QUADRO DESBOTADO
Recostado no batente da porta, no quarto escuro, deixou-se perder nos pensamentos, sozinho, deliciando-se com o silêncio. Ele não queria voltar à sala e dar seqüência a mais uma discussão com Mariana no final do dia. Esta era uma das razões que tanto ansiava pelo domingo à noite, pelo fim do descanso semanal. Nas noites que antecediam o começo da semana, dormia mal, um sono irrequieto, ansioso para retornar ao trabalho e fugir do ambiente pesado. A crise se agravara e mesmo tentando ser divertido, mesmo tentando minimizar os problemas, sucumbia. Suas forças estavam sendo exauridas por todas aquelas situações, algumas banais, outras mais sérias, mas nada que não pudesse ser contornado.
Desfalecia diante da insistência de Mariana em perpetuar conversas que não levavam a lugar nenhum, que não apresentavam soluções ou propostas de melhoria no relacionamento. Discutiam a relação quase todas as noites, e isto o esgotava, drenava lentamente a seiva da alegria. Talvez abordasse tudo de forma muito profissional, seca, mas era o jeito dele. A filha começara a notar o ambiente tenso e conflituoso que se instalara naquela casa, que aos poucos deixava de ser um lar acolhedor e passara a ser apenas uma residência, um local onde pessoas moravam, comiam e dormiam. O afeto foi evaporando. Pedro fugia dos carinhos, fugia das tentativas de enlace das mãos. Não conseguia ser duplo: ouvir silenciosamente as agressões e agir como se nada estivesse acontecendo. Deixava-se ficar longe, ausente, evitando ao máximo o conflito. Seus esforços caiam na vala comum da mesmice e tudo era em vão. Quando tentava ser invisível era notado, e quando queria – ou precisava – ser notado, passava despercebido.
As cores vivas da vida haviam desbotado, perderam a vibração que contagiava e alegrava aquela casa, como um quadro velho, empoeirado, jogado num canto escuro de um depósito de museu.
3 comentários:
E o mais incrível é que essa sua crônica cabe muito bem em muitas relações.
Quantas vezes vemos casais que já não se suportam, relações falidas e mesmo assim continuam juntos, insistindo não sei no que.
é como digo eu... "love sucks or it's amazing!". Arre! Que coisa mais difícil!!!
Texto perfeito. Maravilhosamente bem escrito e, como bem disse a Edna, cabem aí muitas leituras. Grande abraço!
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