SEU GERALDO
Nas minhas primeiras memórias de infância, desde que me recordo das manhãs de domingo, ele já fazia parte do meu cotidiano. Pontualmente às 9:30 da manhã, saíamos todos, a pé, rumo à Nossa Senhora do Brasil para a missa dominical. Morávamos na Rua México, bem perto da igreja, e sempre caminhávamos até lá, mesmo nos dias de chuva. Era um ritual familiar.
Ao contornar a esquina, através da praça, de longe eu avistava o carrinho, sempre estacionado ao final da escadaria de granito, mas sem atrapalhar o fluxo dos fiéis. O aroma da pipoca fresquinha e quentinha era sentido logo em seguida, completando a visão. A tentação era inevitável, mas meu pai, carinhosamente, não cedia aos meus pedidos.
- Antes da missa não, Eduardo! Devemos guardar o jejum e um pouco de sacrifício não lhe fará mal. – dizia toda vez em que eu pedia pipoca antes da missa.
Atrás do carrinho, um homem de estatura mediana, levemente grisalho, pele morena curtida pelo sol, um bigode bem cuidado e olhos negros e atentos. Era Seu Geraldo, o dono do carrinho de pipoca. Não se considerava um pipoqueiro, mas um vendedor de sonhos, como me disse uma vez. Um homem gentil, de coração enorme e sábio. Não era estudado, mas desde que chegou a São Paulo, vindo do interior, vendia pipocas diante a igreja. Somente pipocas. Nada de balas e outras guloseimas. Só pipoca, doce e salgada.
Quando a missa acabava, tinha vontade de sair em disparada até o carrinho, mas me continha. Andava sempre ao lado de meu pai e minha mãe. Vencida a porta principal da igreja, meu pai entregava-me o dinheiro para que eu fosse comprar o prêmio tão almejado. Corria pelos degraus e ficava parado diante do carrinho. Cumprimentava Seu Geraldo e esperava pacientemente ele fazer sua mágica. Os grãos dourados eram despejados na panela envelhecida pelo tempo. Acrescentava o óleo. O fogo alto trazia o som da explosão do milho que desabrochava em pequenos flocos brancos e apetitosos. O batuque na panela diminuía e Seu Geraldo lançava no carrinho a pipoca pronta, faltando apenas o sal, que era colocado a gosto do cliente. Imaginava que a pipoca seria como a neve, mas com um sabor incomparável.
Tinha prazer em observar aquele homem trabalhar e conversar com os clientes. Enquanto papai conversava com o Dr. Camargo e o Dr. Arruda Botelho, vizinhos de nossa fazenda no interior, eu era conduzido pelas palavras de Seu Geraldo.
Seu Geraldo vendia sonhos e alimentava estes sonhos. Era um leitor perspicaz de mentes e de olhares. Parecia saber exatamente o que dizer a cada cliente, a cada pessoa que se aproximava de seu carrinho. A alguns, recomendava que rezassem mais; a outros, que soubessem perdoar e seguir em frente. Sempre contava-me alguma estória, algum episódio, alguma conversa com um estranho que se aproximara para comprar pipocas.
- Sabe, Eduardo, as pessoas vêm à igreja por dois motivos: ou têm fé, ou precisam de alguma coisa. Elas vêm pedir uma graça. Ninguém vem à igreja para passear.- disse-me uma vez. Estes saquinhos com o milho estourado trazem um pouco de conforto e o cliente sempre leva um conselho. Alguns nem percebem, mas os saquinhos têm uma frase escrita no lado de fora. Escolho o saquinho conforme a cara do cliente. Sempre funciona. Eles compram a pipoca e saem andando. Então, notam a frase. Alguns, ao lerem, olham para trás e me lançam um sorriso. Estes sorrisos são minha recompensa.
Ele tinha razão. Percebi isto quando cresci e continuei a ir àquela mesma missa dominical. Naquela igreja casei, e lá estava Seu Geraldo no casamento, como convidado. Um certo domingo porém, havia uma outra pessoa trabalhando no carrinho. Estranhei aquilo e perguntei pelo Seu Geraldo.
- Ele voltou para Jaú. Me vendeu o carrinho e disse que não volta mais.
Fiquei espantado, surpreso, preocupado, afinal ele nunca dissera nada sobre ir embora. Entrei na igreja e com o olhar fixo na imagem de Nossa Senhora, rezei por aquele amigo, que tantas alegrias me dera na infância e na juventude.