Tenho uma leve suspeita de que se alguém se aventurasse a estudar o papel do acaso na literatura, produziria uma ótima tese acadêmica. Faz algum tempo que grifo, nos livros que leio, todas as passagens em que o acaso desempenha papel importante; outras vezes têm papel fundamental no enredo.
Ontem, ao assistir o discurso de posse da Profa. Cleonice Berardinelli na Academia Brasileira de Letras, veio-me à mente a ideia para este post. No final do discurso, a nova imortal, contou uma petite histoire, como ela mesma a denominou.
Uma meninha de 8 anos passava suas férias em São Lourenço, Minas Gerais. Como havia pouco a fazer no local, a chegada dos novos hóspedes no hotel era um evento que despertava a curiosidade de todos. Naquela tarde, agruparam-se na varanda da casa da fazenda para aguardar os novos hóspedes. Chegava um senhor distinto, de cabeleira branca e farto bigode preto. Curiosas, as meninas incitaram a menorzinha a acorrer à bagagem e descobrir quem era aquele senhor. Ela foi e contou a todas que se tratava de Alberto de Oliveira. Acostumada a declamara poesias, a pequena tinha consciência de que se tratava do grande poeta.
Após o jantar, o poeta sentou-se num canto da varanda, menos iluminado e mais discreto. Novamente, foi a menina convidar o poeta a juntar-se ao grupo maior. Iniciaram uma longa conversa e ela pôs-se a declamar poesias. Uma. E mais outra. E mais outra. Até que pediu que o poeta também participasse. Como se fazia tarde e já era hora de se recolher, a menina pediu ao poeta que escrevesse uns versinhos para ela. Porém, como retornaria a São Paulo no dia seguinte, e o poeta estaria em São Paulo dentro de alguns dias, combinaram novo encontro na capital paulista, quando então o poeta entregaria o caderno à pequena menina.
Encontraram-se como combinado e ela guarda até hoje os versinhos escritos pelo poeta. No início, a dedicatória: “À Cleonice...”
Esta versão livre da história narrada ontem, traz consigo o tempero do acaso. 74 anos depois daquele evento, Cleonice Berardinelli assumiu a Cadeira número 8 da ABL. E quem é o fundador da cadeira? O poeta Alberto de Oliveira.
Fico a pensar se Alguém lá em cima não deve ter dado um largo sorriso ao ver o acaso de um evento corriqueiro ter seu desenlace explicado 74 anos depois. No reino dos mortais, tenho a certeza de que muitos se emocionaram com a bela narrativa da professora.
Obs.: Assim que o texto do discurso estiver disponível, prometo atualizar o post com um link para o texto, para fazer justiça à história narrada, que foi pobremente aqui reproduzida.
Um comentário:
E nós, digo e me incluo totalmente, brincando de sermos escritores. O acaso fala assim e falou um dia quando na tarde de um sábado de chuva no meu velho IBM comecei a desenhar uma história que só então existia na velha máquina Olivetti verde (presente do meu pai) e nos papéis amarelados que por ela passara. Eu ainda lembro que ler-me não fazia sentido nem para mim e recuei. Comecei a querer ser simples para, antes de mais nada, me enxergar. Hoje tenho a consciência de que independente de entender ou não eu migro entre a força do dizer e o do não querer ser entendível... uma dia corrijo isto e, bem velhinho, hei me acostumar com minha loucura! um abs meu caro... vou tuitar seu texto!
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