sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Outra Vida





"Submisso ao temperamento da esposa, ele sufocou o quanto pôde o desejo de voltar para casa. Sua passividade e covardia impuseram-lhe um paradoxo permanente entre a obediência externa e a falta de ambição interior. Até a hora em que não lhe restou outra opção." (p. 30-1)



"Um homem, ele imagina, pode ser um sábio sem reconhecimento, pode ser um ótimo pai, amante e companheiro, pode ser um grande profissional, um grande homem, enfim, sem outras recompensas que não o afeto de quem o ama. Se as pessoas em geral não sabem, não significa que deixe de ser tudo isso, significa?" (p. 169)



Os trechos acima são do romance Outra Vida, de Rodrigo Lacerda (Rio de Janeiro : Objetiva, 2009, 180 páginas). Um romance que trata com maestria de um momento de crise profunda num relacionamento. O casal encontra-se numa encruzilhada, numa manhã qualquer, numa rodoviária, prontos para partir para uma nova vida.

Tudo se passa numa manhã fatídica e Rodrigo Lacerda navega com maestria pelos aspectos psicológicos de cada um dos personagens. Eles não têm nome. Nada tem nome no romance. Tudo é genérico, o que dá ao romance um aspecto universal e contundente. A mulher, o homem, a filha. Uma família que se vê forçada a recomeçar depois que o homem, funcionário de uma estatal, é pego fraudando uma licitação. Corrupto confesso, perde o emprego, a autoestima, o respeito. Seu mundo desmorona e a crise atinge o ponto de ebulição.

O estilo do jovem escritor carioca, cuja obra traz o selo Alfaguara da Editora Objetiva, é fluido e provocante. Os questionamentos dos personagens são facilmente identificáveis como algo inerente a todo relacionamento que atinge o ponto de crise.

Ao longo do texto, destacaria o relacionamento do pai com a filha. Ele se agarra ao amor pela filha, seu pilar de sustentação e de coragem para tomar novas decisões. Apóia-se nela e sacrifica-se por ela. Silenciosamente, resignadamente.

Os dilemas do mundo contemporâneo e do relacionamento fazem desta obra uma reflexão atual sobre comportamento social e ético. Em determinado momento, a descrição do homem corrupto parece sair das páginas de um jornal do dia de hoje. Ou de ontem. Ou de uma data futura. A busca incessante por subir na vida a qualquer custo tem seu preço, e este preço pode não valer a pena. A rodoviária, cenário do romance, é ao mesmo tempo um símbolo de recomeço, um novo ponto de partida, e símbolo da derrocada financeira. O homem atravessou a linha da licitude e perdeu tudo.

Uma leitura que fará pensar.

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Anedota urbana

Terça-feira, pouco depois das 19 horas. Entro no elevador do prédio do escritório e há uma mulher falando no celular, num tom de voz que notadamente ignorou a minha presença.

- Você acredita que hoje era meu primeiro dia de férias e vim trabalhar? - comenta ela com o interlocutor. Só me dei conta disto quando meu chefe, depois do almoço, perguntou o que eu estava fazendo no trabalho. Pode?

Tive que me segurar para não gargalhar da cara da mulher. Tem que ser muito desligada. Ou então, não ter nada melhor para fazer.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Ipês amarelos e cerejeiras


Dias ainda frios e cinzentos. O inverno ingressa no seu terço final e algumas dicas nos são dadas pela natureza. A primavera está próxima, os dias começam a ficar mais longos e algumas árvores já antecipam esta explosão de cores.

Mesmo com a chuva por aqui, ainda é possível observar os ipês amarelos em plena florada, tingindo de amarelo vivo as ruas desta metrópole. Basta olhar, observar naquele momento em que o trânsito para e antes de você começar a reclamar. Extraia desta cor viva a luz do sol e ilumine seu dia com vida e alegria.

Mais difícil de encontrar, mas não tão raras, as cerejeiras também estão no auge da florada branca. Há várias perto da Assembleia Legislativa, próximo ao Parque do Ibirapuera. Há duas carregadas em frente ao Hospital São Luiz, no Itaim, e por onde passo diariamente.

São Paulo é predominantemente cinza, mas há cada vez mais cor e vida nesta cidade. Observe e descubra!

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Poesia: BECO DE LISBOA


BECO DE LISBOA


O sopro leve do instrumento

Toque delicado

Triste acordeon.

Precisão de som

Que brota do violão.

Voz sedutora e sublime

Sotaque lisboeta

Gutural, mas doce.


Tua voz feminina acompanha-me

Inspira-me

Alegra-me

Ou traz a melancolia?

Ambiguidade e indecisão

Arrependimento e desejo.

O homem é um ser paradoxal,

E neste paradoxo cria

Transforma

Destrói

Constrói

E ama.


RLBF – junho 1997

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

100 anos

Retrato de Euclides da Cunha, Cândido Portinari (1944)


Neste ano, comemora-se o centenário da morte de Euclides da Cunha, que faleceu em 15 de agosto de 1909. No ano passado, comemoramos o centenário da morte de Machado de Assis. No ano que vem, será comemorado o centenário de Tolstói. E assim se sucederão datas comemorativas.


Entre datas natalícias e datas de falecimento, estes momentos são de grande valia para o jovem leitor - ou para o leitor maduro, como no meu caso - descobrir o brilhantismo de um escritor.


Na sexta-feira, deparei-me com uma promoção de livros na Livraria da Vila e adquiri um exemplar de "Sermões" do Padre Antônio Vieira. Nunca tinha lido nada do grande orador e pregador. Confesso, sem qualquer vergonha, que minhas leituras de juventude foram todas de escritores europeus e americanos, tendo lido muito pouco de literatura brasileira e portuguesa.


Foi exatamente numa destas datas comemorativas que me aventurei a ler Érico Veríssimo e assim descobri a grandeza deste nome maiúsculo das letras brasileiras. Resolvi a partir de então intercalar nas minhas leituras um autor clássico, com o intuito primordial de corrigir as lacunas da minha formação.


Ler estas obras clássicas quando se não é mais um jovem preocupado com o vestibular e com uma maior experiência de vida permitem perceber a beleza da obra. Aproveite também estas datas comemorativas para mergulhar no que nossa literatura tem de melhor.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Mentiras e mais mentiras

Antes de escrever este post, olhei textos do passado sobre mentiras contadas por políticos com a maior cara lavada. Não queria repetir o título. Talvez deva fazer uma série e simplesmente usar o título mentiras seguido de algum algarismo. Não poderia usar o alfabeto, pois ele acabaria muito rápido.

O tema é a Ministra Dilma Roussef e seu pedido à ex-Secretária da Receita Federal, Lina Vieira. Se você não tem ideia sobre o que estou falando, leia aqui antes.

Dilma utilizou de todo o seu treinamento de guerrilheira para mentir e reafirmar a mentira, até que em algum momento ela se tornasse "verdade". Algo como tem feito o presidente do Senado, José Sarney. Ou como faz o chefe de todos, o nosso "Cara".

Tudo isto chega a ser patético, revoltante. Brincam com nossa inteligência, com nosso dinheiro e deixam o "barco correr" rio abaixo, rumo às quedas.

Voltemos ao caso Dilma x Lina. Quero realmente que provem e comprovem que Dilma está mentindo. Dilma vai continuar a afirmar que não pediu o que pediu à ex-secretária da Receita. Dilma utilizará de algum artifício de linguagem para dizer que foi mal interpretada, de que jamais intercederia numa atuação técnica e fiscalizatória e blá, blá, blá.

Conversa para boi dormir!

Dilma já está em maus lençóis. Afirmou que não houve o encontro. Talvez diga agora que houve o encontro, mas nada pediu. Tudo fica muito previsível. Quando estivermos no clímax do conflito, o "Cara" vai soltar alguma piada ou fazer alguma analogia tosca com futebol ou churrasco, todo mundo vai rir e prevalecerá o clima de "vamos todos à pizzaria".

Só o fato de Dilma ter tentado interceder é fato grave suficiente para ser investigado. Mas, neste nosso país, estas coisas são consideradas "normais". Eu vou continuar a ficar indignado e achar tudo muito estranho, assim como acho as cantorias do Senador Suplicy um sinal de que ele deve se aposentar.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

No colo do pai


"De cabeça baixa, ele afaga os cabelos adormecidos da filha em seu colo. Então vê um tremor nas pálpebras delicadas, uma estreita fissura naquela invejável inconsciência, e assiste, silencioso, à evolução do seu despertar. Os olhos da menina ficam semicerrados por alguns momentos. Ela intui o carinho do pai e se mexe, acomodando-se melhor. Entreabre os olhos pela primeira vez, fechando-os rapidamente. Em seguida, um longo bocejo faz avançar a realidade, uma piscada tripla focaliza tudo um pouco mais e, por fim, as mãos pequenas e macias espremem do rosto os vestígios do sono. Ela abre os olhos aquecidos, enxergando bem de perto o pai, que a olha de volta, fazendo um grande esforço para sorrir com doçura. (...)"

(Outra Vida, Rodrigo Lacerda, Rio de Janeiro : Objetiva, 2009, p. 71)


Contemplar o sono pueril, seja no colo do pai ou no leito, é um ato de paternidade que só se compreende quando se é pai. Um trecho para comemorar o dia que se aproxima neste domingo.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Coisa de criança


Ela estranhou quando ele pediu para ir novamente ao trabalho com ela ao invés de ficar brincando e aproveitando as férias. Mas as crianças são curiosas, muito curiosas. A companhia da mãe era o melhor programa para ele naquele dia de férias. Queria tê-la por perto, à sua vista, para a qualquer momento poder contemplar o belo rosto materno, compenetrado com o trabalho, o olhar fixo na tela do computador ou anotando algo numa agenda. Os olhinhos do pequeno observam tudo, captam tudo, até aqueles detalhes que já passam despercebidos pela mãe. A aflição natural que havia tomado conta dela quando ele insistiu em acompanhá-la foi substituída por um sentimento de ternura que se estendeu por toda aquela tarde. Sem dizer nada, sentiu-se orgulhosa do filho, do comportamento dele, um mocinho já. O ápice foi a companhia dele, um gesto de carinho filial , silencioso, mas que a fez sentir-se querida. Coisa de criança que sabe cativar e nutrir o coração materno.


* * * * *

Sábado a tarde e ela queria que o pai a ensinasse a andar de bicicleta. Não queria a mãe, queria só o pai. Coisa de criança que não quer magoar, apenas escolhe aquele que lhe dá mais segurança, mais tranqüilidade. O pai era a serenidade em pessoa. Calmo, paciente, tinha a palavra certa na ponta da língua, compreendia as perguntas da filha e sabia o que responder. Ela vivia querendo que ele adivinhasse o que ela estava pensando, e ele sempre acertava. Tinham uma conexão telepática. A voz firme e tranquila deu à menina a segurança que ela almejava. Não caiu nenhuma vez. Não ralou o joelho. Não sofreu nenhum traumatismo craniano e nem precisou do capacete. Em pouco menos de trinta minutos, dava suas pedaladas sem rodinhas, num ziguezague titubeante, mas feliz com a conquista: estava andando de bicicleta sem rodinhas! A mãe ficou enciumada, mas a menina soube contornar o ciúme e acalmar os ânimos aflitos da mãe que assistia a cena. A menina estava saltitante e quis repetir a dose no domingo. Mas sem a mãe.