sábado, 30 de abril de 2011

Sono

"O melhor modo para encurtar o tempo é dormir, mas o sono jamais vem socorrer quem precisa dele."

Antonio Monda, Absolvição (trad. Joana Angélica d'Avila Melo. Rio de Janeiro : Objetiva, 2010, p. 59)

terça-feira, 26 de abril de 2011

Nos passos de um personagem


Centro Histórico de São Luís



A primeira vez que isto me aconteu foi logo após ter lido O Xangô de Baker Street, de Jô Soares. Numa passagem do livro, Sherlock Holmes persegue um suposto meliante pelas ruas do centro do Rio de Janeiro na época de D. Pedro II.  Ruas estreitas de paralelepípedos, becos, casas com pequenas sacadas que se debruçavam sobre ruas pouco iluminadas. O cenário é fácil de ser imaginado, recuperado pela memória de livros de história escolares. Porém, vivenciar o cenário é outra coisa.

Vivenciar é o termo exato que quero utilizar, ainda que pareça incorreto. Ao nos colocarmos na posição de um personagem, no local da narrativa, seguindo seus passos, incorporamos o narrador e isto dá relevo ao texto literário, deixando de ser apenas algo imaginado pelo leitor, mas fruto da experiência vivida com todos os sentidos.

Estive em São Luís por estes dias. Até então as referências utilizadas por Josué Montello em suas obras eram vazias de sentido; serviam apenas para organizar espacialmente a narrativa, mas sem o impacto dramático. O Rio Anil era um rio como qualquer outro, manso, barrento, estreito e desaguando no mar. O Rio Anil verdadeiro é manso, mas amplo e na maré baixa fica estreito, ganhando volume e amplitude na maré alta, quando suas águas espalham-se por debaixo de uma ponte que une as duas partes da cidade.

Minha colega, ao levar-me por um rápido giro turístico pelo centro histório, apontou o Cais da Sagração, hoje denominado Cais da Praia Grande. Ela deve ter percebido o brilho nos meus olhos quando lembrei-me de outro romance do imortal maranhense. Senti, acima de tudo, que os maranhenses têm orgulho de seus escritores e preservam esta tradição cultural. Gonçalves Dias, Odylo Costa, Ferreira Gullar, Josué Montello: todos filhos dessa terra.

Vivenciar o cenário presenteia o leitor com a percepção da narrativa imaginada pelo autor com maior precisão, reparando nas nuances da trama. Hoje, temos a acesso a ótimas ferramentas geográficas de localização, como o Google Maps e o Google Earth, mas pisar nas pegadas de um personagem é algo insuperável.

Não consigo situar uma narrativa em um local “real” que desconheça. Posso inventar, mas se a cena exige uma narrativa mais detalhada, tenho a necessidade de ter experimentado o cenário com todos os sentidos.

Exemplificar é fácil. Leia um livro que usa uma cidade como pano de fundo antes de conhecer a cidade. Caso a cidade seja visitada pelo leitor, um outro livro será uma experiência literária muito mais enriquecedora do que o primeiro. Ou melhor, releia o livro após visitar a cidade ou percorrer o trajeto da personagem. A estória não será a mesma e a compreensão da narrativa será muito mais profunda.

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Cidade Vazia

Cidade vazia, céu azul e sol. Assim amanheceu São Paulo hoje. E ontem. Mas ontem, teimoso - ou ingênuo -, tentei visitar minha irmã em São Roque, que dista 60km da Capital por uma estrada de ótima qualidade. 

Deixei para sair um pouco mais tarde, com a intenção de evitar o fluxo matinal. Depois de 1 hora e meia na estrada, aproximava-me do quilômetro 17, um pouco antes do retorno de Tamboré, em Barueri. Convenci os passageiros a retornar e desistir da malograda aventura. Em 20 minutos estava de volta à minha casa.

O trânsito de São Paulo surpreende quem é de fora, mas confesso que fiquei abismado com a quantidade de veículos na estrada. Eram 7 pistas na Rodovia Castello Branco, todas tomadas por fileiras infindáveis de veículos lotados de pessoas. A estrada parou. As outras também pararam. Voltei e deixei o churrasco para amanhã.

Curti a  cidade vazia, de céu azul e sol. E se fosse assim todos os dias?

Se fosse assim todos os dias, o paulistano morreria de tédio, perderia o ritmo frenético, não teria do que reclamar. São Paulo em feriado é quase perfeita. Mas bastam alguns dias de descanso que sentimos falta da correria e da agitação. 

Se a cidade fosse assim todos os dias, São Paulo não teria graça.

terça-feira, 19 de abril de 2011

Adele



21 é o novo álbum de Adele e tem permanecido entre os mais vendidos na iTunes Store americana nas últimas semanas. A inglesa de voz grave lembra um pouco Amy Winehouse e Duffy, duas expoentes inglesas de um soul quase pop. 

Adele começou a cantar aos 14 anos (ela nasceu em 1988) e não parou mais. Nas palavras dela, seu primeiro álbum, 19, é sobre o amor, sobre estar apaixonado, sobre desilusões. Chasing Pavements é a música que mais fez sucesso no primeiro álbum. 

Seus primeiros dois álbuns trazem números no título. Por quê? A numeração refere-se à idade em que ela compôs as músicas e o seu estado de ânimo. 21, diz ela, é um álbum mais amadurecido. Vale a pena conferir esta jovem estrela que vem estourando na Inglaterra e EUA.

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Túnel do Tempo




Uma das vantagens da internet é o vasto acervo de informação disponível, um verdadeiro arquivo vivo, uma enciclopédia dinâmica que permite resgatar o passado em pouco tempo. Fiz uma brincadeira com o Atrasildo Atrasado, algo que a geração dos anos 70 entende, mas que os mais novos desconhecem - ou melhor, não vivenciaram. Como hoje é sexta-feira, um post nostálgico.

A versão original da propaganda tinha o seguinte teor:

Essa é a história de Atrasildo Atrasado,
que vivia atrapalhado,
porque em tudo se atrasava...
Perdia o ônibus, o trem e o serviço,
não cumpria compromisso sua vida não mudava...
Mas certo dia Atrasildo foi chamado por ter sido premiado com um carro do Baú,
mas seu carnê também estava atrasado,
E Atrasildo desolado ficou triste pra chuchu...
Mas o que o pobre do Atrasildo não sabia,
é que a esposa (que alegria !) havia pago a prestação,
Graças a ela de que nada se esquecia,
o seu carnê estava em dia e ele ganhou o seu carrão !!!

Não consegui encontrar a propaganda original. Os mais maduros conseguirão dar o ritmo musical à letra. Já que estamos nesta toada, alguns outros vídeos de comerciais. Alguns são famosos; outros nem tanto. O mais interessante parece ser a rapidez com as que coisas mudam. O último vídeo é um clássico, inesquecível e tenho certeza que muitos ainda sabem o jingle de cor.






quarta-feira, 13 de abril de 2011

Mal acostumado

Aprendi – em casa e na vida – que tratar as pessoas com educação abre portas e torna o dia mais leve. Quando era estagiário de um grande escritório de advocacia em São Paulo, dando meus primeiros passos profissionais, costumava discutir com funcionários de cartórios do fórum, deixando transparecer um ar de arrogância e superioridade. Estava errado ao agir assim. Um dia percebi que tratar bem as pessoas, além de ser um sinal de respeito, facilitava o andamento dos processos e deixava as idas ao fórum muito mais agradáveis.

Domingo, depois de um voo que mais parecia um daqueles brinquedos de parques de diversões que chacoalham você para cima e para baixo até você ficar tonto e enjoado, cheguei a Porto Alegre. Era uma tarde agradável de sol e não ia ficar fechado no hotel. Saí caminhando pelas ruas, o que permite observar e descobrir a cidade. Devido aos solavancos do voo, não tinha almoçado e procurei um restaurante. Munido de uma revista, almocei tranquilamente.

Havia já terminado o café quando percebi que um grupo de quatro mulheres na faixa de 55 anos chegou e perguntou para a garçonete se havia mesa.  O café era um amplo quiosque no Shopping Moinhos de Vento e eu estava sentado bem ao lado da entrada, portanto ouvi a garçonete informar que só havia uma mesa disponível e que elas teriam que esperar.  Quando a garçonete terminou de passar a informação, chamei-a e disse que liberaria a mesa.  Uma das mulheres ouviu a conversa.  Peguei a conta e dirigi-me ao caixa para pagar.  Sinceramente, fiquei surpreso ao não ouvir um singelo obrigado.  Diria que um simples agradecimento seria um gesto de civilidade e cordialidade, nada mais. Uma delicadeza apenas. Mais nada.

Não costumo me irritar com indelicadezas ou grosserias. Nestas horas sou frio e impassível, mantendo o controle, mas não custaria nada àquele grupo agradecer. Bem que poderia deixar o grupo de pé esperando. Não agi assim. E não agiria novamente se a situação se repetisse. Estou mal acostumado a tratar as pessoas com gentileza, educação  e respeito. 

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Uma tragédia em Realengo

Alguns fatos são realmente curiosos. Vistos de forma individualizada permitem o conhecimento fracionado da realidade, mas quando unidos por um fio condutor, ampliam a visão mais ampla e humana desta mesma realidade. 

Tenha calma, leitor. Sei que este parágrafo inicial pode parecer filosófico e despido de sentido; peço-lhes um pouco de paciência.

Escrever é um ato de observação da realidade e de contar (ou traduzir), do ponto de vista do narrador, esta realidade, ainda que tal ponto de vista não seja imparcial. Tinha pensado num post para hoje inspirado numa frase extraída de um romance de Haruki Murakami. Ficará para outro dia. Os fatos tristes e trágicos que ocorreram no Rio de Janeiro nesta manhã, numa escola pública no bairro de Realengo, levaram-me  a mudar de rumo.

Olhem os três últimos posts publicados neste blog: Poucas linhas, Sempre há uma razão para viver e Lady Macbeth na versão russa. Algum fio condutor? Diria que os três celebram a vida e a fraternidade, a dignidade humana e a sua impotência diante de fatos alheios à nossa vontade, como a doença e a morte.

O homem que adentrou numa escola nesta manhã no Rio de Janeiro era uma pessoa que perdeu o senso de dignidade humana, o senso de respeito pela vida, o senso de nossa pequenez diante do divino.

O vídeo Sempre há uma razão para viver celebra a humanidade e a dignidade do ser humano, não importando a deficiência ou a fraqueza diante da doença. Poucas linhas é uma prece em forma poética, um incentivo a ser paciente e enfrentar a dor (que pode ser física ou moral) com altivez e alegria, com oração e carinho de quem está do nosso lado.

Por fim, Nikolai Leskov revela a transformação de um ser humano em animal irracional, assassino frio e despido de qualquer sentimento. Teria acontecido isto com o homem que adentrou a escola hoje e assassinou de forma bárbara 10 crianças? Ou seria o homem um psicopata esquecido pela sociedade e por aqueles que conviviam com ele?

Não sei a resposta. Sei que curiosamente estes últimos três posts se entrelaçam e celebram a vida. Uma vida que precisa ser respeitada e dignificada. E àqueles que partiram, as nossas orações, a nossa solidariedade e a nossa compaixão.


segunda-feira, 4 de abril de 2011

Lady Macbeth na versão russa

Depois de avançar lentamente pela última obra de Dostoiévski que li (Gente Pobre), hesitei em continuar minhas andanças pela literatura russa. Porém, restava apenas um livro dos que havia comprado na excelente Coleção Leste, da Editora 34. As traduções são primorosas e há sempre notas e posfácio, o que em muito auxilia o leitor novato.

O livro derradeiro era Lady Macbeth do Distrito de Mtzensk, de Nikolai Leskov, com tradução de Paulo Bezerra (São Paulo : Editora 34, 2009, 90 pg). Li o livro em uma semana e surpreendi-me com a narrativa ágil de Leskov, apesar do tom pesado e sombrio que ronda os eventos.

Leskov revisita Shakespeare com um toque peculiar russo. No posfácio, Paulo Bezerra explica que "a literatura como arte é um imenso diálogo que se processa em escala universal, e nesse diálogo cada literatura nacional acrescenta peculiaridades de sua história e de sua cultura a temas já representados em literaturas de outros países e em outras épocas, às vezes bem distantes. Assim, ao trazer para universo da literatura russa o tema do famoso drama de Shakespeare, Leskov recria em Catierina Lvovna traços bem semelhantes aos de Lady Macbeth, fazendo-o, porém, à luz da violenta história da Rússia." (p. 86)

Publicado inicialmente em 1865, a obra aborda a vontade humana e a determinação por se atingir um objetivo específico, ou se conquistar determinada posição ou alcançar o poder, ultrapassando e desconsiderando qualquer reflexão de ordem moral acerca da correção de sua conduta. A temática pode ser trivial, mas na mão de um mestre da escrita, o trivial ganha traços de grande obra e ganha notas de atemporalidade. 

Catierina Lvovna é esposa de um velho comerciante. A jovem, entendiada e sem filhos, transforma-se, com o passar da narrativa, de esposa submissa em uma fria assassina.

"Aquele que não quer dar ouvidos a semelhantes palavras, que não acalenta a ideia da morte nem mesmo nessa situação deplorável, mas a teme, esse precisa tentar abafar essas vozes ululantes com algo ainda mais horrendo que elas. Isso o homem simples compreende perfeitamente: então ele dá asas a toda a sua simplicidade animal, começa a fazer bobagens, a zombar de si mesmo, das pessoas, dos sentimentos. Já sem ser especialmente delicado, torna-se excepcionalmente mau." (p.77)

A maldade cria suas raízes no campo fértil de uma jovem e frustrada mulher; as raízes se espalham e contaminam todo o ser, sufocando o bem e deixando emergir uma mulher transformada - e transtornada.O tema é universal e atual, e a leitura desta excelente obra é muito prazerosa.


Outros posts sobre literatura russa:


Anteriormente já comentamos A Morte de Ivan Ilitch, de Tolstói em dois posts (Tempus breve est! e Um trecho de Tolstói). Outra obra de Tolstói que recomendamos é A Sonata a Kreutzer.