"- Até então para mim as leituras eram uma obrigação, uma espécie de multa a pagar a professores e tutores sem saber muito bem para quê. Eu não conhecia o prazer de ler, de explorar portas que se abrem na nossa alma, de abandonar-se à imaginação, à beleza e ao mistério da ficção e de linguagem. Tudo isso para mim começou com aquele livro. (...)
- Bem, você é ainda muito jovem. Mas é essa mesma sensação, essa chama da primeira vez que nós não esquecemos. Este é um mundo de sombras, Daniel, e a magia é um bem escasso. Aquele livro me ensinou que ler poderia me fazer viver mais e mais intensamente, que poderia devolver-me a visão que eu tinha perdido. Só por isso aquele livro, que não interessava a ninguém, mudou a minha vida."
(A Sombra do Vento. Rio de Janeiro : Objetiva, 2007, p. 27)
O trecho acima foi extraído do Best-seller de Carlos Ruiz Zafón. Clara, a titular da fala, é cega e os livros são lidos para ela. Clara conta a Daniel como um livro mudou sua vida, como descobriu o prazer de ler, tudo provocado por um livro esquecido e desprezado pelos outros.
Este trecho poderia ser a epígrafe de uma tese de doutorado ou de um longo ensaio sobre literatura e o prazer de ler. Vou pinçar alguns pedaços e idéias para uma breve reflexão de final de tarde.
No momento em que se consegue transformar a leitura em algo prazeroso, descobrimos um novo mundo. Volte no tempo. Pergunte-se qual o primeiro livro que marcou sua vida? Todos nós temos um livro que em algum momento, de forma inadvertida e silenciosa, mudou nossa forma de ver o mundo. Um livro que nos abriu os olhos para um nova dimensão , que nos permitiu ver aquilo que jamais tínhamos reparado.
Posso afirmar que o primeiro livro que li com prazer, sem ser obrigado, foi "O Velho e o Mar", de Ernest Hemingway. Li no colégio e muitos não gostaram. Eu fiquei fascinado pela persistência, pela luta, pelo esforço do velho Santiago em busca do peixe grande. Santiago arrisca a própria vida para conseguir seu maior objetivo: pescar um grande marlim azul. Santiago é bem sucedido em sua empreitada, mas ao tentar trazer o enorme peixe de volta para a praia, seu barco é atacado por um cardume de tubarões. Ele luta em vão para tentar preservar o peixe dos tubarões. Volta à praia, satisfeito, realizado, para deitar-se em sua cama e morrer.
Hemingway compara a vida a uma pescaria e tem grande êxito na comparação. Como disse, muitos não gostaram do livro, muitos não compreenderam a mensagem do livro. Eu fiquei apaixonado por Hemingway a partir daquela obra e li vários livros de sua autoria.
Meu ponto é exatamente este: um livro pode ser marcante para uma pessoa, mas não dizer nada a outra pessoa. Isto não tira o mérito do livro, nem de seu autor. Mas a leitura nos surpreende quando encontramos as palavras que precisamos ler naquele exato momento. A magia pode ser escassa no mundo, mas é abundante nos livros.
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