domingo, 2 de fevereiro de 2014

Finitude




Alguns dias eram ruins e outros péssimos. Os finais de semana eram os mais difíceis de aturar. Tornara-se um mestre em disfarçar seu estado de espírito, escondendo habilmente a dor que lhe martelava o coração. Estes dias arrastavam-se e não era usual conseguir momentos em que ficava solitário, perdido em seus pensamentos numa insistente tentativa de decifrar o enigma e ponderar de forma racional sobre o que futuro reservava. Prever o futuro é algo tão irracional e tão ilógico que qualquer esforço era em vão, mas seus cenários traçados e desenhados eram sempre pessimistas. A perda era considerada irreversível por maior esforço que fizesse e tentasse resgatar os bons momentos para lhe dar algum alívio e motivação sobre os dias vindouros. Não havia horizonte e calibrar a esperança era algo tão etéreo quanto à simples e ingênua questão sobre se ela ainda pensava nele, se algum carinho havia sobrevivido aos arroubos de raiva e agressividade que lhe deixaram feridas profundas e doloridas.

A vida tem suas contradições, quase um dicionário de antônimos. O pêndulo oscilara de ponto de afeto extremo, de sorrisos e longas conversas para o ponto da raiva, da mágoa, da despedida, do silêncio. Ele, sempre metódico, introvertido, ponderado, agora se via diante de uma vontade incontrolável de falar, de confidenciar, de explicar o que se passava dentro dele. Porém, havia sido emudecido, como se lhe tivessem arrancado a língua, cortado-lhe a palavra, lançado-o num calabouço, alienado do mundo. O tempo era seu único consolo, afinal guardara com carinho as memórias, pois estas não podiam ser bloqueadas, apagadas, queimadas, reprogramadas, reformatadas. Ainda bem que a mente as preserva intocadas, talvez com certo grau de subjetividade, mas plenas e vivas. Uma faísca e a brasa poderia ser reacendida. Fraquezas todos temos e     por vezes, sucumbimos. 

Curioso como iniciara um texto há pouco menos de 3 anos, um projeto a quatro mãos que fora arquivado por desistência da parceira, e que recentemente caminhara nos mesmos passos de seu personagem, vivenciado a dor que descrevera, com a exceção de que a morte não tornava definitiva a situação. A vida repetia a arte e suas palavras haviam sido proféticas e isto o incomodava.

A morte era algo que não experimentara recentemente. Deparara-se com ela há pouco tempo quando fora descoberto que seu pai tinha câncer. A morte outorga um senso de finitude, de transitoriedade, de que somos efêmeros. A morte nos urge a correr, a não desperdiçar o tempo, a cicatrizar as feridas em conjunto, conversando, dialogando e ouvindo, reatando e perdoando, reconstruindo pontes que foram implodidas no passado. A morte cala a voz e ele pressentia que os sentimentos seriam muito semelhantes, como espinhos a lhe furar pele, como a solidão irremediável e cuja solução inexiste.

Respeitava o desejo dela, mas não compreendia. Tateava no escuro sem saber como agir, perdido no caminho e nos sentimentos. Pensou que se vivesse num país com dias cinzas, frios e de longas noites, talvez abreviasse a dor, sucumbisse e desistisse de esperar. Sua alma estava gélida, inerte, afundada na angústia.

Um comentário:

Marcelle disse...

Adoro me deparar com esta sensibilidade masculina! Seria autobiográfico? Ou apenas um demonstração de que homens também têm coração?

Marcelle