridentes após uma lembrança dela. O diário captava seu olhar e era como se escrevesse nele com o pensamento, como se os monólogos mentais fossem transcritos com a força do pensamento naquelas páginas.
Ela, de forma atenciosa, tinha a paciência para ouvi-lo. Ele, timidamente, descobria naquelas conversas um mundo novo de sentimentos estranhos. Ela, corajosa, despia seus temores emocionais e aflições diante daquele homem que não estava mais distante. Ele, alegremente, tratava de revelar as qualidades raras daquela amiga e brincava como criança nas conversas que estendiam por tardes a fio. Ela, sorridente, contagiava-o com suas estórias divertidas. Ele aprendia o que era uma amizade verdadeira.
Num final de tarde qualquer, pouco antes de terminar o expediente, notou que a luz do sol que adentrava por uma fresta da cortina repousava sobre a caixa azul contendo o diário. Uma luz forte e amarelada destacava da bagunçada mesa aquela caixa submersa e quase afogada por jornais não lidos. A atração foi irresistível. Tirou a caixa debaixo dos papéis e abriu o diário com a determinação de escrever. Não tinha reparado que havia algo escrito por ela, aguardando pacientemente que ele descobrisse. Palavras prontas para despertar de um sono profundo. Na primeira página do diário, uma frase escrita em bela caligrafia feminina: "A amizade é um enorme mosaico composto de fragmentos unidos por lágrimas e sorrisos e um constante querer estar próximo." Ele não conteve as lágrimas silenciosas que deixou escorrer e molhar o papel.