segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Ferreira Gullar e a poesia - II

Mais um trecho da conversa de Ferreira Gullar com os editores da Dicta & Contradicta:

"D&C: Uma aventura prazerosa ou dolorosa?"

"Prazerosa, é claro. Quem diz que dói escrever um poema mente. Não tem nada disso. T.S.Eliot dizia: 'Escrevo para me libertar da emoção'. O poema é cura, não doença. Escrevo para ser feliz,  para me libertar do sofrimento, não para sofrer. É a alquimia da dor em alegria estética. Mesmo quando a coisa é doída, amarga, naquele momento a transformo no ouro que é o poema. O prazeroso é não saber o que vai acontecer. É claro que há o rigor, pois a criação e a crítica são simultâneas. Há sempre uma escolha. Criar é sempre criticar, mas não sei de onde vem. É como digo: 'A Divina Comédia podia nunca ter sido escrita ou ter sido escrita diferente da maneira como foi'. Há um lado que é a necessidade, que é o que eu vou fazer. Por exemplo, se quero falar sobre uma pêra, não estou falando sobre uma praia, e isso condiciona o que vou dizer. Mas como o discurso da poesia não é lógico, não é previsível, então começa a aventura, e o que me acode, que vem através das palavras, está condicionado por certos fatores, como o sujeito que me falou algo na rua ou um trecho de um romance que li à noite. Há sempre uma relação de acaso e necessidade que determina o poema."
(número 05, Junho 2010, p. 16)

Difícil acrescentar algo ou comentar sobre esta passagem da entrevista. Mas vou destacar alguns aspectos da lição do grande poeta:
- o poema surge do acaso;
- o poema é uma aventura: sabe-se o ponto de partida, mas não se sabe o ponto de chegada;
- escrever é um exercício de felicidade;
- a escrita é transformadora, transforma a dor e algo belo.

Ferreira Gullar revela algo mágico sobre o processo criativo e que me parece tão atraente aos jovens: escrever é uma aventura, a poesia é uma aventura, que não é lógica, mas bela.

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