sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Crônica: Jardim Botânico


JARDIM BOTÂNICO


Sebastião desceu do ônibus segurando-se nos suportes e fez um leve esforço para superar a guia e subir na calçada. Os anos tinham cobrado sua dívida e seu corpo não respondia às ordens cerebrais como antigamente. A distância entre a parada do ônibus e o portão central do Jardim Botânico era de pouco mais de trinta metros. Demorou a percorrê-la. No caminho de Copacabana até o destino, sua memória deu pulos e saltos pelo passado, rememorando as razões que o traziam aqui, ano após ano no feriado de 20 de janeiro. Além de feriado, era seu aniversário de 82 anos. Nascido no dia do padroeiro, a escolha do nome do menino foi automática. A mãe reclamou, mas o pai foi incisivo e seguro: o menino é Sebastião, ficou sabendo tempos depois pela boca da mãe.

Quando era criança, seu pai, sua mãe e os quatro irmãos vinham passear aos domingos.  Imaginava as palmeiras imperiais como soldados em posição de sentido a saudar o general que caminhava em revista às tropas. Durante as férias do grupo escolar, vinha em companhia da irmã mais velha, Madalena, que Deus a tenha. Traziam alguns sanduíches e um piquenique ganhava ares de banquete campestre e bucólico.  Na juventude, manteve o carinho pelo lugar, pelas alamedas com árvores frondosas, pela sombra convidativa, pela tranquilidade e beleza da flora exuberante. Deitava-se no gramado escondido dos guardas públicos que vigiavam o imenso jardim e observava os pássaros, atento aos ruídos e à sinfonia da natureza.

Num destes dias de verão, lia um livro quando avistou uma bela moça sentada num banco verde, ou o que restara da tinta verde  desgastada pela chuva e pela umidade. Era 1953. Dia 12 de março.  Foi o dia em que conheceu Olga. Era filha de imigrantes húngaros que haviam fugido da Europa durante a Primeira Grande Guerra. Morava na Tijuca com mais dois irmãos, uma irmã e os pais. Em poucos minutos de conversa, Sebastião estava encantando pela moça de fala mansa e longos cabelos lisos.

Sebastião era moço direito e convidou-a para um novo passeio, na semana seguinte, no mesmo banco. E assim, vários outros encontros foram sendo marcados, sempre no mesmo banco do Jardim Botânico. Conversavam, riam e deixaram que o brilho dos olhares os arrebatasse. Casaram-se dois anos depois do primeiro encontro. A vida era bela e Sebastião desfrutava da felicidade jovial que acompanham as novas descobertas e as novas fases da vida.

Mas Olga era seca e não lhe deu filhos. Sorrateiramente, Olga foi definhando, tomada por um sentimento de culpa que Sebastião tentou amenizar. Compartilhava com ela todos os momentos para que a melancolia não lhe derrubasse. Convidava a esposa para ir ao Centro e aproveitavam o final de tarde na Confeitaria Colombo ou outra casa de chá. Depois iam ao cinema ou ao teatro, ou retornavam para casa sem pressa  deixando a noite cair mansa e o silêncio amuar Olga. A vida era confortável, não repleta de posses, mas generosa com os dois. Olga, porém, jamais se perdoou por não dar um filho a Sebastião. Certa manhã, não acordou. Inerte, havia desistido de viver.

Sebastião finalmente sentou-se no banco que ainda era verde, como da primeira vez. Tirou do bolso um lenço e enxugou as lágrimas. Com a mão trêmula, enfiou a mão direita no bolso do paletó e tirou uma rosa vermelha. Repousou-a sobre o banco.  E deixou o tempo correr livre pela tarde contemplando a bela flor, contemplando a companheira que não estava mais com ele.

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