quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Cenários Urbanos

Enseada de Botafogo, de Francisco Coculilo (c. 1930)




A cidade adormecida traz consigo um silêncio diferente, entrecortado apenas por alguns carros e caminhões que seguem pela Marginal, evitando o horário do rodízio. O relógio marca quinze minutos antes da seis da manhã de uma sexta-feira. Está escuro, como noite. O aroma do final de madrugada traz consigo um leve toque de orvalho, um frescor não encontrado nos dias de verão paulistano. O ritmo ainda é lento da cidade que desfruta de seus momentos derradeiros de escuridão.





Chego a Congonhas um pouco antes das seis. Não há filas, não há transtorno, não há correria. É fácil estacionar o carro. É fácil fazer o check-in. É fácil pedir um café para acordar. Muitos, como eu, aguardam seus voos. Poucos voos, mas não há atrasos, nem esperas. Pontualmente embarcamos, com um traço de claridade no horizonte. Traço de tons claros, um amarelo quase branco sucede a um rosa mais intenso. Deixo São Paulo preguiçosamente acordando e o céu ganhando sua coloração anil.





Foi Le Corbusier que disse que Oscar Niemeyer tinha nos olhos as curvas do Rio e que isto refletia em sua arquitetura. A visão do alto permite contemplar, com olhos de pássaro, as curvas do Rio. Uma geografia privilegiada e que me fascina. Não importa o número de vezes que desfrute desta visão; sempre há algo novo e fascinante, sempre há um detalhe a observar, um ângulo. O Cristo no alto do Corcovado é o mesmo, mas talvez eu não seja mais o mesmo, talvez não a mudança não seja do cenário, mas do espectador. O Pão de Açúcar surge no lado direito do avião que faz a curva final para aterrissar no Santos Dumont. O dia está esplendoroso!




Meu destino é a Sete de Setembro, quase esquina com a Rio Branco. Desço do táxi e caminho pela Rio Branco até a Biblioteca Nacional para contemplar o majestoso hall de entrada. O centro do Rio despertou-me um ar nostálgico, dos tempos de Machado, talvez uma premonição do que observaria. Retornei pela mesma avenida, dobrando á esquerda para o Largo da Carioca. Segui pela Gonçalves Dias, rua de paralelepípedos e pequenos sobrados coloniais. Suas janelas grandes no andar superior pareciam olhos a contemplar os transeuntes apressados; parecem pessoas deitadas de bruços, silenciosas mas atentas. Meu ritmo é vagaroso a observar aqueles sobrados. Paro na Confeitaria Colombo para um café. Tenho tempo antes do meu compromisso.





Adentrar na Colombo é viajar no tempo, viajar para a Lisboa antiga, para uma época áurea em que a capital federal localizava-se neste Rio de Janeiro. Espelhos gigantescos e paredes decoradas com detalhes de uma arquitetura de época. Tudo esteticamente aprazível, não há exageros. Fico a imaginar aqueles salões repletos de homens engravatados, de mulheres com seus trajes pesados...e aquele calor. Faz 34 graus e sinto a umidade no ar. Na esquina da Gonçalves Dias com a Sete de Setembro um homem fuma cachimbo. O aroma do tabaco inunda minhas narinas e completa o cenário nostálgico. Voltei para o final do século XIX ao sentir aquele perfume do fumo.





Após o almoço, segui pela Rua da Assembléia para uma rápida visita a uma colega já que o tempo escasseava antes do retorno. Resolvi arriscar e caminhar de volta ao aeroporto. Minha rota guiou-me pela Av. Presidente Antônio Carlos, via larga e ampla. Tive uma gratíssima surpresa ao seguir por este caminho: ao fundo o Pão de Açúcar e uma generosa brisa. Os prédios que ladeiam a avenida lembraram-me de soldados enfileirados, imóveis, como numa cerimônia militar e ao fundo o súdito. O súdito, neste caso, o Pão de Açúcar sem nenhum obstáculo à contemplação. O sol forte que esquentava meu terno escuro deixou de ser relevante diante da beleza da cena natural com que era premiado. De fato, Niemeyer só poderia desenhar o que desenhou sendo carioca.





Quase no destino final, paro na esquina da Pres. Wilson e lá está a Casa de Machado. Ele que tantas vezes me guiou pelo Centro e por arredores do Rio com suas palavras, parecia agora se divertir com minhas descobertas empíricas. Cenários urbanos a serem descobertos com um olhar afiado. Cenários de uma cidade que deslumbra sempre. Porém, nesta rápida passagem pela capital fluminense, senti falta de algo. Ou melhor, de alguém que me desvendou os encantos cariocas. Era hora de voltar e deixar para trás - até a próxima visita – as belezas naturais desta cidade abençoada.




OBS: Se estes caminhos não fazem sentido, sugiro ao leitor que use o Google Maps para se situar e apreciar a paisagem.

Um comentário:

Edna Federico disse...

Dá pra notar que você gosta mesmo do Rio...mas também, quem não gosta, não é?
Beijo