Centro Histórico de São Luís
A primeira vez que isto me aconteu foi logo após ter lido O Xangô de Baker Street, de Jô Soares. Numa passagem do livro, Sherlock Holmes persegue um suposto meliante pelas ruas do centro do Rio de Janeiro na época de D. Pedro II. Ruas estreitas de paralelepípedos, becos, casas com pequenas sacadas que se debruçavam sobre ruas pouco iluminadas. O cenário é fácil de ser imaginado, recuperado pela memória de livros de história escolares. Porém, vivenciar o cenário é outra coisa.
Vivenciar é o termo exato que quero utilizar, ainda que pareça incorreto. Ao nos colocarmos na posição de um personagem, no local da narrativa, seguindo seus passos, incorporamos o narrador e isto dá relevo ao texto literário, deixando de ser apenas algo imaginado pelo leitor, mas fruto da experiência vivida com todos os sentidos.
Estive em São Luís por estes dias. Até então as referências utilizadas por Josué Montello em suas obras eram vazias de sentido; serviam apenas para organizar espacialmente a narrativa, mas sem o impacto dramático. O Rio Anil era um rio como qualquer outro, manso, barrento, estreito e desaguando no mar. O Rio Anil verdadeiro é manso, mas amplo e na maré baixa fica estreito, ganhando volume e amplitude na maré alta, quando suas águas espalham-se por debaixo de uma ponte que une as duas partes da cidade.
Minha colega, ao levar-me por um rápido giro turístico pelo centro histório, apontou o Cais da Sagração, hoje denominado Cais da Praia Grande. Ela deve ter percebido o brilho nos meus olhos quando lembrei-me de outro romance do imortal maranhense. Senti, acima de tudo, que os maranhenses têm orgulho de seus escritores e preservam esta tradição cultural. Gonçalves Dias, Odylo Costa, Ferreira Gullar, Josué Montello: todos filhos dessa terra.
Vivenciar o cenário presenteia o leitor com a percepção da narrativa imaginada pelo autor com maior precisão, reparando nas nuances da trama. Hoje, temos a acesso a ótimas ferramentas geográficas de localização, como o Google Maps e o Google Earth, mas pisar nas pegadas de um personagem é algo insuperável.
Não consigo situar uma narrativa em um local “real” que desconheça. Posso inventar, mas se a cena exige uma narrativa mais detalhada, tenho a necessidade de ter experimentado o cenário com todos os sentidos.
Exemplificar é fácil. Leia um livro que usa uma cidade como pano de fundo antes de conhecer a cidade. Caso a cidade seja visitada pelo leitor, um outro livro será uma experiência literária muito mais enriquecedora do que o primeiro. Ou melhor, releia o livro após visitar a cidade ou percorrer o trajeto da personagem. A estória não será a mesma e a compreensão da narrativa será muito mais profunda.