sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

World Rare Disease Day




Ao redor do mundo, hoje é um dia para lembrar que existem diversas doenças raras causadas em decorrência de algum problema genético. São mais de 7.000 doenças raras identificadas. Muitas não têm cura e sequer se é possível fazer um diagnóstico exato. Mais informações podem ser obtidas em http://globalgenes.org/

Sob o lema "Unity creates hope" (a união gera esperança), a organização visa conscientizar as pessoas da existência de doenças raras e criar um rede de solidariedade entre as famílias que têm integrantes com doenças raras, além de incentivar pesquisas na área.

A vida é um dom, uma dádiva e conviver com uma pessoa que tem uma doença rara é uma experiência única que desperta amor, compaixão e desprendimento. 

Como ajudar? Pare um instante no seu e diga uma breve oração por todas estas famílias.

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Microconto: O que vejo quando te olho



O QUE VEJO QUANTO TE OLHO

Distraída, penteava-se diante do espelho desembaraçando os pensamentos. Ele chegou por trás, sorrateiro, e abraçou-a bem forte. Mãos entrelaçadas, ela sentiu-se protegida e recostou a cabeça no seu ombro. 

- O que você vê quando se olha no espelho? Sabe o que vejo quando te olho? 

Ela, curiosa, mas inquieta com a pergunta, olhou-se no espelho, mas teve medo de arriscar qualquer palpite.

- Vejo poesia!

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Morre Paco de Lucía




Morreu o expoente da guitarra flamenca, Paco de Lucía, aos 66 anos. Um dos grandes violonistas desta expressão musical tão característica que é o flamenco. Sua discografia é ampla e marcou época, transportando um ritmo local espanhol para todos os cantos do planeta. 

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Epígrafe - XXIV


"Entre as outras funções positivas da divagação da mente, estão a geração de cenários para o futuro, a autorreflexão, a capacidade de se relacionar em um mundo social complexo, a incubação de ideias criativas, a flexibilidade do foco, a ponderação do que se está aprendendo, a organização das lembranças ou a mera meditação sobre a vida - e também a possibilidade de dar aos nossos circuitos de foco mais intensivo uma revigorante."

(Daniel Goleman. Foco.  trad. Cássia Zanon. Rio de Janeiro : Objetiva, 2014, p. 46)

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Sinfonia em branco




Resenha do romance Sinfonia em Branco, de Adriana Lisboa (2a. Ed. Rio de Janeiro : Objetiva, 2013), vencedor do Prêmio José Saramago.



O amor era como a marca pálida deixada por um quadro removido após anos de vida sobre uma mesma parede. O amor produzira um vago intervalo em seu espírito, na transparência dos seus olhos, na pintura envelhecida da sua existência. Um dia, o amor gritara dentro dele, inflamara suas vísceras. Não mais. Mesmo a memória era incerta, fragmentada, pedaços do esqueleto de um monstro pré-histórico enterrados e conservados pelo acaso, impossível recompor um todo íntegro. Trinta anos depois. Duzentos milhões de anos depois.”(p. 15-6)

Tomás entra em cena de forma enigmática. Um homem que aguarda a chegada de Maria Inês, irmã de Clarice. Maria Inês era “uma mulher que a memória sempre vestia de branco e de juventude”.

Logo no primeiro capítulo, Adriana Lisboa, de forma lírica e provocadora, apresenta-nos Tomás, Clarice e Maria Inês. As duas últimas são irmãs. Maria Inês casa-se com João Miguel, primo de segundo grau, forma-se em medicina e permanece morando no Rio. Não retorna mais para Jabuticabais, onde nascera e crescera. Clarice, após a morte da mãe e do pai, volta para a fazenda e ali permanece, vizinha de Tomás.

Dois vizinhos que se tornam amigos e confidentes nas madrugadas frias e insones. A conversa geralmente orbita em torno de Maria Inês e a ansiedade do reencontro com a visita que se torna próxima.



Clarice casou-se com Ilton Xavier, outro vizinho da fazenda de Afonso Olímpio e Octacília. Clarice trazia consigo o queloide nos pulsos nus resultado de uma tentativa frustrada de cortar os punhos.

Um dia, a morte. Clarice sentiu mais uma vez com as pontas dos polegares as duas cicatrizes gêmeas, uma em cada punho. E sorriu um sorriso involuntário e triste, um sorriso sem mistérios, ao pensar que afinal acabara sobrevivendo a si mesma.”(p. 35-6)

Clarice era menina obediente e submissa; Maria Inês carregava uma vivaz insubordinação, gostava de desafiar o proibido. O temperamento de Clarice talvez tenha contribuído para o ocorrido, e ela carregara consigo a culpa pelo fato, ainda que de forma velada.

Poucos anos haviam sido suficientes para escurecer Octacília, para nublar seus olhos de águas-marinhas azuis e engravidá-los de tempestade, para deixá-la parecida com uma madrugada fria e insone. Seu humor escurecia a cada dia, e não havia para Clarice modo de deixa de sentir-se ao menos um pouquinho culpada. Tinha certeza de que a mãe não a amava. Talvez porque tivesse feito algo? Alguma coisa muito feia e censurável de que nem mesmo se lembrasse?”(p. 39)

Certo dia Octacília decide enviar Clarice ao Rio de Janeiro para morar com uma tia solteirona e ali passar uma temporada de estudos. Octacília e Clarice não eram próximas e uma semana após a decisão de enviar Clarice ao Rio, Octacília chama a filha no meio da noite para ver a lua. Conversam pouco, mas resta a impressão de que Octacília culpa Clarice pelo ocorrido.

Entre elas não havia confissões, não havia trocas de carinhos, mas muitos e longos silêncios. Desde sempre. Sobretudo por isso Clarice surpreendera-se com aquela iniciativa, mandá-la para o Rio de Janeiro. Pois se tudo era tão subterrâneo, se tudo era tão secreto.”(p.92)

O ano era 1965 e Clarice permaneceu no Rio por cinco anos. Nestes anos, Clarice tenta esquecer e moldar uma nova Clarice. Dali saiu diretamente para igreja de Jabuticabais onde lhe esperava no altar Ilton Xavier. O casamento durou 6 anos e numa manhã qualquer, Clarice partiu sem dizer nada. Sem rumo, Clarice vive de bicos no interior até chegar ao Rio, onde mergulha nas drogas e é “adotada” por um namorado traficante. Passado algum tempo, ela tenta o suicídio.



Tomás é um personagem coadjuvante, à margem das mulheres da trama, mas cuja história traz consigo um caráter de homem-objeto, um acessório de Maria Inês. Esta, por sua vez, parece saltar pelo mundo em busca de um amor verdadeiro, mas contenta-se com a superficialidade da variedade. Primeiro, Tomás. Depois Bernardo, um colega de turma que se transforma em cantor lírico e que coleciona namoradas em diversas cidades do mundo, como um marinheiro nômade e sem residência fixa. Quando está no Rio, protagoniza encontros sexuais com Maria Inês, onde ela se submete a ser mais uma na coleção de Bernardo Águas. João Miguel é o marido, com queda por jovens bonitos e moças jovens. Maria Inês nota isto num café em Veneza, ponto de partida para uma encruzilhada em seu relacionamento.

Mas Tomás parece ser o mais sincero em relação aos seus sentimentos. Aceita ser o “outro” de Maria Inês. E por ela espera durante quase toda a vida. Em certo trecho, a autora ao narrar a primeira vez em que Tomás avista Maria Inês na sacada do apartamento do Flamengo, na rua Almirante Tamandaré, e passa a desenhá-la de forma obcecada, sua vida termina antes de começar (“A vida de Tomás que terminou antes de começar.” – p. 149).

Tomás insiste num amor ao qual Maria Inês se recusa a abraçar. “Mais tarde ela diria por favor, Tomás, não se apaixone por mim, e ele perguntaria, sorrindo, por quê?, ao que ela responderia porque eu não estou apaixonada por você. Naquele momento, porém, e mesmo depois da revelação da não paixão, Tomás se assegurava: seria possível. Teria de ser possível. Porque o amor dele seria talvez suficiente para dois, como um prato farto num restaurante. Suficiente para alimentar duas pessoas, um desejo em dobro capaz de arcar com o peso de dois destinos, inclusive, e irmaná-los.”(p. 157)

Tomás insiste e reclama quando Maria Inês não lhe informa a morte de Octacília. Quando Afonso Olímpio morre, Tomás vai a Jabuticabais, conhece Clarice e nota os olhos secos das duas irmãs no velório.

Estavam secos.
Como estavam também os olhos de Maria Inês: secos. Estranhamente secos, mais secos que os olhos das pessoas quando estão secos. E a ausência de lágrimas pesava naqueles olhos marejados de falta, marejados de silêncio.”(p. 237-8)

Tomás não pergunta, não inquire, não invade. A sua presença no velório já era uma invasão. A invasão de um segredo que é compartilhado num único olhar entre Clarice, Maria Inês e Tomás. Ele de nada sabia, mas desconfia de algo muito bem guardado pelas irmãs.

Após a morte do pai, Maria Inês fica noiva de João Miguel e comunica a Tomás. “Uma paixão muito jovem. Que dividiu a existência de Tomás em duas metades, em dois hemisférios. Em dois períodos: um a.M.I. e um d.M.I.”(p. 241)

Maria Inês foi embora, mas não definitivamente. Voltou três meses depois, e continuou voltando ao longo dos dois anos seguintes. Uma Maria Inês clandestina que mais tarde haveria de se culpar e acreditar que o belo Paolo em Veneza era somente uma espécie de troco.”(p. 243).

Ao final, descobre que Eduarda, a moça que tem os seus olhos transparentes, é sua filha. 

Maria Inês, a protagonista, parece ter medo do amor, da entrega, do sacrifício que um relacionamento exige. João Miguel, o primo que virou marido, é o companheiro conveniente, conquistado sem esforço. Tomás, o devotado e apaixonado amante, é posto de escanteio, quase esquecido, mas Tomás não teve medo de arriscar, de abraçar a paixão que lhe assolara. Maria Inês, por sua vez, segue sua vida sem se amarrar, sem criar fundações definitivas e mais profundas. Sim, Maria Inês tem medo do amor, medo de encontrar o amor verdadeiro e duradouro.



Havia uma pedreira perto da fazenda e Maria Inês e Clarice sobem ao alto da pedreira num dia de junho, após a tradicional festa junina.

Maria Inês sentiu a pele da nuca eriçar-se, como se ela fosse um gato, e perguntou com a voz forte para que ele pudesse ouvi-la de onde estava: o que houve? O que veio fazer aqui?

Não fale assim com ele, Clarice censurou.

As distorções dela eram filhas das distorções dele. Claro.

Diante de Maria Inês e de Clarice, plantado no meio daquelas pedras como um fantasma, os cabelos ralos esvoaçando, Afonso Olímpio viu o rosto das coisas que ele poderia ter feito, mas não fizera. E também aquele sombrio das coisas que ele não deveria ter feito, mas fizera, ainda assim. Um homem carente da melhor parte de si mesmo, daquilo que agora pudesse sustentá-lo de pé.

Você acredita em inferno, pai?, Maria Inês perguntou.” (p. 288-9)

Ela surpreendeu-se por ouvir-se dizendo aquela palavra, pai, que foi a última que disse a ele e a última que ele próprio ouviu. Depois, muito levemente, empurrou.” (p. 293)

O tão desejado esquecimento se resume a um momento em que Clarice vê o pai despencar do alto da pedreira. E a partir daquele momento, inicia o processo de cicatrização.

O Esquecimento Profundo não existia. Clarice sabia. Nunca fora capaz de esculpi-lo – de reivindicá-lo para si. Também não existia algo como uma lembrança inócua, uma ferida cauterizada. Um bicho sem as presas e sem os dentes, sendo, apenas. A pacificação do passado com tudo aquilo que ele comportava. Existia uma cidade na memória de Clarice, uma cidade destruída pela guerra ou por um terremoto. Agora, havia construções novas e o entulho já fora removido e os mortos, enterrados – porém, haveria como reverter aquela memória? Como atualizá-la?” (p. 303-4)


sábado, 15 de fevereiro de 2014

Microconto: Medusa


Medusa, de Glen Vause (2004)

MEDUSA

Ela dormiu com os cabelos ainda molhados. Acordou com eles desarrumados e desgrenhados, com leve semelhança a uma peruca de palhaço, pensou. Olhou-se no espelho e ficou petrificada. Minha doce medusa, ele diria. E ela sentiu saudade.


quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Solitude






"The mass of men lead lives of quiet desperation."

"I have a great deal of company in my house; especially in the morning, when nobody calls."


"I have never felt lonesome, or in the least oppressed by a sense of solitude, but once, and that was a few weeks after I came to the woods, when, for an hour, I doubted if the near neighborhood of man was not essential to a serene and healthy life. To be alone was something unpleasant. But I was at the same time conscious of a slight insanity in my mood, and seemed to foresee my recovery. In the midst of a gentle rain while these thoughts prevailed, I was suddenly sensible of such sweet and beneficent society in Nature, in the very pattering of the drops, and in every sound and sight around my house, an infinite and unaccountable friendliness all at once like an atmosphere sustaining me, as made the fancied advantages of human neighborhood insignificant, and I have never thought of them since. Every little pine needle expanded and swelled with sympathy and befriended me. I was so distinctly made aware of the presence of something kindred to me, even in scenes which we are accustomed to call wild and dreary, and also that the nearest of blood to me and humanest was not a person nor a villager, that I thought no place could ever be strange to me again."

(all quotes in this post were extracted from Walden).


Solitude. Simplicity. These famous concepts and epigrammatic phrases from Henry David Thoreau sounded strange for a junior in an American Lit class back in high school. These phrases were repeated over and over again, together with a bunch of others extracted from Walden. Thoreau´s book is one of those that is read but not fully understood by young readers. You either hate it or love it. However, the idea of living isolated by a lake for two years resonates as a little off the beaten path to most teenagers. And to Thoreau's neighbors as he describes in the book. I read the book for the first in 1987 and must confess that the ideas seemed much more adequate to the hippie culture than to the common mainstream. It is unthinkable for a teenager to consider solitude and simplicity in a society that rewards hard work and a fat paycheck at the end of the month.

Back in those years, you don’t think of solitude and silence as something positive. You want to belong to the group, to be part of the social happenings, you want to taste the marrow of life and live life to the fullest. When years pass, you start to value solitude, silence. These must not be confused with loneliness, which is involuntary. Solitude is a voluntary act, a decision to give yourself some time to reflect.

When I think back to Thoreau´s ideas, it scared me. Solitude and loneliness seem to be the same thing for a teenager with a full life ahead. Yes, I was scared of solitude.

A couple of years ago, talking to a dear friend, the question popped: what is your biggest fear? Solitude is one the most cited fears in all age groups, but when you dig deeper, you find that solitude is just a first step into a more profound situation. Loneliness  comes right after solitude in the list. Since it is involuntary, one feels powerless when faced in this situation. I pointed out that one of the aspects of loneliness is the simple fact that you may be forgotten. Friends, family, acquaintances. Everyone simple forgets that you exist, wipes you off from their lives. It is almost like you are burned, destroyed, vaporized, like in Orwell´s 1984.

You can try to burn old memories to cure traumas or let the past go. You can try to incinerate little gifts, notes, photos, but you cannot destroy and forget the positive things and memories that the person has left with you. You can trample on a person´s deepest fear, use it in your favor, but you cannot destroy the good moments, the pleasure of the long conversations, the great effects of the smiles, the words, the caring, the embraces.
 
Good memories leave good feelings.

 "As if you could kill time without injuring eternity."

Following Thoreau's phrase, as if you could kill memories with simply waiting for time to pass and the heart to quiet down. Good memories remain forever.

PS: Walden can be read at The Thoreau Reader.






terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Assim, sem nada feito e o por fazer, de Fernando Pessoa



ASSIM, SEM NADA FEITO E O POR FAZER

Assim, sem nada feito e o por fazer
Mal pensado, ou sonhado sem pensar,
Vejo os meus dias nulos decorrer,
E o cansaço de nada me aumentar.

Perdura, sim, como uma mocidade
Que a si mesma se sobrevive, a esperança,
Mas a mesma esperança o tédio invade,
E a mesma falsa mocidade cansa.

Tênua passar das horas sem proveito,
Leve correr dos dias sem ação,
Como a quem com saúde jaz no leito
Ou quem sempre se atrasa sem razão.

Vadio sem andar, meu ser inerte
Contempla-me, que esqueço de querer,
E a tarde exterior seu tédio verte
Sobre quem nada fez e nada quer.

Inútil vida, posta a um canto e ida
Sem que alguém nela fosse, nau sem mar,
Obra solenemente por ser lida,
Ah, deixem-se sonhar sem esperar!

(Quando fui outro. Rio de Janeiro : Objetiva, 2006, p. 52)

Vamos escrever?


Escrever, além de ser um exercício prazeroso e divertido, é comprovodamente uma das formas de exercitar o cerébro. Está comprovado que a constante atividade cerebral inibe o aparecimento de doenças como Alzheimer. A escrita traz este grande benefício mental, então, por que não se arriscar e deixar as palavras saltarem para o papel?

A nova Oficina começa dia 12 de fevereiro e ainda dá tempo!

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Volta às aulas


by Ana Luiza

O despertador tocou pouco depois das seis da manhã e rapidamente alguns gritos de alegria irromperam no silêncio e na escuridão matinal. Os gritos eram de alegria, de júbilo pelo final das férias. Sim, meus filhos estavam ansiosos pelo começo das aulas e em poucos minutos estavam vestidos e prontos para iniciar um novo ano letivo. Minha filha resolveu registrar o dia que nascia ainda preguiçoso (foto acima). Começo das aulas e horário de verão ainda em vigor são sinônimos de acordar no escuro.

Após deixá-los na escola, fiz um exercício de memória e tentei lembrar-me dos meus primeiros dias de aula. Será que eu era tão emplgado assim? Não me lembro de tanta animação, mas lembro-me do reencontro com os amigos, da alegria de começar um caderno novo, novas matérias, novos livros, nova sala de aula, novos professores. Um ano adicional de escola é uma renovação de memórias, de descobertas, de aprendizado, de frustrações, de alegrias.

Faça o exercício e pergunte-se qual a sua memória mais remota da escola e do começo das aulas.

Muitas lembranças são esfumaçadas, fragmentadas, mas lembro-me do meu primeiro dia de aulas quando mudei para os Estados Unidos. Não havia euforia, havia apreensão, ansiedade, angústia, pois mal entendia a língua e não conseguia me comunicar direito. Minha primeira aula foi de matemática. Sentei-me no fundo como determinado num mapa de assentos organizado por ordem alfabética ao lado de um menino chamado Brett. Tudo era novo, mas causava enorme apreensão para um jovem de 12 anos. Enfim, dificuldades e novas experiências existem na vida para que as superemos e cresçamos, e assim foi. 

Na faculdade, o primeiro dia de aula foi de trotes, cabelo raspado, ovos, água, bagunça generalizada. No primeiro dia, conheci bons amigos que me acompanharam ao longo dos cinco anos da São Francisco. E no ano seguinte, fomos nós a receber os calouros com a mesma alegria e bagunça.

Gosto de ver as crianças empolgadas com o início dos estudos, gosto de vê-los felizes indo para escola. Gosto de perceber que o hábito do estudo, que o interesse pelo aprendizado vai sendo sedimentado ano após ano. Espero que guardem estas boas lembranças de mais um primeiro dia de aula. Afinal, há um tempo em que as memórias começam a evaporar, restando apenas o que de bom ficou.





domingo, 2 de fevereiro de 2014

Finitude




Alguns dias eram ruins e outros péssimos. Os finais de semana eram os mais difíceis de aturar. Tornara-se um mestre em disfarçar seu estado de espírito, escondendo habilmente a dor que lhe martelava o coração. Estes dias arrastavam-se e não era usual conseguir momentos em que ficava solitário, perdido em seus pensamentos numa insistente tentativa de decifrar o enigma e ponderar de forma racional sobre o que futuro reservava. Prever o futuro é algo tão irracional e tão ilógico que qualquer esforço era em vão, mas seus cenários traçados e desenhados eram sempre pessimistas. A perda era considerada irreversível por maior esforço que fizesse e tentasse resgatar os bons momentos para lhe dar algum alívio e motivação sobre os dias vindouros. Não havia horizonte e calibrar a esperança era algo tão etéreo quanto à simples e ingênua questão sobre se ela ainda pensava nele, se algum carinho havia sobrevivido aos arroubos de raiva e agressividade que lhe deixaram feridas profundas e doloridas.

A vida tem suas contradições, quase um dicionário de antônimos. O pêndulo oscilara de ponto de afeto extremo, de sorrisos e longas conversas para o ponto da raiva, da mágoa, da despedida, do silêncio. Ele, sempre metódico, introvertido, ponderado, agora se via diante de uma vontade incontrolável de falar, de confidenciar, de explicar o que se passava dentro dele. Porém, havia sido emudecido, como se lhe tivessem arrancado a língua, cortado-lhe a palavra, lançado-o num calabouço, alienado do mundo. O tempo era seu único consolo, afinal guardara com carinho as memórias, pois estas não podiam ser bloqueadas, apagadas, queimadas, reprogramadas, reformatadas. Ainda bem que a mente as preserva intocadas, talvez com certo grau de subjetividade, mas plenas e vivas. Uma faísca e a brasa poderia ser reacendida. Fraquezas todos temos e     por vezes, sucumbimos. 

Curioso como iniciara um texto há pouco menos de 3 anos, um projeto a quatro mãos que fora arquivado por desistência da parceira, e que recentemente caminhara nos mesmos passos de seu personagem, vivenciado a dor que descrevera, com a exceção de que a morte não tornava definitiva a situação. A vida repetia a arte e suas palavras haviam sido proféticas e isto o incomodava.

A morte era algo que não experimentara recentemente. Deparara-se com ela há pouco tempo quando fora descoberto que seu pai tinha câncer. A morte outorga um senso de finitude, de transitoriedade, de que somos efêmeros. A morte nos urge a correr, a não desperdiçar o tempo, a cicatrizar as feridas em conjunto, conversando, dialogando e ouvindo, reatando e perdoando, reconstruindo pontes que foram implodidas no passado. A morte cala a voz e ele pressentia que os sentimentos seriam muito semelhantes, como espinhos a lhe furar pele, como a solidão irremediável e cuja solução inexiste.

Respeitava o desejo dela, mas não compreendia. Tateava no escuro sem saber como agir, perdido no caminho e nos sentimentos. Pensou que se vivesse num país com dias cinzas, frios e de longas noites, talvez abreviasse a dor, sucumbisse e desistisse de esperar. Sua alma estava gélida, inerte, afundada na angústia.