APARÊNCIA
- Preciso de você. Você é meu refúgio. – disse Marcos, enquanto abraçava Gabriela dentro do carro, em mais uma despedida. O tom de voz dele era firme, sem qualquer sentimento, sem qualquer tremor no timbre que pudesse complementar aquela súplica com algo verdadeiro por trás. Ela reparou na formalidade com que ele discorria e lançava ao pé do ouvido um murmúrio que deveria ser doce, que deveria deixá-la arrepiada, que deveria revirar seu estômago, que pintaria seu dia com estrelas de alegria. Mas , não. Tudo era frio, tudo não se passava de um galanteio de um cafajeste insensível, interesseiro, dito tantas e tantas vezes, em outras circunstâncias e locais, para outras mulheres do mesmo jeito, a mesma frase, com o mesmo efeito.
Ele tentou beijá-la. Ela esquivou-se, virando o rosto e empurrando-o levemente.
- Vai ou você vai perder o avião. Tá quase na hora do seu vôo! – afirmou Gabriela, escondendo a decepção que se descortinava diante de seus olhos.
Ele não insistiu. Sorriu, abriu a porta do carro, pegou sua mala no banco traseiro e acenou depois de fechar a porta. Gabriela acompanhou-o com os olhos até que entrasse no saguão de embarque do aeroporto de Congonhas. Estava enfurecida, tomada de um ódio incomum. Repetia um mantra de ira contra aquele homem por qual se entregara de corpo e alma, mas que percebia ser despido da mesma entrega.
O carro rumou pela Avenida Ruben Berta, no trânsito pesado do final de manhã, que se movia em ritmo lento. Ela bateu no volante com força, descarregando sua revolta. Como poderia ser tão tonta, tão ingênua de achar que havia algo mais profundo, mais forte entre eles. Como um disco riscado, as palavras dele se repetiam. Mudou a estação do rádio uma vez. Outra vez. Mais outra. Desligou o rádio. Nada conseguia apaziguar seu ânimo de vingança misturado com uma frustração intensa.
Marcos tinha vindo a São Paulo a trabalho. Encontraram-se na noite anterior. Saíram para jantar e depois ele foi até o apartamento dela. Não era namoro, não havia compromisso, mas ela estava apaixonada por ele. Nenhum dos dois havia dito nada além do usual. Ela se achava moderna, achava que podia se relacionar sem se envolver, afinal, uma mulher de 34 anos, com um bom emprego, morando sozinha nesta cidade enorme não tinha tempo para longos envolvimentos ou namoros. Desta vez, a realidade forçava Gabriela a repensar seu modo de vida. “Um choque de realidade, minha filha!” – dissera-lhe uma amiga que namorava firme e provocava Gabriela e sua filosofia de auto-suficiência.
Ela esperava mais deste encontro. Esperava que ele olhasse nos seus olhos e dissesse que estava apaixonado por ela. Ele calou-se. Só jogou algumas palavras no final para dar uma aparência de moço interessado e ela achou insuficiente. Estava irritada consigo mesma, perplexa, confusa. Queria e não queria. Queria forças para esquecê-lo , mas ao mesmo tempo queria ele ao lado todos os dias. Queria pular nos braços dele, e queria que ele nunca mais aparecesse.
O trânsito movia-se no ritmo do tempo, ao menos era o que parecia. Gabriela perdeu-se nos pensamentos paradoxais, alheia a tudo que estava à sua volta, imersa num mundo só seu, num mundo silencioso que bloqueava qualquer ruído externo. Fechada em si, nem se deu conta do celular apitando na bolsa.