sexta-feira, 2 de abril de 2010

Crônica: Cerimônia

A Coroação de Napoleão (1805-1807), Jacques-Louis David


CERIMÔNIA


Adentrou no amplo salão repleto de senhores engravatados, alguns em trajes cerimoniais, alguns acompanhados de senhoras em trajes de gala, outros acompanhados de moças com aparência de filhas, ou talvez romances novos que floresciam na terceira idade. Da porta de entrada, no meio de uma multidão cuja faixa etária média ultrapassava os sessenta anos, João varreu o público com um olhar atento. Não havia mais lugares vazios para que se sentasse e ele esgueirou-se junto à parede, buscando um caminho para a parte mais central da sala.



Propositalmente, escondeu-se por trás da massa humana que se amontoava de pé nos espaços laterais entre as cadeiras. Novamente seu olhar varreu a sala em busca da razão de sua ida àquele evento. Ele estava acostumado ao formalismo destas cerimônias, onde circulava de forma extremamente confortável. Lidava com os protocolos, as fórmulas, os rituais de modo familiar e natural.


Num canto da sala, perto de uma porta lateral, ele avistou-a. De vestido longo, cabelos bem arrumados, rosto maquiado, ela estava lá. Não conteve um sorriso que lhe desenhou o rosto. Ao vê-la, escondeu-se um pouco mais para ter certeza de que permaneceria incógnito. Ela estava séria, compenetrada, atenta a tudo que se passava. Segurava alguns papéis na mão, provavelmente um roteiro de tudo que haveria de acontecer. A concentração que transparecia do rosto dela indicava que tudo sairia com a precisão de um relógio suíço. Ela era minuciosa e detalhista, atenta a detalhes que somente ela parecia perceber. Foi assim, aos poucos, que ela o cativara.


O olhar fixou-se nela. Linda e com aparência serena, apesar da tensão que certamente disfarçava pela importância do evento. “Será que alguma vez estive presente naqueles pensamentos? Será que algum dia ela nutriu alguma expectativa que frustrei? Será que alguma vez ela sonhou comigo?”. A resposta a pular no palco de seus pensamentos fora negativa e o sorriso de João foi murchando. Ele tinha ido até lá apenas para vê-la. Imaginou que a coragem para falar com ela fosse brotar de um arroubo, ou de um palpitar mais forte do coração, ou que talvez ela o visse ao longe e viesse até ele. Ela continuava a olhar fixamente para o púlpito onde discursava uma figura ilustre, sem sequer piscar.


Rendido e frustrado, abaixou a cabeça e rumou para porta pedindo licença por entre a multidão. Como um homem invisível, ele saia do evento sorrateiramente. Ela não o vira e não saberia de sua covardia. Silenciara antes sobre seus sentimentos e fazia-o novamente. Sentimentos que escondera e deixara que se perdessem na escuridão da noite. Sentimentos que ele imaginava e estava certo de que em nada mudariam a situação. Achava, paralisado pelo temor de expor seu mundo interior, que ela não gostaria de saber.



Um comentário:

Isadora disse...

Eu não sabia que vc tinha um blog!
Já está na minha lista!
Um beijo