sábado, 4 de setembro de 2010

Crônica: A Parede


A PAREDE


Permaneceu em pé, num canto, durante a maior parte do almoço festivo, ao lado da esposa, deixando que ela falasse e fosse o centro das atenções. Ria discretamente, contido, quase tímido, como se estivesse fora de seu ambiente familiar. 

Fitava as crianças que corriam de um lado para o outro, sem preocupações maiores, sem entender a vida, apenas vivendo o tempo presente. Os adolescentes, com suas namoradas - e namorados - a tiracolo discorriam sobre projetos de vida, sobre cursos, sobre a faculdade, sobre grandes planos de transformação, donos de si e de um conhecimento que pensavam ser detido apenas por eles. Consideravam-se os iluminados, os eleitos para finalmente colocarem o mundo nos eixos, para acabar com a pobreza, a miséria, a poluição, as armas nucleares.

Num outro canto, um jovem casal com mais de trinta anos vigiando atentamente o pequeno rebento que descia hesitante um pequeno degrau. A vida para eles se renovava, venceram a juventude e acalmaram os ânimos idealistas para fincar raízes no solo. 

Na mesa redonda diante dele, os mais velhos já estavam sentados, cansados de ficar de pé, cansados da luta. Alguns ainda vibrantes e sorridentes, outros ranzinzas, feição fechada e séria, reclamavam de tudo: o trânsito, o preço das coisas, o barulho, a juventude perdida. 

A festa comemorava os 75 anos de um primo e a família estava toda lá. Todos reunidos, as várias fases da vida, as várias etapas, o ciclo completo. 

Ele estava aflito com a última consulta no cardiologista. A cirurgia não tinha resolvido o problema de uma das válvulas do coração e iria novamente ao médico amanhã. Sentia-se caminhando lentamente, constantemente, em direção a uma parede. Conseguia avistar a parede e não havia como ultrapassar a parede. Era imensa, intransponível. Para qualquer lado que olhasse, via-se apenas a parede. Seus pés moviam-se a passos lentos, mas sempre rumo à parede.

Uma de suas netas, reparando o rosto sério do avô, veio conversar com ele.

- O senhor não quer sentar, Vovô? Parece cansado. - disse a menina.

- Estou bem, minha filha.

- O senhor está com cara de preocupado. O que aconteceu?

- Vovô vai ao médico amanhã para examinar o coração.

- Não fica preocupado Vovô. Sabe o que senhor deve fazer? Pede para o seu anjo da guarda de ajudar. Ele tem asas bem fortes e vai te ajudar. - disse a menina com toda a ingenuidade infantil.

À noite, ele rezou ao seu anjo da guarda, pediu forças como não fazia há anos. Rezou com fé. Chorou silenciosamente. Dormiu sossegado e calmo, confiante de que quando estivesse diante da parede, alçaria voo e ultrapassaria.


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