CARTA – Carlos Drummond de Andrade
Bem quisera escrevê-la
com palavras sabidas,
as mesmas, triviais,
embora estremecessem
a um toque de paixão.
Perfurando os obscuros
canais de argila e sombra,
ela iria contando
que vou bem, e amo sempre
e amo cada vez mais
a essa minha maneira
torcida e reticente,
e espero uma resposta,
mas que não tarde; e peço
um objeto minúsculo
só para dar prazer
a quem pode ofertá-lo;
diria ela do tempo
que faz do nosso lado;
as chuvas já secaram,
as crianças estudam,
uma última invenção
(inda não é perfeita)
faz ler nos corações,
mas todos esperamos
rever-nos bem depressa.
Muito depressa, não.
Vai-se tornando o tempo
estranhamente longo
à medida que encurta.
O que ontem disparava,
desbordado alazão,
hoje se paralisa
em esfinge de mármore,
e até o sono, o sono
que era grato e era absurdo
é um dormir acordado
numa planície grave.
Rápido é o sonho, apenas,
que se vai, de mandar
notícias amorosas
quando não há amor
a dar ou receber;
quando só há lembrança,
ainda menos, pó,
menos ainda, nada,
nada de nada em tudo,
em mim mais do que em tudo,
e não vale acordar
quão acaso repousa
na colina sem árvores.
Contudo, esta é uma carta.
(Antologia Poética. 26ª. ed. Rio de Janeiro : Record, 1991, p. 74-6)
Uma carta que narra a força da paixão e o abismo causado pelo silêncio da relação desgastada. Drummond capta de forma única esta mudança, tudo condensado numa carta, que parece ser uma carta de despedida. Uma carta que antecipa o fim e reconhece as mudanças, que talvez tenham passado despercebidas. A fenda rachou a proximidade, a intimidade, e interpôs-se entre amado e amada.
O tempo se torna longo, os encontros cansativos, o rosto, uma “esfinge de mármore”, e o que resta: “quando só há lembrança,/ ainda menos, pó,/ menos ainda, nada, / nada de nada em tudo”.
Nada de nada em tudo. O silêncio adentra sem ser convidado, um silêncio que tira a cor, o brilho, a vibração do alazão desbordado. As palavras triviais não estremecessem o coração, antes irritam, incomodam, lançam-se como um jugo insuportável sobre os ombros. Até que venha o inevitável fim.
Bem quisera escrevê-la
com palavras sabidas,
as mesmas, triviais,
embora estremecessem
a um toque de paixão.
Perfurando os obscuros
canais de argila e sombra,
ela iria contando
que vou bem, e amo sempre
e amo cada vez mais
a essa minha maneira
torcida e reticente,
e espero uma resposta,
mas que não tarde; e peço
um objeto minúsculo
só para dar prazer
a quem pode ofertá-lo;
diria ela do tempo
que faz do nosso lado;
as chuvas já secaram,
as crianças estudam,
uma última invenção
(inda não é perfeita)
faz ler nos corações,
mas todos esperamos
rever-nos bem depressa.
Muito depressa, não.
Vai-se tornando o tempo
estranhamente longo
à medida que encurta.
O que ontem disparava,
desbordado alazão,
hoje se paralisa
em esfinge de mármore,
e até o sono, o sono
que era grato e era absurdo
é um dormir acordado
numa planície grave.
Rápido é o sonho, apenas,
que se vai, de mandar
notícias amorosas
quando não há amor
a dar ou receber;
quando só há lembrança,
ainda menos, pó,
menos ainda, nada,
nada de nada em tudo,
em mim mais do que em tudo,
e não vale acordar
quão acaso repousa
na colina sem árvores.
Contudo, esta é uma carta.
(Antologia Poética. 26ª. ed. Rio de Janeiro : Record, 1991, p. 74-6)
Uma carta que narra a força da paixão e o abismo causado pelo silêncio da relação desgastada. Drummond capta de forma única esta mudança, tudo condensado numa carta, que parece ser uma carta de despedida. Uma carta que antecipa o fim e reconhece as mudanças, que talvez tenham passado despercebidas. A fenda rachou a proximidade, a intimidade, e interpôs-se entre amado e amada.
O tempo se torna longo, os encontros cansativos, o rosto, uma “esfinge de mármore”, e o que resta: “quando só há lembrança,/ ainda menos, pó,/ menos ainda, nada, / nada de nada em tudo”.
Nada de nada em tudo. O silêncio adentra sem ser convidado, um silêncio que tira a cor, o brilho, a vibração do alazão desbordado. As palavras triviais não estremecessem o coração, antes irritam, incomodam, lançam-se como um jugo insuportável sobre os ombros. Até que venha o inevitável fim.
7 comentários:
Você anda num processo intenso de auto descoberta, né?
Espero que consiga chegar lá...e com Drummond ajudando, então...
Beijo
Salve Drummond...
Ainda bem que as cartas existem....
Ainda bem que elas conseguem quebrar o tanto silencio...
Aida vem que elas conseguem VERBALIZAR emoçoes...
drummond sera eternooo!
ele pode espressa tudo q ele dsentia por itabira em poemas q ele deixou dentre eles estao os poemas dos caminhos drummondianos!
by:sabrina***drummonzinha***
Ler Drummond sempre dá uma "inveja" ou a sensação de que poderíamos er escrito aquelas palavras... tão simples e tão profundo.
http://blogdoantiquado.blogspot.com.br/2012/04/minha-querida.html
Você sabe algum link de audio da leitura desse poema? Por favor!! E obrigada
Gostaria de saber se tem algum link de áudio da leitura desse poema. Por favor e obrigada!!
Giih Maia
Vc encontra áudios de diversos poemas de Drummond na voz de Paulo Autran neste link:
http://timaudiobook.com.br/audiobook/106802/poesia-falada-carlos-drummond-de-andrade-por-paulo-autran
No youtube também há muitos vídeos com declamações de poemas na voz de Paulo Autran.
Apenas uma nota: há mais de um poema de Drummond com o título "Carta".
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