quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Minha São Paulo


A cidade de São Paulo completou 457 anos no dia 25 de janeiro. Ao pensar no que escrever, percebi uma cidade múltipla. Uma São Paulo da minha infância, uma cidade na adolescência, uma cidade nos anos das Arcadas, um cidade profissional, uma pauliceia atual. Uma linha do tempo pessoal revelaria esta multiplicidade. Seria, porém, pouco.

Cada habitante tem a sua São Paulo, vista de forma subjetiva, dissecada do todo, parte de uma realidade complexa e múltipla. Há múltiplos bairros, cada qual com suas peculiaridades e aspectos característicos. O sotaque da Moóca, o frenesi da moda nos Jardins, o luxo das mansões o Jardim Europa e do Morumbi, a natureza do extremo da Zona Norte e de Parelheiros, o concreto do Centro. 

Há muito que escrever e não caberia num único post. Pensei na minha São Paulo, aquela cidade que me acolheu poucos dias depois de comemorar seu aniversário, na Pró Matre, maternidade localizada na Al. Joaquim Eugênio de Lima. Naquela época, as crianças nasciam na Pró Matre ou na Maternidade São Paulo, que desapareceu há alguns anos. Um ponto de partida próximo da Av. Paulista que percorre o topo de um morro. Plana e com pouco mais de 2,5 km, permite caminhar tranquilamente com suas calçadas reformadas.

A Av. Paulista é um microcosmo, uma amostra da paulistanidade, uma mistura de rostos e estórias. Há prédios residenciais e comerciais; hospitais, museus, parques, restaurantes e livrarias. Há modernidade e memória viva.

Memória que me incita a escrever mais e mais, e quem sabe, estes textos de uma São Paulo de outrora não pipocam por aqui ao longo do ano, mas por ora, vou me conter.

Mas a minha São Paulo não poderia ser descrita por objetos inanimados e construções, por mais belas que sejam. A minha São Paulo é uma cidade milhões de pessoas. É a São Paulo do Isaías, porteiro do prédio onde moro; é a cidade da Mari e do Luís, donos do restaurante onde almoço com frequência; é a morada do Severino, que todo dia pela manhã me saúda ao chegar ao escritório; é a São Paulo de conhecidos e anônimos que diariamente fazem desta uma grande cidade.

São Paulo não é feita de concreto e prédios, São Paulo é feita de gente, de pessoas acolhidas por uma cidade que sabe ser mãe: rigorosa e dura por vezes, mas sempre acolhedora.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Epígrafe - VII

"A memória é grande aliada do escritor, mas não uma lembrança cristalizada, e sim 'algo do passado que, como dizia Manuel Bandeira, agita as águas do presente. É justamente essa memória nebulosa e inexata que forma o campo inventivo da literatura'."

"Dizer que personagem cria vida própria e se liberta do autor é uma frescura. Personagem não passa de uma figura de papel. Faz apenas o que eu quiser. Depende da concepção que tenho dele."

Entrevista de Milton Hatoum concedida a Adriana Abujamra, para o Valor Econômico, publicado no caderno Eu& fim de semana, de 21, 22 e 23 de janeiro de 2011, p. 12-5.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Crônica: Jardim Botânico


JARDIM BOTÂNICO


Sebastião desceu do ônibus segurando-se nos suportes e fez um leve esforço para superar a guia e subir na calçada. Os anos tinham cobrado sua dívida e seu corpo não respondia às ordens cerebrais como antigamente. A distância entre a parada do ônibus e o portão central do Jardim Botânico era de pouco mais de trinta metros. Demorou a percorrê-la. No caminho de Copacabana até o destino, sua memória deu pulos e saltos pelo passado, rememorando as razões que o traziam aqui, ano após ano no feriado de 20 de janeiro. Além de feriado, era seu aniversário de 82 anos. Nascido no dia do padroeiro, a escolha do nome do menino foi automática. A mãe reclamou, mas o pai foi incisivo e seguro: o menino é Sebastião, ficou sabendo tempos depois pela boca da mãe.

Quando era criança, seu pai, sua mãe e os quatro irmãos vinham passear aos domingos.  Imaginava as palmeiras imperiais como soldados em posição de sentido a saudar o general que caminhava em revista às tropas. Durante as férias do grupo escolar, vinha em companhia da irmã mais velha, Madalena, que Deus a tenha. Traziam alguns sanduíches e um piquenique ganhava ares de banquete campestre e bucólico.  Na juventude, manteve o carinho pelo lugar, pelas alamedas com árvores frondosas, pela sombra convidativa, pela tranquilidade e beleza da flora exuberante. Deitava-se no gramado escondido dos guardas públicos que vigiavam o imenso jardim e observava os pássaros, atento aos ruídos e à sinfonia da natureza.

Num destes dias de verão, lia um livro quando avistou uma bela moça sentada num banco verde, ou o que restara da tinta verde  desgastada pela chuva e pela umidade. Era 1953. Dia 12 de março.  Foi o dia em que conheceu Olga. Era filha de imigrantes húngaros que haviam fugido da Europa durante a Primeira Grande Guerra. Morava na Tijuca com mais dois irmãos, uma irmã e os pais. Em poucos minutos de conversa, Sebastião estava encantando pela moça de fala mansa e longos cabelos lisos.

Sebastião era moço direito e convidou-a para um novo passeio, na semana seguinte, no mesmo banco. E assim, vários outros encontros foram sendo marcados, sempre no mesmo banco do Jardim Botânico. Conversavam, riam e deixaram que o brilho dos olhares os arrebatasse. Casaram-se dois anos depois do primeiro encontro. A vida era bela e Sebastião desfrutava da felicidade jovial que acompanham as novas descobertas e as novas fases da vida.

Mas Olga era seca e não lhe deu filhos. Sorrateiramente, Olga foi definhando, tomada por um sentimento de culpa que Sebastião tentou amenizar. Compartilhava com ela todos os momentos para que a melancolia não lhe derrubasse. Convidava a esposa para ir ao Centro e aproveitavam o final de tarde na Confeitaria Colombo ou outra casa de chá. Depois iam ao cinema ou ao teatro, ou retornavam para casa sem pressa  deixando a noite cair mansa e o silêncio amuar Olga. A vida era confortável, não repleta de posses, mas generosa com os dois. Olga, porém, jamais se perdoou por não dar um filho a Sebastião. Certa manhã, não acordou. Inerte, havia desistido de viver.

Sebastião finalmente sentou-se no banco que ainda era verde, como da primeira vez. Tirou do bolso um lenço e enxugou as lágrimas. Com a mão trêmula, enfiou a mão direita no bolso do paletó e tirou uma rosa vermelha. Repousou-a sobre o banco.  E deixou o tempo correr livre pela tarde contemplando a bela flor, contemplando a companheira que não estava mais com ele.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

SOS Rio



As lojas Pão de Açúcar na Grande São Paulo também recebem doações.

Colabore você também!

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Um novo capítulo

A Modern Sound fechou suas portas. A tradicional loja de música de Copacabana encerrou suas atividades no último dia de dezembro do ano de 2010. A notícia foi tema do post anterior. Fiquei com a triste sensação, ao saber do fato, de ter perdido uma fotografia, um objeto querido, um momento único cujo cenário desapareceu.

Estive na Modern Sound um única vez numa manhã de sexta-feira de junho de 2008. Levado por uma amiga sem igual, passei a manhã inteira na loja, sem perceber o tempo passar, sem querer que o tempo passasse. Vasculhamos as prateleiras repletas de CDs, alguns raros, outros revelando a variedade impressionante de gêneros e artistas que o catálogo da loja trazia.

Era um salão amplo, pé direito alto que permitia uma luminosidade natural, grandes prateleiras nas laterais. No centro, grandes caixas de madeira, como prateleiras deitadas na horizontal, permitiam dedilhar pelos CDs e garimpar algo diferente. Subindo alguns degraus, no fundo da loja, outra seção com mais CDs. No lado direito da loja, um pequeno café com mesinhas que ficavam numa parte elevada e permitiam uma visão global do salão. 

Foi um lugar que marcou-me e que se tornou inesquecível, não só pela companhia, mas por ser algo completamente diferente. Bastava falar na loja com alguém, que a conversa conduzia os interlocutores àquele canto da Barata Ribeiro. Um CD raro encontrado por lá; um pocket show senscional; o ambiente que transpirava boa música.

Por ironia da vida, a Modern Sound sucumbiu à modernidade. O "modern" da razão social ficou ultrapassado. A indústria musical mudou, não conseguiu ainda se adaptar totalmente aos sistemas de download de música e não soube combater a pirataria de forma eficaz. Culpa de quem? Creio que as grandes responsáveis são as gravadoras. Se elas tivessem sabido abrir mão de um pouco do lucro, teriam preservado toda uma cadeia de negócios, incluindo o lojista final.

A Modern Sound sucumbiu à modernidade, à pirataria, aos elevados custos que o empresário enfrenta no Brasil. Mas a Modern Sound era um patrimônio carioca e viverá em nossas memórias.

Memória que sempre guarda aquilo que queremos preservar.

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Triste notícia



A notícia teve destaque no Jornal Nacional. A chamada, sem mencionar o nome da loja, imediatamente me fez adivinhar o que viria. O fato me entristeceu. O Globo também noticiou o fim de uma era. O anúncio acima é um epitáfio singelo para honrar um patrimônio da música carioca.  A Modern Sound fechou suas portas.

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Crônica: Resolução de Ano Novo



RESOLUÇÃO DE ANO NOVO


Cumpriu sua resolução de ano novo e parou de fumar no ano que se foi.  Não era muito simpático a estas resoluções, nem tampouco anotava suas metas, pois geralmente não as atingia. Foi em janeiro, logo no começo do ano, que secretamente estipulou o início das férias para, de uma vez por todas,  sepultar o vício. Tentara outras vezes, mas sucumbiu.

Ele gostava de fumar. Eram momentos de pausa e reflexão, onde contemplava o espiral de fumaça dançando no ar e se desfazendo. Fumava por prazer mais do que por vício. O cigarro se transformara em companheiro, um amigo para os momentos solitários. No final dia, a escada de incêndio era um recanto hospitaleiro e convidativo, quase aconchegante, onde isolava-se do mundo para desfrutar daquele cigarrinho. Não era um fumante chato e implicante. Sentava na área de não fumantes nos restaurantes e trazia consigo aquele aroma típico de fumante, aquela nuvem invisível mas sensível ao olfato. Era um fumante discreto.

Um colega de trabalho vivia insistindo:

- Você precisa largar este cigarro. Faz mal! – lançava a crítica com ar superior.

- Vou parar nas férias. – respondeu, notando a expressão de surpresa no rosto do colega chato.

- Mas... vai parar assim a seco? – indagou com desconfiança e duvidando da força de vontade do fumante.

Ele apenas sorriu. Tinha medo de que não conseguisse, de que sua força de vontade não fosse suficiente, de que a falta de acompanhamento médico e psicológico seriam fatais para seu fracasso, de que a dependência era maior do que imaginava, mas estava decidido.  E agora havia tornado público sua meta. Se fracassasse, seria mais um fumante objeto de piada.

Claro que sentiria falta do cigarro após o almoço, no final do expediente e na mesa do bar. Uma pausa para um cigarro e um café era um hábito arraigado na sua rotina. Iniciou sua empreitada mudando o rotineiro. Postergou o primeiro cigarro do dia. Deixou de fumar nos finais de semana.

Com uma nova proibição de fumar dentro de edifícios, tinha que descer para fumar no fumódromo. Praguejou no começo, mas depois a fraternidade entre os fumantes permitiu um novo rol de companhias. Combinavam os horários para fumar e conversar via MSN ou torpedos. Um novo entrosamento surgiu na recém criada confraria de fumantes da empresa. Gente que ele mal conhecia, e de repente, o vício as uniu. Não deixou, porém, que este grupo o impedisse de atingir seu propósito. Guardou segredo.

Na sexta-feira, véspera das férias, final de tarde, foi ao fumódromo e degustou lentamente seu último tubete de nicotina. O gosto era estranho, amargo, como se seu organismo contribuísse com a vontade de abandonar aquele cilindro de fumo. Na quarta tragada notou que o prazer havia desaparecido, que o gesto se tornara desajeitado, que o aroma o incomodava. Apagou o último cigarro na metade.


Quando voltou de férias, o chato nem reparou que ele havia parado de fumar. Alguns dias se passaram e veio a pergunta:

- Largou mesmo o cigarro?

Diante da resposta afirmativa e contundente, o colega fulminou:

- Cuidado, hein. Dizem que quem larga o cigarro engorda e na sua idade...

- Não tem problema. – respondeu certeiro. – Se engordar, eu volto a fumar para emagrecer.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

E Lula se foi

Chegou o dia e o ano começou com uma ótima notícia: Lula não é mais o presidente do Brasil. Deixou no seu lugar uma cria sua, mas pelo menos não vamos mais ouvir comédia stand up no jornal da noite. Lula, nos últimos tempos, fazia show cômico e não discurso. Tudo era fantasia, pois os fatos não condiziam com a realidade e não passavam de uma série de mentiras fantasiosas.

Passada a eleição, o castelo de cartas começou a ruir. Cesare Battisti, o companheiro italiano, ganhou refúgio, a Infraero será privatizada, as nossas fronteiras estão vulneráveis ao tráfico de drogas, o Minha Casa, Minha Vida não vai cumprir sua meta e por aí vai.

Lula terá uma crise de abstinência e vai sentir falta de um palanque, de um microfone para chamar de seu. A saída do poder gera estas coisas. É questão de tempo.

Quanto à Dilma, não vejo grande coisa em ser a primeira mulher presidente. Seu discurso foi parecia leitura de programa partidário, enfadonho e burocrático. Um discurso com a cara dela. Sua obrigação é fazer um bom governo, não importa se o governante é mulher ou homem. Quando Celso Pitta foi eleito prefeito de São Paulo, louvavam o fato de ser negro. Quando seu governo afundou, ninguém mais tocou no assunto. Com Dilma será a mesma coisa: se ela for bem, louvaram as mulheres; se ela for mal, a culpa será do Lula.